Recolhedoras de palavras

Partilhar

Publicamos um dos muitos capítulos de “O povo improvisador“, de Séchu Sende,  o livro que Através vem de reeditar. Este capítulo é umha homenagem às recolhedoras de palavras e melodias, de várias geraçons, com algumhas protagonistas fundamentais na atualidade. O povo improvisador recolhe a crónica, ademais, de várias recolhidas de poesia improvisada, como a transcriçom da mágica entrevista em verso entre Séchu Sende e o improvisador Manuel Garcia, o  Capador de Sesulfe, ou a recolhida a Angelita do Banho no Courel. Poesia oral, cancioneiros, recolheitas som alguns dos temas deste livro divulgativo que, além de falar de Rimaterapia ou o sex-appeal da poesia cantada, fala de temas como a festa e a revoluçom, o papel de Celso Fernández Sanmartin no processo de paz dos Latin Kings e os Ñetas através da oralidade, de Amergin, o neto poeta de Breogán,  de Marcial Valadares, dos lenços dos namorados, das improvisattrici italianas do séc. XIX, da Rosalia improvisadora, do Free Curdistám no repentismo, de regueifas ilegais, de Caxade a tocar o acordeom para um urso no Courel, entre outras muitas histórias. O livro é um referente divulgativo do movimento da Nova Regueifa e, em especial, da didática da improvisaçom oral, desde a experiência do autor como militante do Projeto Regueifesta. 

***

Rocío saiu da casa, em Compostela, às 8.00h e entrou no velho Opel Corsa para ir à aventura, com roupa ligeira: umhas malhas, uns pisa-merdas, um casaco ligeiro de pele de anta. Sente que está um pouco fresco. “Malo será”. Também leva um acordeom na mala do carro. No dia anterior tivo umha intuiçom: há que levar um acordeom, polo sim, polo nom. Emprestou-lho um colega no último momento. Acompanham-a Xabier e Álex. Vamos ver o que encontram nesta viagem!

Rocío, Álex e Xabier andam polos vinte anos. E som de um tipo mui especial de pessoas. Percorrem o país em busca de algo que nem podem imaginar. Cada fim de semana a força da tradiçom arrasta-os polos caminhos. Percorrem autoestradas, estradas, pistas, corredoiras. O que procuram nom se pode tocar com os dedos, é imaterial.

O Opel Corsa está a dar as últimas e quando a estrada vira para cima, o carro nom consegue subir. Leva peso demais. Há que empurrar. Álex e Xabier descem do carro e tiram também o acordeom. Nesse dia tenhem que baixar e empurrar várias vezes.

Atravessam o país em busca de sons. E esses sons podem ser mais valiosos do que o ouro. Durante toda a sua vida lembrarám as suas aventuras como umha verdadeira odisseia. Som buscadores de melodias, procuradores de cançons, aventureiros da tradiçom oral. Vam recolhendo, procurando mulheres e homens que cantem e dancem e deem a sua permissom para gravar tudo o que for possível.

Há mais de cem anos, estas recolhas nom podiam ser gravadas e os sons que vibravam no ar transcreviam-se sobre papel. No século XX, a tecnologia permitiu gravar as cançons em magnetofones. Nos anos setenta, popularizárom-se os gravadores com fita de rádio-cassete, acessíveis para umha geraçom de recolhedoras e recolhedores que percorreu o país de cima a baixo. Há recolhedoras que chegárom a ter centenas de cassetes nas suas casas, milhares de horas. Hoje, as cançons e as danças registam-se em câmaras digitais e telemóveis.

Graças às recolhedoras de palavras, hoje cantamos muitas das cançons que cantamos e ouvimos muitas das cançons que ouvimos. Dizia Bob Dylan que a sua obra nom seria a mesma sem as músicas de Robert Johnson que Alan Lómax gravou nos anos 30 do século passado, de quem também se confessárom devedores Elvis Presley, Johnny Cash ou Kurt Cobain. E Miles Davis nunca teria composto “The Pan Pipe” sem a gravaçom que o próprio Alan Lomax realizou do chifro dum afiador nos Peares. E sem as recolhas do cancioneiro tradicional de Marcial Valladares ou Dorothé Schubart, entre muita outra gente, a música galega moderna – do rock ao rap, passando polo trap ou polo pop – nom seria como é. A história da música contemporânea nom seria a mesma sem as recolhas da música tradicional.

Por isso, estas palavras som umha homenagem às recolhedoras que, como Rocío, Álex e Xabier, percorrêrom a Galiza e o mundo na busca do património musical. À gente que recolheu e recolhe músicas, danças, contos, lendas e qualquer outra manifestaçom oral, a nossa admiraçom e reconhecimento. Especialmente à gente que compartilhou esse bem comum do povo. E também, com certeza, um agradecimento a todas as pessoas que, abrindo as suas casas e as suas vidas, cantárom e dançárom oferecendo generosamente a sua própria cultura ao povo galego e à humanidade.

Fim do trajeto: destino! Quando Rocío desce do carro, a neve chega-lhe aos joelhos e enchoupa os pisa-merdas e as malhas. E começa a tiritar de frio. Ao lado da lareira, numha taberna, com um café com leite a aquecer as maos e o corpo, alguém diz a Rocio, Álex e Xabier que talvez tenham sorte: perto dali vive um homem que há anos tocava acordeom. Sim! À porta da sua casa, aquele homem baixote de dedos gordos ouve aquela gente nova e, com melancolia, explica-lhes: Sim, eu antes tocava acordeom, mas tivem que vendê-lo há cinco anos. Rocío diz-lhe: Espere um pouco! E em trinta segundos volta com o acordeom a brilhar entre os flocos de neve, o homem começa a tocar e Rocío dá play ao gravador.

Passou muito tempo desde aquela aventura. Rocío Candales há mais de vinte anos que nom sai como recolhedora. Na atualidade, é mestra e ativista cultural e tem duas filhas de 9 e 13 anos que estám a aprender a tocar gaita e sabem improvisar cantando em verso. Álex Ínsua é professor de pandeireta em várias associaçons culturais e continua a recolher, desde há mais de 30 anos. Xabier Díaz tem gravados vários discos e é um músico admirado na Galiza e em parte do estrangeiro.

Rocío Candales começou a recolher por curiosidade, “porque depois de levar anos tocando gaita nunca parara para pensar de onde vinham as peças que tocava. Depois da primeira recolha, o contacto com aquela realidade desconhecida para mim foi como um jeito de atar-me à terra, umha maneira de acrescentar peças para conformar a evidência da pertença a um país. Lembro-me das borboletas no estômago, da humidade dos dias cinzentos na roupa, das madrugadelas recompensadas no momento dos primeiros contactos com as mulheres, na busca de algum vestígio de trasmissom. A adrenalina de compartilhar alegria no meio de um mundo a piques de desaparecer”.

Quigemos falar com recolhedoras de palavras e músicas do século XXI. Blanca Villares recolhe desde mui nova. Filha de gaiteiro, aprendeu a cantar na casa, ouvindo as mulheres à mesa nos domingos e nos dias de festa, batendo na mesa com as maos e as colheres. “De mocinha, com 13 ou 14, comecei a tocar num coletivo cultural chamado Reviravolta. Quem sabia algo mais ensinava o resto, mas tínhamos apenas repertório: Xabi e Lis, que eram dous companheiros, subiam muito à montanha nos fins de semana para bailar e tocar com os velhos das Nogais, Pedrafita… E eu fum com eles várias vezes. Aprendemos pouco a pouco as cantigas e os jeitos que lhes escuitávamos. Depois, quando fum conhecendo outras moças doutras zonas que faziam o mesmo que eu, fum ampliando repertório, mas sempre à base de escuitar e tentar reproduzir. Recolhim porque gozava muito com cada peça nova ou variaçom que aprendia.”

Também Pepa Yáñez começou a recolher desde rapariga. Aprendeu cultura e tradiçom galega no coletivo María Castaña de Lugo. E explica que como parte daquela formaçom figurava sair para recolher: “Quem lá se formava ia recolher pola província na busca de um traje de cotio, um conto, umha cantiga, umha técnica…”

Blanca Villares conta-nos umha história bem curiosa: “En Taramundi hai moitos anos que participo dun encontro cos tocadores da montaña. Polo San Martiño organízase unha castañada e xuntabamos gaiteiros vellos da Fonsagrada, Ribeira de Piquín, Boal, Bres…, da zona asturiana e galega. Unha desas noites cantei cun gaiteiro, o Praviano, que lle daba moito xeito e cadrabamos moi ben. O caso é que levaba un bon pedazo tocando con el e díxome: -Carai, que ben lle dás! Heiche tocar unha bonita bonita pra cantar, das de antes. Eu emocioneime toda e cando arrincou a tocar…. A canción era María Isabel de Los Payos! Tenme pasado isto mesmo mil veces, con diferentes informantes, e con mil cancións: Mi carro do Manolo Escobar, Clavelitos, a Conga

Agora doulle outro sentido ás recollidas, claro. Temos por un lado esa obsesión de que non se perda nada do que había, de xuntar e compoñer as pezas do crebacabeças para comprender de onde vén a nosa música, qué foi primeiro… e esa obsesión por depurar as esencias. Mais para min tan importante como iso é darlle valor a esas prácticas en si mesmo: xuntarse para cantar e contar e bailar, cantar traballando, aprender das escoitas, o respecto interxeracional, resolver conflitos tamén. Leva moitos valores asociados ademais do propio valor etnográfico-musical. Por iso é que vivo na montaña e sigo aprendendo das persoas que a habitan. E por iso é que as miñas aulas sempre aspiran a deixar de ser “aulas”, e busco que a xente normalice o de cantar fóra delas e facer comunidade. A improvisación sempre está presente! Ás veces máis acotada a contextos como o entroido. Mais dalgún xeito sempre presente. Igual non tan espontánea e longa como o brindo, por exemplo, pero improvisábanse coplas seguido: para picar á compañeira, comentar a vestimenta, comentar as parellas do baile, o moito que bebe este ou aquel… E rirse da tola que vén gravalo todo!  Encántame esa función social da música, penso que tiña todo o sentido e é unha pena que non soubesemos adaptala para que seguise evolucionando co resto da música. Por iso hai que facer traballo de recuperación, posta en valor e sobre todo, actualización aos novos contextos. Deberíamos estar tod@s facendo Tik Tok co brindo!”.

Pepa Yáñez conta-nos: “Lembro-me de umha improvisaçom de um informante de meia idade no Hospital do Cebreiro. Numha celebraçom para a recuperaçom dos cantos de reis, meio que improvisou umha copla, porque tinham previsto ir ao Luar. Cantou lá, dias antes de ir ao programa:

A minha filha dote nom tem

mas canta e baila bem,

sabe coser e sabe bordar,

quero que seja a melhor do Luar

Trocou lugar por Luar. E eu fiquei com essa ideia de trocar palavras para fazer humor.”

Marta Otero fai parte da última geraçom de recolhedoras e explica-nos: “Eu recolho porque quero arrecadar informaçom sobre a tradiçom do meu povo, empapar-me da sua cultura, da sua dança, dos seus contos… Recolho para mim, para saber mais e seguir com a cadeia de transmissom. Recolher é umha maneira de achegar-me às danças, aos cantos, aos contos e aos jeitos de vida que tinham as minhas antepassadas. Eu sempre pensei que há que conhecer bem o que umha pessoa tem de seu, para conformar a identidade própria e depois se abrir a novas culturas. Nas recolhas, a improvisaçom está presente em cada palavra, em cada canto, em cada conto, em cada ponto de dança… A improvisaçom é parte fundamental para entender as nossas danças e as nossas melodias. E nas foliadas, ao final da festa, sempre chega o momento da regueifa. Na nossa malta de Botos, onde nos juntamos pessoas de diferentes geraçons, é típico apanhar a cançom que melhor sabemos e improvisar a letra à mesa. Para mim a regueifa anuncia o fim de festa mas também é o momento mais intenso da noite.”