O Sabóia que véu morrer na foz do Douro

Partilhar

Carlos Alberto de Sabóia morreu no Porto derrotado e destronado, mas, o seu filho chegou a cingir a coroa da Itália unificada como Victor Manuel II embora lhe valesse a excomunhom de Pio IX.

Oito fôrom os filhos do primeiro rei de Itália, Victor Manuel II; um deles reinou fugazmente de Espanha como Amadeu I, umha filha, Maria Pia, chegou a rainha consorte de Portugal; o destino mais trágico foi o de Humberto, que sucedeu no trono a Victor Manuel como Humberto I: morreu assassinado por um anarquista em 1900. Estranha linhagem a da casa de Sabóia, apreciada por insurgentes e liberais e detestada por católicos e absolutistas.

Evocamos o infortunado Carlos Alberto (Turim, 1792 – Porto, 1849), rei de Sardenha e Duque do Piemonte. Era um renovo esperançoso da confusa ramalhada nobiliária italiana, tutelada no seu caso pola Império austríaco logo após do Congresso de Viena arquitectar o restauro do sagrado concerto das naçons que Napoleom abalara.

Ominosa tutela a austríaca para um príncipe liberal. Carlos Alberto, educado em Paris e Genebra, abrigava ideias liberais e partilhava simpatias com os unionistas italianos que, porém, devia reprimir em interesse do trono. O intento de instaurar no reino umha constituiçon afim à espanhola de 1812 aproveitando a agitaçom popular desatada em 1921, saldou-se em fracasso polo interdito austríaco. Foi talvez por se congraçar com o Império tutelar – como pretendem os seus simpatizantes – o motivo que levou a Carlos Alberto a listar-se em 1823 na reaccionária campanha dos “Cem mil filhos de Sam Luís” que pujo fim ao Triénio Liberal espanhol (1820 – 1823) e deu passo á Década Ominosa (1823 – 1833) de Fernando VII.

Vemos o príncipe saboiano assaltando a fortaleça gaditana do Trocadero em Agosto de 1823 que preludiou a ominosa década. Ou pior ainda: executando a implacável repressom sobre os patriotas republicanos de Giuseppe Mazzini em 1833. Nunca foi tarefa fácil coroar as liberdades cívicas e os ideais republicanos.

E contodo, nom é justo esquecer que foi Carlos Alberto quem outorgou o Estatuto Albertino que instituiu o regime parlamentar na Sabóia em 1848. Um ano crucial em que deflagrou a valorosa sublevaçom de Milám que se saldou com a expulsom da cidade dos ocupantes austríacos comandados polo marechal Radetzki.

A revolta anti-austríaca reclamou auxílio urgente a Carlos Alberto que acudiu apressado a enfrentar-se com as tropas de Joseph Radetzky. A vitória destas sobre as forças piemontesas na cidade de Novara (21/03/1849) apagou para sempre a estrela de Carlos Alberto. Foi obrigado a abdicar de imediato no seu filho Víctor Manuel e a empreender sem demora o caminho do desterro enquanto o veterano marechal Radetzky era elevado ao empíreo vienense embalado polos compassos marciais da Marcha Radetzky, composta no seu honor por Johann Strauss pai (1848). É a marcha que sevirá de título e inspiraçom a Joseph Roth para narrar a amarga memória de quatro geraçons Trotta num Império austro-húngaro moribundo.

A saudosa memória de Carlos Alberto de Sabóia atravessa as páginas mais románticas de Manuel Murguia [1]: “Mi corazón de quince años latia más apresurado que de costumbre… Al nombre de ¡Carlos Alberto! Las gentes se agolpaban hacia los lugares en que el vencido de Novara debía pasar la noche angustiosa…Sepultado en el fondo del carruaje, iba triste, indiferente como si sintiese sobre sí todo el dolor de la patria vencida…Sólo una voz se oyó: un ¡viva Italia! Pronunciada con el más puro acento toscano que hizo estremecer en su asiento al héroe…y asomándose al cristal, saludó con una triste sonrisa al que era, como el, italiano y vencido…mi corazón juvenil se alistó bajo la bandera de los vencidos”

Nom é possível acreditar no onírico episódio do adolescente narrador mas nom temos a menor dúvida da realidade da vibrante aclamaçom partisana: ¡Viva Itália! Proferida desde a profunda emoçom romántica daquele impenitente liberal que Murguia sempre foi.

Está documentado o episódio do passo do monarca exilado por Vigo. Podemos comprovar a lacónica referência em Efemérides Galaicas de Manuel Castro López [2]: “16 de 1849, Pasa emigrado por Vigo para Portugal, el rey de Cerdeña, Carlos Alberto, que en el mismo año falleció en Oporto”

O imediato refúgio portuense do monarca destronado foi a Hospedaria do Peixe que ocupava o sumptuoso Palácio dos Viscondes de Balsemão da Praça de Carlos Alberto, conhecida naquela altura como Praça dos Ferradores. Em seguida mudou para a Quinta da Macieirinha, freguesia de Massarelos, mesmo ao pé do miradouro natural aberto ao Douro que ocupará em breve o Palácio de Cristal (1865 – 1951) desenhado polo arquitecto inglês Thomas Dillen Jones.

Carlos Alberto morria na Quinta da Macieirinha em 29 de Julho de 1849, mais polo peso da derrota ignominiosa que polo cansaço dos anos. A Quinta, unha encantadora mansom dos setecentos, hoje Museu Romántico da cidade, fora adquirida polo negociante de vinhos do Porto, António Ferreira Pinto Basto (1775 – 1860) como residência campestre. O industrial, comovido polo mau fado do vencido de Novara e simpatizante seguramente das ideias liberais, ofereceu-lhe a mansom ao monarca exilado. Foi um refúgio fugaz para o monarca. Tomou posse da residência em 14 de Maio e morreu num pequeno quarto que prende a olhada do visitante em 28 de Julho de 1849. Dois meses de estadia apenas olhando o Douro que ali se demora um bocado para acometer o seu último lanço.

Breve foi também o repouso portuense do monarca falecido. O corpo foi levado para a Capela de São Vicente, no claustro gótico da Sé e ao pouco translado para o Panteom familiar, na Basílica de Superga de Turim. A viagem derradeira de volta à Pátria perdida foi a bordo do navio de guerra italiano Monzambano. Carlos Alberto teria gostado do nome, evocador dumha pequena vila mantuana. No Porto só ficou para a memória a capelinha que mandou levantar a sua meia irmá Frederica Augusta na Avenida das Tílias do parque do Palácio de Cristal. Foi inaugurada em 1862 [3] na presença do jovem príncipe Humberto de Sabóia, neto real de Carlos Alberto que havia de morrer assassinado em 1900. A primeira pedra foi colocada em 1854 com planta riscada pola própria irmã, auxiliada polo arquitecto Joaquim Costa Lima.

Convidaria a amistosa tropa da galusofonia a reservarem dia para fazer um percurso portuense e saboiano, desde o Palácio dos Viscondes de Balsemão á última morada do monarca. De remate, melhor em serão soalheiro, umha visita demorada ao parque do Palácio de Cristal com paragem na capela comemorativa da casa de Sabóia e final no maravilhoso Jardim dos Sentimentos para contemplar à vontade o rio Douro espelhando os últimos raios do sol. Se nos sentirmos patrióticos poderíamos baixar mesmo à Ribeira para brindar com um cálice de porto a maior honra dos conjurados do Rissorgimento italiano e do seu cônsul geral na Galiza, Manuel Murguia.

 Notas a rodapé:

  • [1] Ver Manuel Murguía: En Prosa, E. Carré, 1895, pág. 26 a 28, (46 a 48 da versom digitalizada). O episódio vem recolhido também na biografia de Barreiro Fernández, X. R. (2012): Murguía, pág. 96, Editorial Galaxia, Vigo.
  • [2] Efemérides Galaicas, Manuel Castro López, El Regional, Lugo, 1890. A referência pode encontrar-se  na página 43, correspondente à data de 16/03/1849.
  • [3] http://www.portoantigo.org/2009_12_01_archive.html