O caso da ASPGP: uma reflexão sobre as subvenções públicas

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Gostaria de reflexionar um bocado em volta das subvenções públicas e de como estas permitem, por um lado, financiar com relativa estabilidade as nossas atividades, mas também podem, por outro lado, e se não forem controladas devidamente, limitar o nosso discurso e ações. Para falar deste assunto, utilizarei como exemplo o caso da Associação Sócio-Pedagógica Galaico-Portuguesa (ASPGP) e ligada ao falecido José Paz Rodrigues, também chamado por muitos como José Paz ou Pepe Paz, quem foi o último presidente conhecido da Associação. Utilizarei como fonte de informação um artigo da redação do mesmo José Paz, sob o título “A ASPGP e a procura da inovação pedagógica do ensino na Galiza desde 1978”, publicado no Boletim nº 11 (teoricamente boletim do ano 2018, mas disponibilizado publicamente em 2021), onde resume a atividade e organização da Associação durante a sua história. Com atividade em toda Galiza, mas sobretudo na cidade de Ourense, a ASPGP é uma das primeiras instituições reintegracionistas, ativa aliás até há relativamente pouco. Porém, falar da sua história, e onde começa esta, é mais complicado do que parece.

Do ponto de vista legal, a ASPGP nasce em 1978 sob o nome de “Asociación Socio-Pedagóxica Galega” (AS-PG) e em 1983 muda para “Associação Sócio-Pedagógica Galaico-Portuguesa” (ASPGP, ou ASPG-P). Porém, a ASPGP, tal e como foi conhecida ao longo da sua atividade, tem a sua origem no debate acontecido no seio da ASPG em 1983. Se bem este debate foi complexo, e ainda não tenho a informação completa do que realmente aconteceu na altura (só o testemunho do próprio Paz Rodrigues), semelha que os sucessos partiram dum conflito entre dois grupos divididos pela norma e pela ideologia. Duma parte, os nacionalistas, ligados à Unión do Povo Galego (UPG), que utilizavam a norma naquela altura conhecida por “norma de mínimos”, desenvolvida pela própria AS-PG em 1980; doutra banda, os reintegracionistas, que em princípio não tinham ligação partidária e que utilizavam normas convergentes com o português. Resumindo brevemente o acontecido, no ano 1983 numa assembleia da Asociación o setor reintegracionista substituiu a direção presidida por Pilar García Negro, nacionalista ligada ao recém-criado Bloque Nacionalista Galego (BNG), por uma outra comandada por Jurjo Torres Santomé. A diretiva anterior deslegitimou os resultados de tal assembleia e, portanto, durante um tempo houve duas diretivas, uma nacionalista e outra reintegracionista, que no mesmo ano acordaram um “juízo salomónico” para resolver o conflito: o setor nacionalista ficava com o nome, e o reintegracionista com o número de registo mas mudava o nome para o de ASPGP. Assim, é complicado dizer se a ASPGP existe desde 1976, ou desde 1983, fazendo difícil explicar a sua história sem comentar primeiro este episódio.

Porém, ainda que a data de início da ASPGP esteja em debate, não há forma de discutir a importância da sua atividade. A ASPGP nasce com a intenção de ser um “Movimento de Renovação Pedagógica” ou MRP, movimentos aparecidos entre os anos 60 e 70 com o fim de renovar o ensino na Espanha. Como tal, a ASPGP continuou a editar a revista O Ensino, revista que tinha começado sob o o carimbo de ASPG em 1978, dedicada a estudos pedagógicos e sócio-linguísticos, e organizou ou participou em muitos eventos dedicados à renovação pedagógica: as Jornadas de Ensino de Galiza e Portugal, os Encontros Nacionais de MRPs, os Congressos Estatais de MRPs, o Colóquio Internacional da Língua Galego-Portuguesa, os Encontros Internacionais da Língua Galaico-Portuguesa, as Jornadas de Didática da Língua, os Colóquios Pedagógicos, o Cinema Clube Minho, o Programa de Dinamização Infantil Ourense Lúdico e além destes também, sobretudo em Ourense, ciclos de cinema, outras muitas jornadas pedagógicas destinadas a professorado, e atividades lúdicas para as crianças. A ASPGP conseguiu também organizar um espaço, a sua ludoteca, aberta em 1993 no nº4 da rua António de Puga em Ourense, que levava o nome de Ludoteca ou Brinquedoteca, onde tiveram lugar ciclos cinematográficos, oficinas pedagógicas, edição de boletins e revistas, oficinas artísticas, dramatizações teatrais, e um sem fim de atividades diversas.

A ASPGP nasce com a intenção de ser um “Movimento de Renovação Pedagógica” ou MRP, movimentos aparecidos entre os anos 60 e 70 com o fim de renovar o ensino na Espanha. Como tal, a ASPGP continuou a editar a revista O Ensino, revista que tinha começado sob o o carimbo de ASPG em 1978, dedicada a estudos pedagógicos e sócio-linguísticos, e organizou ou participou em muitos eventos.

Esta grande atividade foi possível graças a dois elementos. Por uma parte, um grupo de agentes muito ativo e com um claro compromisso com o ensino, com o galego e com o reintegracionismo. Por outro lado, nada disto seria possível sem uma importante quantidade de ajudas económicas públicas, “subsídios”, “subvenções”, como se revelou na decadência posterior da ASPGP. Estas ajudas vieram de várias instituições públicas, tanto estatais como locais, e cada uma delas foi cortando estes subsídios por motivos diversos. Se bem a informação que temos de José Paz é parcial e não proporciona dados sobre as quantidades exatas de dinheiro recebido, podemos intuir que a eliminação destes subsídios resultou no fechamento de várias das atividades da Associação, pois o próprio Paz também menciona vários casos concretos onde a finalização duma destas vias de ingresso provocou a necessidade de reduzir a atividade da ASPGP.

A primeira instituição que cortou o seu financiamento para a ASPGP foi a Xunta de Galicia. Segundo José Paz, um incidente provocou a finalização das ajudas da Xunta, se bem não chega a mencionar a quantidade exata destas. No mesmo ano em que a ASPG tinha o seu conflito normativo, de 5 a 10 de dezembro de 1983, a ASPGP participava no I Congresso Estatal de MRPs realizado na cidade de Barcelona. Entre outros sucessos acontecidos no evento, como uma polémica forte entre agentes reintegracionistas e autonomistas, Paz Rodríguez conta como, no Congresso, participaram o Ministro de Educação na altura, José Mª Maravall, mais também os conselheiros de educação das comunidades autónomas participantes. Todas, menos a Xunta de Galicia, que deixou a cadeira do representante da Galiza vazia. Porém, a polémica só aumentou devido a que, no mesmo dia do ato de encerramento, o Conselheiro de Educação da Xunta estava presente na mesma cidade de Barcelona num evento no Centro Galego localizado nas Ramblas. Os galegos participantes no evento (salvo a professora Suárez Pazos, da Nova Escola Galega), foram ao Centro Galego a recriminar o gesto do conselheiro, afirmando Paz Rodrigues que o que havia detrás deste comportamento era o “antirreintegracionismo do governo da junta galega”, procurando o já falecido a ajuda do Delegado de Educação em Ourense, Daniel Barata Quintas, a quem chamou para pedir ao Conselheiro que assistisse ao evento. O mesmo ano, a Xunta retirou a ajuda económica às Jornadas do Ensino, mesmo quando estas foram inauguradas pelo próprio conselheiro. Afortunadamente, as Jornadas continuaram, mas finalmente foram canceladas em 2008 após outra interrupção nas ajudas destinadas à formação de professorado, fazendo que a ASPGP não pudesse pagar as despesas das Jornadas nem das 9 Escolas de Verão locais programas para o ano, se bem não fica claro se esta ajuda era a mesma que foi cortada (temporalmente?) em 1983 ou outra mais.

Por último, a segunda instituição que deixou de apoiar a ASPGP foi a Deputação Provincial de Ourense. Esta deputação financiou uma das últimas iniciativas destacadas da ASPGP, o Ourense Lúdico, programa de dinamização lúdico-artística de crianças entre os 3 e os 14 anos organizado desde 1995 e que tinha lugar nos três meses do verão. A iniciativa estava destinada aos diversos bairros da cidade de Ourense, mas também se procurava chegar aos concelhos do rural ourensano. A partir do início do curso escolar, em setembro, as atividades focavam-se mais no rural através do “ludobus”, um autocarro carregado de mais de 50 brinquedos populares e de diversos materiais que se dedicava a ir pelas escolas públicas afastadas da capital provincial. Em 2014, esta iniciativa não é continuada devido à retirada das ajudas da Deputação de Ourense. José Paz só menciona como motivo desta cancelação que em 2014 José Manuel Baltar assume a presidência de dita Deputação, sem dizer o motivo exato pelo qual este retirou o apoio à ASPGP. Assim, baseando-nos nestes dois casos, é observável como a perda de capitais económicos que se esperavam eram regulares levaram à ASPGP a fechar, primeiro, as Jornadas, e depois, o programa Ourense Lúdico, duas das principais atividades da Associação. Assim, após 2014, a ASPGP fica apenas com presença no âmbito da cidade de Ourense, sem possibilidades de continuar atividade a nível nacional.

É observável como a perda de capitais económicos que se esperavam eram regulares levaram à ASPGP a fechar, primeiro, as Jornadas, e depois, o programa Ourense Lúdico, duas das principais atividades da Associação. Assim, após 2014, a ASPGP fica apenas com presença no âmbito da cidade de Ourense, sem possibilidades de continuar atividade a nível nacional.

E isto leva-me ao caso da AGAL. Até o de agora, a AGAL continua a ser uma instituição auto-suficiente onde as principais fontes de financiamento são a venda de produtos e as quotas de sócios/as. Porém, é inegável que a quantidade das subvenções aumentou muito rapidamente nestes últimos anos, tanto em volume como em percentagem de receitas internas. Na Assembleia de 2019, apresentava-se que os subsídios públicos conformavam 9% das receitas da Associaçom. Este número aumentou nestes dois anos: em 2020, em pleno Dia das Letras Galegas a Ricardo Carvalho Calero, a AGAL multiplicou o total de Subsídios e Convénios em três, conformando 23% das receitas, ultrapassando o dinheiro obtido noutras áreas como, por exemplo, as quotas dos associados/as. Para finalizar, os últimos dados, pertencentes ao ano 2021, afirmam que os subsídios representam 22% das receitas da AGAL. Quer dizer: entre 2019 e 2021 a AGAL triplicou o dinheiro obtido de subsídios públicos, que passou de ser 9% do total obtido a 22% das receitas da Associaçom.

Na entrevista realizada pelo PGL a José Luís Rodriguez, dentro do ciclo da Língua em Décadas, era analisada a atividade reintegracionista nos anos 80. Nela, o professor catedrático da USC falava de que as instituições reintegracionistas não precisam tentar igualar, ou superar, o trabalho das instituições digamos “centrais” ou “oficiais” galegas, pois estas têm uma rede de apoios e subvenções das quais o reintegracionismo carece. Porém, isto leva a que a AGAL (ainda que o entrevistado fala em concreto do caso da AGAL, penso eu que qualquer instituição reintegracionista pode ver-se identificada com estas palavras) tem uma função não menos valiosa: a de observar e analisar o trabalho das mesmas instituições centrais, controlar o trabalho destas entidades e dar atenção ao que façam, para aplaudir ou para recriminar.

Em nenhuma das apresentações que utilizei como fonte de informação há referência a que instituições públicas realizam tais subvenções. Se bem a Xunta de Galicia ou mesmo o governo da Espanha podem estar, seguramente, entre estes financiadores, também deveríamos levar em conta o papel, e não pequeno, ocupado por deputações provinciais e concelhos. Não me interessa começar um debate acerca de que instituições financiam a AGAL ou de que partidos políticos controlam tais instituições. Porém, sim que me interessa animar a reflexão arredor da questão das subvenções em si, de que importância têm para o desenvolvimento económico das instituições reintegracionistas e do uso que se faz destas. Até que ponto pode o reintegracionismo depender das ajudas públicas? Aumentar os suportes económicos vindos da Xunta e de outras instituições autonómicas poderiam limitar a flexibilidade de discurso e restringir as nossas ações? E, até que ponto é verdadeiramente preciso aumentar os capitais económicos? Verdadeiramente uma maior quantidade de meios equivale a uma maior presença do reintegracionismo na sociedade e, portanto a maiores oportunidades de aumentarmos e melhorarmos o nosso discurso? Se o propósito do reintegracionismo é, como indica José Luís Rodriguez, aplaudir as boas iniciativas das instituições oficiais e criticar aquelas mal feitas ou implementadas, como podemos fazer isto quando estas instituições viram um dos nossos principais apoios económicos?

Até que ponto pode o reintegracionismo depender das ajudas públicas? Aumentar os suportes económicos vindos da Xunta e de outras instituições autonómicas poderiam limitar a flexibilidade de discurso e restringir as nossas ações?

Como conclusão, penso que deveríamos realizar uma reflexão sobre o fenómeno das subvenções, sem cair na ideia de que os subsídios públicos são maus por natureza e que há que evitá-los: estes são muito valiosos e podem achegar capitais precisos para a nossa atividade. O meu propósito neste texto é, simplesmente, assinalar dois problemas que podemos observar nas duas retiradas de apoio das instituições públicas à ASPGP. Em primeiro lugar, a perda de autonomia. Assumir dinheiro de administrações públicas pode criar uma relação de dependência, que depois pode ser utilizada, retirando (ou não) a administração o dinheiro se a instituição que recebe o dinheiro toma posicionamentos contrários aos seus interesses ou entrar em conflito por outros motivos. Em segundo, a volatilidade. Ao vivermos numa sociedade democrática, onde as lutas de poder entre as diversas organizações políticas (partidos, sindicatos, etc.) são habituais e constantes, ainda que haja momentos onde estas sucedem sem o conhecimento da sociedade e outras onde são bem visíveis, os subsídios podem virar irregulares, ao entrarem e saírem governos ou indivíduos com agendas e posicionamentos diversos. Se não houver um controle no volume e percentagem de subvenções recebidas, a AGAL pode chegar a encontrar-se numa situação onde a atividade da Associaçom dependa de agentes localizados nas diversas deputações provinciais galegas, na Xunta e no governo espanhol.

Isto põe uma pergunta encima da mesa: como podemos dialogar com os nossos representantes políticos sobre a Lei Valentim Paz-Andrade, sobre o binormativismo, ou sobre qualquer outra proposta, com completa liberdade se ao mesmo tempo dependermos do dinheiro que estes mesmos representantes fornecem para manter a nossa atividade?