Florencio Delgado, um exemplo a seguir

Partilhar

Florencio Delgado Gurriarán (1903–1987) foi umha criança de família media-alta de Córgomo, Valdeorras, em que, curiosamente, sempre se falou em galego. Florencio, ademais, foi um adolescente que lia em galego, literatura ou A Nosa Terra, e que mui novo começou a escrever poemas no seu idioma. Isto é, como Manuel Antonio, que figera aquele pacto de sangue com o seu primo para falarem galego sempre, Florencio pertence a essa primeira geraçom de adolescentes galeguistas. A consciência linguística desta geraçom constrói-se com a evoluçom do pensamento das Irmandades da Fala, o Seminário de Estudos Galegos e o Partido Galeguista, três organizaçons das quais formou parte Florencio neste primeiro terço do século.

Florencio foi um ativista do idioma que, em suma, gostava da festa como criaçom cultural coletiva. Era dos que contratava os gaiteiros e a banda, segundo sabemos ‑junto com muitíssimas cousas- graças ao seu biógrafo, Ricardo Gurriarán. Neste sentido, queremos destacar a dimensom lúdica de Florencio, com umha obra atravessada polo humor e a festa. E assim, por exemplo, gostamos de chamá-lo como O poeta que baila, porque bailar e cantar fôrom duas formas de expressom popular muito presentes na sua vida e obra.

Queremos destacar a dimensom lúdica de Florencio, com umha obra atravessada polo humor e a festa. E assim, por exemplo, gostamos de chamá-lo como O poeta que baila, porque bailar e cantar fôrom duas formas de expressom popular muito presentes na sua vida e obra.

 

A festa serviu como construçom política e cultural que já as Irmandades que Risco ou Castelao soubérom pôr em valor naquela época. Devemos compreender também a obra de Florencio nestas coordenadas: a guerra, a violência fascista, a repressom e o exílio. Estes quatro elementos marcárom a sua vida mas, ao mesmo tempo, utilizou o humor, a festa e a música como método de resiliência. Moinheira, jota, pandeirada, foliada, aturujo, alalá, alborada, ruada, rumba, tango, madrigal, fado, dançom, huapango, jarabe tapatio, corrido, son veracruzano… todos estes termos aparecem nos seus poemas, festas de palavras.

Temos sorte de poder conhecer um poeta militante que chamava assim a vizinhança em 1934: “Os galeguistas de Portela e Górgomo invitamosvos a que (…) celebredes o Dia de Galiza cantando as nosas canzóns, falando a nosa fala, lendo libros galegos e facendo profesión de Galeguismo. Invitámosvos tamén a que concurrades á festa galega que orgaiza o noso Grupo (…) Terra a Nosa”. Porque Florencio será durante toda a sua vida um desses militantes do galeguismo que trabalhárom incansável e persistentemente.

A cena é a seguinte: julho de 1936. Umha mulher vê Florencio achegar-se polo caminho lendo um livro, no vale de Córgomo. A mulher escuita o ruído de um motor, olha para atrás e descobre um veículo cheio de falangistas. Volta olhar para Florencio mas desapareceu. Quando os falangistas passam e se afastam, sai de detrás dumhas giestas onde escondera e bota a correr. É por esta persecuçom que finalmente decide fugir. Alguns dos seus amigos que ficárom na Galiza serám assassinados, outros marcharám para a guerrilha, à montanha.

Como dizemos, Florencio decide fugir e passar a território republicano. Depois de vários dias escondido em casas provisoriamente seguras, intenta cruzar para Portugal. Fai-se passar por topógrafo, acompanhando um familiar que trabalha nesse ofício e vai-se achegando ao sul, até que consegue chegar a Portugal. No Porto sobe a um mercante como polisom e fai a viagem até a França debaixo de umha cama. Depois, aporta em Catalunha onde chegaria a ir à fronte do Ebro, reunir-se com colegas do Partido Galeguista.

No Porto sobe a um mercante como polisom e fai a viagem até a França debaixo de umha cama. Depois, aporta em Catalunha onde chegaria a ir à fronte do Ebro, reunir-se com colegas do Partido Galeguista.

Mais emoçom: estamos em fevereiro de 1939. Castelao escreve umha carta para Florencio desde Cuba. Essa carta estremece. Castelao ainda mantém a esperança de ganhar a guerra: “O tempo daranos o trunfo”, di. “A esta idea estou aferrado, mais eu andaba e ando apenado lembrándome de vós, de todol-os irmáns que vivían em Barcelona. ¿Salvaronse todos? ¿Quedou algún alá?. Velahi a door que me rilla dende que se perdeu Cataluya. Sei de Picallo, do Marcial Fernández, de ti e de Mateos. De ninguén máis.”

Delgado Gurriarán foi um antifascista. Na nossa opiniom, o seu antifascismo deveria ser um dos principais valores na atualizaçom da sua figura em 2022. Por exemplo, no ano 39 colabora com a revista Nueva Galicia, voz dos antifascistas galegos. Ao longo da sua obra, este é um tema nuclear. Também no 39,  intentou com outros galeguistas e comunistas galegos e com o apoio de Líster e da Sociedade Hispano Confederada de Nova York, organizar a fugida através de Portugal dalguns guerrilheiros que luitavam nos montes da Galiza. Mas já nom deu tempo.

Como integrante do Partido Galeguista começa a colaborar com a Solidariedade Galega Antifeixista e a organizar evacuaçons e gerir vários barcos de refugiados políticos para América. Por exemplo, puxo um anúncio dum jornal de Toulouse para que os refugiados e refugiadas galegas se pugessem em contacto com ele para organizar a evacuaçom. Florencio exila-se num desses navios, o Ipanema, com 997 refugiados políticos mais. E aqui chega outro momento emocionante para o filme: na altura das costas da Galiza, vários centos de galegos e galegas reúnem-se em coberta. Conta‑o ele numha entrevista em México:  “E despois ali cantamos o himno galego e tiramos ao mar umha garrafa com um saúdo, melhor dito, com umha despedida”.

Florencio exila-se num desses navios, o Ipanema, com 997 refugiados políticos mais. E aqui chega outro momento emocionante para o filme: na altura das costas da Galiza, vários centos de galegos e galegas reúnem-se em coberta. Conta‑o ele numha entrevista em México:  “E despois ali cantamos o himno galego e tiramos ao mar umha garrafa com um saúdo, melhor dito, com umha despedida”.

Florencio vai ser um refugiado galeguista e aginha vai continuar a trabalhar polo país. Em 1943 é um dos máximos responsáveis da ediçom dum livro histórico: Cancioneiro da loita galega, umha obra de poesia antifascista onde participa com vários poemas, como Morte de Alexandre Bóveda, Os lobos da xente, Un guerrilleiro ou As cabalgadas do Farrucón Farruquiño. O autor de Córgomo traballará nas revistas Saudade e Vieiros, traduzirá poemas franceses para o galego e manterá atividade cultural no exílio mexicano assim como conexons com o galeguismo interior.

Além disto, também fará três viagens à Galiza antes de morrer. Em 1978 observa como nas cidades há umha nova geraçom de universitários neofalantes, facto que celebra como o “comezo da reconquista da fala”. Mas ao mesmo tempo advir-te que o castrapo avança: “atopei un certo acastrapamento”. Nestes anos, Florencio salienta a importância de construir um galego culto para qualquer âmbito social, especialmente para o ensino, como lhe contara a Fernandez del Riego numha carta de 1964: “Se algún día témola sorte de poder ensinar e espallar a nosa lingua, compre que a teñamos depurado e peneirado previamente para non ensinar un galego acastrapado”. 

A este respeito, na década de 70 posiciona-se com Carvalho Calero, Guerra da Cal, Paz Andrade ou Rodrigues Lapa em defensa dum galego que se reintegre na língua comum galego-portuguesa. Em entrevistas e cartas desta época, deixa-nos múltiplos testemunhos nesta linha: “A salvazón do galego como lingua e cultura está no achegamento ás variantes irmás xa cultivadas, sen peder, non faltaba mais, a nosa enxebreza. Debemos aspirar á universalidade aproveitando o insino do portugués e do brasileiro, cultivados e oficiais”. “Galicia ten moito que aportar ao idioma común, à trindade luso-galaico-brasileira”.

Na década de 70 posiciona-se com Carvalho Calero, Guerra da Cal, Paz Andrade ou Rodrigues Lapa em defensa dum galego que se reintegre na língua comum galego-portuguesa. Em entrevistas e cartas desta época, deixa-nos múltiplos testemunhos nesta linha.

Temos que destacar, finalmente, que Florencio foi o poeta do seu tempo que mais desenvolveu o tema do conflito linguístico. Hoje conhecemos o tema da língua na poesia desde o Meniñas da Cruña falade galego de Pondal, ou a Lingua proletaria do meu povo de Celso Emilio Ferreiro até em poemas de Igor Lugris, Chus Pato, Manuel Rivas, Carlos Quiroga ou Teresa Moure, entre outras. Mas os poemas sociolinguísticos de Gurriarán som muitos e de umha modernidade que continua a ser atual neste século XXI. Ele é o nosso grande poeta sociolinguista do século XX. Preconceitos linguísticos, diglossia, colonialismo linguístico, castrapismo, atitudes e valores, direitos linguísticos… som alguns dos temas que desenvolveu numha poesia muitas vezes atravessada pola retranca e o ridiculismo, com o sentido de humor como chave para a resiliência, através da denúncia e a criatividade.

Bebedeira (1934), Cantarenas (1934–1980), Galicia infinda (1963), O soño do guieiro (1986), som os quatro livros de poesia de Florencio Delgado Gurriarán. Na últimas semanas falou-se muito da sua poesia paisagista e hilozoísta, da sua originalidade como poeta da mestizagem galego-mexicana, da sua poesia social, da sua sensibilidade pola música, e mesmo da poesia sociolinguística. Nós quigemos falar mais do seu antifascismo, da sua militância galeguista de base e do seu reintegracionismo, três temas fundamentais num escritor comprometido com umha Galiza que, seguindo o seu exemplo, continuamos a construir.

Uxía Ramos, aluna de 14 anos do IES Marco do Camballón, ativista do projeto O poeta que baila, contestou assim quando a jornalista Belén Regueira lhe perguntou sobre o quê estava a aprender de Florencio Delgado Gurriarán: “A viver em galego. Nunca perder a esperança de que o galego nom se tenha que perder: viver em galego, pensar em galego e fazer todo em galego. Porque sim, eu sei falar castelhano, mas acho que os galegos e galegas nom teríamos que deixar perder a língua que temos. Teria que ser a nossa forma de viver. Porque se nós nom a falamos quem a vai falar? (…)  (Florencio) era luitador e perseverante.”

[Este artigo foi publicado originariamente no Novas da Galiza]