Acho que não estou a dizer uma tolice, mas um facto provado nas últimas décadas, que o galego, de seu, não tem a capacidade de traduzir todas as obras da literatura mundial. Se já carecemos de obras básicas da literatura universal, isto faz-se óbvio quando falamos de obras de atualidade. Os best sellers são consumidos pelo público galego em espanhol. Autores como Dan Brown, Ken Follett ou Jonas Jonasson, autores reconhecidos mundialmente, não são traduzidos à nossa língua ou, quando traduzidos, não têm as vias de distribuição da sua versão em espanhol: agora mesmo acabo de olhar na Internet e acabo de descobrir que O Código Da Vinci tem uma versão em galego ILG/RAG, um livro que não encontrei em nenhuma livraria em outra versão que não fosse a espanhola.
Não é incompetência dos nossos tradutores. De facto, nossos tradutores fazem esforços colossais para pôr o nosso idioma no mundo. Mas continuam a ser poucos em número. A isto se suma uma preocupante falta de mercado e produtores que, como vemos, dificulta a distribuição das obras, até o ponto de não conhecermos nem que existem. A realidade é esta: o galego precisa de um outro idioma para conhecer o mundo.
A solução maioritária para o público galego, por desgraça, é recorrer ao espanhol. Isto é um dos maiores perigos que existem para a nossa língua, pois cria a consciência de que o galego precisa do espanhol para poder interagir com o mundo. Esta classe de mentalidade e o que leva a muitos galego-falantes a não usar o idioma em âmbitos de prestígio, ou diante de estrangeiros, pois consideram que o espanhol é uma língua mais “internacional”, “universal” e “útil” do que o galego. É uma atitude que há que mudar quanto antes na sociedade, pois poderia levar rapidamente, não ao abandono do galego, mas à sua dialetalização absoluta, a retroceder dois séculos na luta por conquistar novos âmbitos, espaços e prestígio.
Outra solução poderia ser usar diretamente o inglês. Mas, tendo em conta o auge do inglês na Europa, e no mundo em geral, é perigoso. Poderia levar-nos facilmente a um novo tipo de colonialismo. Moreno Cabrera já advertia que é um perigo que os falantes de línguas minorizadas na Europa têm de aprender três línguas, só para poder levar uma “vida normal”. Um galego-falante tem de aprender espanhol e inglês só na escola, e depois não vai poder prescindir de nenhum dos três, ainda que seja nos currículos. Com certeza, se alguém tiver conhecimentos avançados de inglês podería usar esta vantagem para chegar à obra em original (se é uma obra anglógrafa, obviamente), mas o uso de três línguas na vida diária é algo que devemos reduzir, não ampliar. A sociedade, nesta classe de casos, costuma reduzir, e já sabemos qual é a parte débil a ser eliminada.
Desde a minha opinião, a solução é clara: o português. Com uma série de dicas que não chegam a ocupar uma página (ler “nh” como “ñ”, ler “lh” como “ll”, etc.), as únicas diferenças estão no léxico, que hoje em dia pode ser olhado num dicionário. É possível que há cinquenta anos alguém pudera dizer que não gostava do português porque “havia palavras que não entendia”, mas hoje em dia com o Priberam e o Estraviz solucionamos quase o 90% das dúvidas.
Por isso, já resulta ofensivo que a quase totalidade dos galegos, mesmo nacionalistas (inclusive independentistas) leiam Il nome della rosa, ou Fall of Giants em castelhano por “não haver tradução ao nosso idioma”. Se perceberem o português como uma variedade do nosso idioma, com certeza encontrariam uma outra tradução, numa língua muito mais semelhante. Que alguns, por desconhecimento ou simplesmente por seguir a norma, leiam a Saramago, Eça de Queiroz ou a Fernando Pessoa em espanhol, sabendo galego e ainda assim sem saber que poderia aceder ao original facilmente, é um crime, mas desgraçadamente social, não deve ser atribuído ao indivíduo, mas à falta de informação geral neste aspeto.
Agora, traduzir, ou melhor dito, “traduzir”, ao “galego”, obras em “português”, é uma das maiores perdas de tempo e recursos que se viram nunca. O ato faz mais mal do que bem, pois ao ver a obra traduzida, o galego meio pensa que já é um facto que o português é uma língua, já não só diferente, mas tão difícil, que é preferível comprar a tradução no lugar de lê-la em original. É uma tolice.
Pois está foi a minha reação quando vi, numa livraria da Corunha, uma versão “traduzida” a galego da obra Budapeste de Chico Buarque. O insulto foi enorme. Na livraria nem tinham versão em espanhol. O título já revela a intenção: aparentemente, “Budapeste” é um topónimo tão difícil de entender que o tradutor, num ato de genialidade, decidiu usar o topónimo em espanhol, “Budapest”, só por se havia dúvidas.
Tenho de dizer que esta poderia ser um material de base ótimo para uma recensão: olhar, com a obra original na outra mão, o que chamam de “tradução” no mundo editorial galego. A saber o que se passava pela cabeça do “tradutor”, do comité executivo da editorial, e de Deus-sabe-quem, para que todos eles decidiram que este é o momento propício para traduzir as últimas atualidades do romance brasileiro ao galego, e que os recursos dedicados à sua impressão não mereciam ir a outros âmbitos. Que digo eu, acaso não há romances publicados nos últimos cinco anos em francês, russo, chinês, árabe ou tailandês que mereceram, justificadamente, uma tradução?
Queridos editores galegos, se vocês quiserem aproximar o público galego do romance português, brasileiro e dos PALOP, não “traduzam”. No seu lugar, contratarem um camião, que vaia a qualquer livraria do norte de Portugal e que traça os mesmos livros em versão original, seria ótimo. De seguro mais barato que “traduzir” e imprimir cá uma versão sem “nhs” ou “lhs”.
O nosso idioma continua a ter dificuldades nesta banda do Minho. Continuamos baixo o risco de voltar a ser um dialeto do espanhol (esta vez, muito mais hibridizado mesmo que no passado), os nossos recursos são escassos e as nossas possibilidades, poucas.
O português é um aliado, não o inimigo a bater.