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A trincheira mediática

Nos meus anos de Instituto, celebrou-se uma mesa redonda acerca do jornalismo. Nesse ato participou Xurxo Souto, jornalista do Sermos Galiza, e disse uma frase que, ainda não ser recolhida em nenhum artigo nem livro de história, e a minha escassa memória me impedir reproduzi-la literalmente, mudou a minha maneira de ver a imprensa: “Antes [de existir o Sermos Galiza] se um alienígena aterrar na Galiza, for a um quiosque, enviaria a seguinte mensagem ao seu planeta: Estou num lugar chamado Galiza onde se fala um idioma chamado castelhano”.

A maioria do público, muitas vezes, só conhece a versão oficial das notícias, e se deixa influir por elas como a única verdade que existe. O público atua, em muitos casos, como se se tratar dum alienígena. Porém, isto tampouco tem que se entender como se os meios alternativos fossem a lâmpada que ilumina na obscuridade da ignorância, já que isso transformaria a ideologia destes meios numa espécie de religião.

Há uns anos, eu, um alienígena, encontrei um número da versão antiga do Novas da Galiza numa livraria especializada em galego, mas não o comprei.

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A mesma semana que no PGL se falou da reaparição do jornal, encontrei um exemplar do primeiro número da nova edição na livraria duma grande superfície da Corunha, exemplar de carácter inapreciável, por ser o primeiro número da nova edição e por não levar o preço impresso, o que obrigou ao vendedor a ter que chamar à distribuidora para perguntar o custo. O segundo número do jornal também me apareceu na mesma livraria, desta vez já com o preço inserido.

Para quem, coma mim, não ser conhecedor do Novas anteriormente à sua reedição , pode consultar seus números anteriores gratuitamente na sua hemeroteca.

novas02O público alvo do jornal é fácil de adivinhar pela linguagem empregada. Queiramos ou não, seguimos numa Galiza onde o público segue a se mover dependendo de “em que língua se escreve” e “como se escreve essa língua”. O uso do galego de máximos é, já, um marcador de público: uma população reintegracionista.

No primeiro número, já se começa por um editorial onde se marca a linha editorial do meio: “Um jornalismo crítico, intimamente entretecido com os movimentos populares e as luitas de emancipaçom. (…) Queremos, através da imagem e a palavra, ser ferramenta de construçom e emancipaçom das classes populares deste país”. Através destas duas declarações já temos a ideia geral da linha editorial do jornal: Marcadamente de esquerdas , alternativo e crítico (noutra parte do editorial se fala dos outros meios de comunicação como “distribuidoras de desinformaçom”) . A palavra “emancipaçom”, que aparece nas duas frases extraídas, joga um duplo papel, já que se refire tanto à emancipação económica e social (“classes populares”) e ao mesmo tempo a emancipação nacional (“deste país”).

A continuação, tentarei analisar mediante a escolha duma série de artigos publicados no jornal as principais características dele. Esta escolha é subjetiva e pessoal:

A primeira notícia a destacar é a entrevista a Borja Mejuto Rei, membro de Causa Galiza processado pela “Operación Jaro”. A denúncia duma atuação policial que não se sentiu nos cenários de televisão, mas sim nas ruas. Borja Mejuto explica a sua situação e a dos seus companheiros, membros de Causa Galiza, associação independentista galega, detidos por supostas relações com Resistência Galega. Podemos encontrar parecidos com o “Caso Dreyfus”, sucedido na França quando um oficial judeu foi acusado injustamente de traição pela sua origem étnica. O trato por parte do jornal à notícia é ótimo, sendo o entrevistado alguém que vive em primeira pessoa o drama dum juízo sem sentido. A ilegalização duma organização política, que obriga a comparar esta situação com os independentistas de esquerda bascos, se bem no caso galego o absurdo passa pelo facto de nunca ter havido uma situação de conflito tão violenta como a acontecida no País Basco. Borja Mejuto expõe o seu caso mostrando a sua vontade de continuar a lutar pelos seus ideais, sem aterrorizar-se pelo acontecido e pelo que poderia acontecer.

Também cabe destacar a análise das escolas Semente. Não só se reivindica o seu labor linguístico, ao serem centros educativos normalizados em galego, graças a uma política de imersão linguística dos seus estudantes, senão também o seu labor pedagógico como transformadores da sociedade galega. Ao mesmo tempo, as escolas Semente aparecem como uma possível “terceira via”, definida como “via popular”, em palavras de Séchu Sende, oposta tanto à escola estatal como à privada.

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Neste número, a notícia de carácter político mais importante é a situação política no Brasil, se bem a notícia ao melhor precisava de menos maniqueísmo. A crítica ao “Impeachment” e ao processo que levou ao PT a ser substituído no poder não é acompanhada duma reflexão sobre certos comportamentos do PT quando estava no governo. Exemplo disto é a comparação constante entre o golpe de Estado de 1964 e o “Impeachment”. Se bem é verdade que o próprio PT e a ultra-direita aludiram a esta comparação, ao melhor a atitude de diferençar entre o PT como vítimas e o resto de partidos, encabeçados pelo PMDB, de ofensiva neo-liberal apoiada por Estados Unidos, chega a ser mesmo negativa à hora de cometer, tanto a esquerda brasileira como a europeia uma renovação que deveria estar acompanhada duma boa dose de auto-crítica. Durante o processo do “Impeachment”, os meios de comunicação chegaram a amossar um 70% da população brasileira em contra de Dilma, e as manifestações em contra da presidenta foram constantes. Nas situações de crise é preciso deixar de procurar traidores e começar a procurar erros.

Passando ao segundo número, o tema central de análise são as redes sociais e os novos meios de comunicação, uma analise das mudanças na mentalidade que estão a acontecer devido a eles e mesmo como certos problemas do passado continuam a existir baixo diferentes formas e nomes. A análise mostra tanto os fatores negativos como positivos da atual Revolução Digital. O artigo divide-se em três partes: a primeira secção, “Presença Online” está composta de opiniões de especialistas sobre se o telefone aumentou ou diminuiu as distâncias entre as pessoas; a segunda, “O que diz a imagem”, continua as linhas principais anteriormente tratadas, mas as opiniões estão tiradas de usuários de Internet. Nestas duas primeiras partes, o espaço está dedicado à análise dos fenómenos sociológicos que têm como causa o Internet, mas num sentido mais abstrato. Na terceira secção, “Estatísticas e perfis de usuárias”, o debate mais “abstrato” muda ao comentário duma estatística realizada pelo Conselho da Cultura Galega (CCG) e um estudo em percentagens da influência de Internet na sociedade e do número de usuários e o seu perfil habitual. Se há alguma crítica a fazer sobre este artigo, seria a colocação inadequada das diferentes secções, já que a estatística deveria figurar em primeiro lugar, dando ao leitor uma ideia sobre a presença da Internet da sociedade, e depois a análise das consequências.

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No primeiro número, a política brasileira jogava um papel clave, mas no segundo é a definição da esquerda independentista no Estado espanhol que aparece da boca de Anna Gabriel, membro da CUP e uma das principais ativistas pela independência da Catalunha. Numa entrevista na que Anna Gabriel tenta definir a sua visão duma esquerda independentista, na que a independência de Catalunha e a melhora dos direitos sociais vão da mão. “A independência é um motor de transformaçom acompanhada da libertaçom social”, declarando pouco depois que esta visão pessoal da independência leva como inviável as alianças com coletivos independentistas que não partilhem a mesma visão e o mesmo modelo de Estado. Segundo Gabriel, o motivo detrás da independência é que “no marco do Estado espanhol pensamos que nom há margem para transformaçom”, pelo que a independência é a mudança dum marco institucional por outro mais próximo e no que se poda atuar mais eficientemente. Também menciona a sua definição de processo constituinte, como o “pôr a debate todo, todas as regras vigentes até o de agora”, ou seja, uma ocasião para o debate feminista e uma oportunidade para atingir a igualdade social, política e económica da mulher.

No terceiro número a notícia clave é a reivindicação da situação da mulher nos cárceres. O artigo divide-se em duas partes. Na primeira, “Umha dupla opressom”, realiza-se uma análise da situação das mulheres através de estatística e sem centrar-se em nenhum caso individual, com dados de número de centros especializados para mulheres e para mães (a situação das mães é um espaço fundamental nesta primeira parte) e da população de mulheres reclusas nos últimos anos . Num espaço aparte, se analisa a situação das mulheres imigrantes, numa situação bem mais difícil que a anterior, ao somar-se à sua condição de mulheres a de imigrantes, em muitos casos sem redes de apoio internacionais que as ajudem. Na segunda parte do artigo, “Presas políticas”, aparece um caso individual, o duma militante primeiro do PCE(r) e depois do GRAPO que utiliza o pseudónimo “Ilda”. O artigo é bastante provocador ao utilizar a definição de presa política, desenvolvendo a situação de Ilda não só como mulher encarcerada entre homens, mas a sua situação como presa num contexto onde a cárcere não é o final do conflito. De todos os artigos anteriores, acho este o mais polémico, por ser uma situação não distante nem no tempo nem no espaço, e que ainda está a gerar controvérsia hoje em dia.

novas3A secção de economia, que no primeiro exemplar não existia, tem neste número uma destacada importância. O tema é o sistema de pensões atual e o problema num futuro próxima para o seu pago. Como em muitos artigos anteriores, a estrutura é a mesma, uma descrição do caso inicial continuada com uma entrevista. No retrato inicial, comentam-se os recortes já acontecidos no sistema de pensões e possíveis novos recortes filtrados do governo, e a existência duma oposição dentro do Parlamento que propõe que os ingressos no sistema de pensões venham não só dos trabalhadores (“rendas do trabalho”), que até agora eram responsáveis totais do pago das pensões, senão também das empresas (“rendas do capital”). A entrevista, realizada a Xabier Pérez Davila, economista, que desmente a teoria de que o problema seja o envelhecimento da sociedade, sendo o autêntico problema a baixada de salários e o aumento do paro. A solução a este problema passaria, a longo prazo, pelo melhoramento das condições de trabalho e possivelmente uma reforma do sistema de impostos, com especial interesse nos progressivos.

Acho que a análise dos artigos anteriormente mencionados é coerente com a declaração mencionada ao início deste artigo: o Novas da Galiza constitui-se como um jornal de denúncia social, enfrentado normalmente com os meios de comunicação maioritários e oferecendo aos seus leitores uma informação que não encontraram no resto da oferta editorial. O seu ponto de vista está baseado na subjetividade, já que mais que comunicar notícias da atualidade, informa duma maneira diferente de ver a realidade. Se bem para alguns leitores as opiniões do Novas podem semelhar demasiado “maniqueístas” ou “radicais”, há que admitir o esforço de informar do que normalmente é ignorado ou censurado pelos meios de comunicação.

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