Demasiado desprezado para ser a mesma língua e demasiado descuidado para ser uma língua estrangeira

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‘La Voz de Galicia’, jornal mais vendido no território galego, publicou o domingo 11 de fevereiro um artigo sobre a economia portuguesa, no que se analisavam tanto o crescimento económico do país luso como também o reparto desigual desta riqueza entre uma pequena minoria de oligarcas portugueses.

apfvoz00Em geral, o artigo mostra como ‘La Voz de Galicia’ reconhece uma análise séria e profunda da economia portuguesa, se não fosse pela grande quantidade de erros cometidos com a língua portuguesa.

A presença de topónimos e antropónimos portugueses neste artigo deveria ser objeto bem de piadas, bem de lágrimas para aqueles galegos que, sendo reintegracionistas ou não, defendem o aprendizagem da língua portuguesa no território galego.

Além de considerarmos o português parte da nossa língua ou língua estrangeira, podemos dizer que não existe quase nenhuma atitude em contra de que o português é uma variedade/língua muito semelhante e que podemos chegar a um amplo conhecimento através de um mínimo esforço, uma língua que um galego pode utilizar no seu curriculum com tal de aprender numa Escola Oficial de Idiomas (EOI) as diferenças ortográficas e léxicas entre galego e português.

Em geral, acho que qualquer galego (mesmo os que reconhecem que utilizam o espanhol para irem visitar Portugal) tem que reconhecer que aprender português é mais singelo do que aprender italiano ou francês, línguas romances também próximas mas com um distanciamento maior.

Para quem não compreender bem a língua portuguesa, há que explicar que escrever “Guimarães” com “â” é um erro em português que teria como equivalente noutras línguas escrever “Voltair” no lugar de Voltaire ou “Tramp” no lugar de Trump. Noutras palavras, a atitude tomada com o português não é em nenhum caso justificável, pois o jornal não parece cometer a mesma classe de erros com outras “línguas estrangeiras”.

Demasiado desprezado para ser a mesma língua e demasiado descuidado para ser uma língua estrangeira.

apfvoz02O mundo jornalístico, na Europa, sempre foi um referente no chamado “nível culto” da língua. Pois bem, que classe de “nível culto” podemos achar num país que comete erros tão graves como ignorar o til de nasalidade? Com o agravante que não estamos a falar de uma língua de um país longínquo, mas do nosso país vizinho.

Devemos ademais considerar que não é um artigo a meio fazer ou uma versão sem publicar. Estamos a falar do artigo já publicado. O número de corretores que passaram por cima do nome “Guimarâes” sem reparar no erro já dá uma imagem de que o problema relativo à língua portuguesa em “La Voz” não é de um ou dois jornalistas, mas é um problema estrutural de todo o jornal.

Olhando o Manual de Estilo de “La Voz de Galicia”1 só tem a seguinte informação relativa à língua portuguesa e ao uso dos antropónimos na prensa jornalística:

“▪idiomas de alfabeto latino.

Los antropónimos en otros idiomas de alfabeto latino conservarán su grafía original. Hay que extremar el cuidado cuando la única diferencia respecto al español es una tilde (Cesar Sampaio —aunque se pronunciará [César]— y no César Sampaio;Julian Barnes y no Julián Barnes). Cuando un topónimo extranjero tenga versión española, se utilizará esta (Oporto y no Porto,Gotemburgo y no Göteborg). Si no, se empleará la original (Boston, Washington). En ciertos casos donde ha habido un cambio de nombre debe utilizarse la forma propia del país o la adaptación correspondiente y, si la modificación es reciente, añadir en la primera mención, entre paréntesis, la tradicional española.

signos exóticos.

Algunos idiomas de alfabeto latino emplean algunos signos que no se usan en castellano. En el caso de nombres no adaptados al español, se respetarán la virgulilla o signo de nasalidad del portugués sobre vocales (ã), la cedilla bajo la c (ç), la diéresis sobre vocales( ̈) y los acentos grave (`) y circunflejo (^). En el caso de otros signos más exóticos para nosotros, como los que emplean idiomas como, por ejemplo, el turco o el sueco, se procurará respetarlos en la medida de lo posible, siempre que existan en las fuentes que se estén utilizando”

“▪antropónimos de otras lenguas. Los nombres de personas en otros idiomas se escribirán en su forma original, con excepción de los nombres clásicos y de los que tradicionalmente se escribieron en español (Julio César, Tomás Moro, Zumalacárregui), así como los de papas como tales y los de muchos personajes de la realeza (Juan Pablo II, Isabel II de Inglaterra). La OLE10 acepta la adaptación de nombres extranjeros (Íngrid Rubio), pero no las grafías híbridas, como Yénnifer o Yéssika.

Los nombres en otros idiomas de alfabeto latino llevarán los acentos de su forma original. Los demás, que se transcriben, se acentúan de acuerdo con las normas del español. En el primer caso debe extremarse el cuidado en los nombres de grafía igual a la española excepto en el acento (el inglés Benjamin, el italiano Sofia, el Duran catalán, etcétera).”

Portanto, utilizar mal os nomes portugueses já não é um problema de desconhecimento do idioma, mas das próprias normas do jornalismo que a própria “Voz de Galicia” defende. Por exemplo, a referência a escrever “Cesar Sampaio” apesar de que a pronúncia é [César] é aplicável ao nome Maria, citado no artigo, e que aparece baixo a forma “María”, castelhanizada.

Devo ademais mencionar que se bem o jornal defende as formas castelhanizadas dos topónimos “estrangeiros”, isto só é aplicável à cidade do Porto, com a mais que famosa forma de “Oporto” defendida mesmo por autoridades galegas e até internacionais (quem duvide, ver a secção de debate na Wikipédia em inglês onde os escritores voluntários debatem sobre se a forma “Porto” ou “Oporto” é a correta). Não há nenhuma tradição em espanhol de escrever as nasalizações como acentos circunflexos, nem também não há tradição de escrever o nome em português ignorando completamente a nasalização (“Vila Nova de Famaliçao”).

A única escusa admissível é a inexistência da nasalização nos teclados espanhóis, mas esta escusa é aplicável só a um aluno do Secundário, e não a um meio de comunicação sério. Ademais, este erro pode ser facilmente corrigido na antroponímia e toponímia copiando e pegando o texto a inserir, pois se bem os nossos teclados não apresentam este símbolo, os nossos editores de texto têm esta grafia e não gera mais problema que realizando uma atividade que, hoje em dia, é quase universal dentro das pessoas que escrevem em computador: o “copy & paste” (com perdão do anglicismo).

Esta atitude de “La Voz” com seguro causada por um desconhecimento que será justificado com atitudes de supremacia como: “no es necesario saber escribir portugués” deveria de ser corrigido, pois num mundo onde o português é cada vez mais estendido isto pode levar a “La Voz” se converter em objetivo de piadas e críticas, o que poderia danar a sua imagem como meio de comunicação já não só dentro da Galiza, mas internacionalmente.

Notas:

1http://www.prensaescuela.es/attachments/article/51/LEVoz%203.6.pdf