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Maurício Castro: «É imprescindível que a Galiza exerça a sua soberania política plena para normalizar o idioma»

PGL – Numha jornada cheia de lentura pola orvalheira, e sob a protecçom de carvalhos centenários, sentamos a conversar, devagar, com Maurício Castro, sobre o seu novo livro Galiza vencerá!: Vinte e oito textos sobre língua e construçom nacional publicados na imprensa galega (1999-2009), e ainda outras questons.

Maurício Castro (Ferrol, 1970) é licenciado em Filologia Galego-Portuguesa pola USC exercendo na actualidade a docência de Português na Escola Oficial de Idiomas de Ferrol, após ter leccionado na EOI de Badajoz (Espanha) e da Corunha. Autor de diversos trabalhos de temática lingüística e sociolingüística como a História da Galiza em Banda Desenhada (1995), Manual de Iniciaçom à Língua Galega (1998), Galiza e a diversidade lingüística no mundo (2001) ou o Manual Galego de Língua e Estilo (2007), colabora também com publicaçons periódicas como Abrente e Agália. Maurício Castro é além do mais porta-voz nacional de NÓS-Unidade Popular e membro da Comissom Lingüística da Associaçom Galega da Língua (AGAL).

Armados em representantes do Portal Galego da Língua, Diego Bernal, Paula Miranda, Alberto Pombo e Jasmina Rodrigues achegamo-nos até o Festival da Terra e da Língua que a Fundaçom Artábria celebra em Moinho de Pedroso para conversar com o Maurício. Este foi o bombardeio de perguntas a que submetemos o professor:

 

Portal Galego da Língua –  Toda a obra é escrita para ser lida por alguém. Qual é o público que procura o Maurício com este livro?

Maurício Castro – Na verdade, o livro limita-se a apresentar juntos umha série de artigos sobre temática sociolingüística, entendida esta como a problemática decorrente de um conflito lingüístico como o existente na Galiza.

Qualquer pessoa interessada pola sorte do nosso idioma pode achar algum interesse em rever algumhas reflexons sobre episódios concretos da história da língua na última década no nosso país.

PGL –  Galiza vencerá! Lobregas realmente um futuro tam alentador para o povo e a comunidade lingüística galega? O título é tomado de um dos vinte e oito textos que componhem a obra, pensaste noutras possibilidades ou já tinhas claro que umha mensagem tam positiva e afirmativa tinha de definir o conjunto?

MC – Por vezes, as pessoas que nestes anos temos chamado a atençom sobre as negativas tendências provocadas pola política lingüística aplicada na Galiza autonómica temos sido acusadas de pessimistas, ou de cousas piores. Esse título quer reafirmar o nosso convencimento de que a reversom do processo de assimilaçom em curso é possível, desde que apliquemos as medidas necessárias para tal. De resto, essa sentença remete para a solidariedade que tantas vezes tem mostrado a sociedade galega em relaçom a outros povos em luita polo direito à existência.

É necessário que assumamos também a premente necessidade de darmos todo para garantir o futuro do nosso povo e do nosso idioma. É simplesmente isso que quer transmitir o título.

PGL –  Nesta apresentaçom, o José Luís Rodrigues compara-te com dous dos maiores vultos da cultura galega e dous, ou os dous, mais grandes referentes para o movimento reintegracionista, Ricardo Carvalho Calero e Ernesto Guerra da Cal. Que há deles no Maurício estudioso e militante do idioma?

MC – Quanto à dimensom intelectual e artística de ambos, pouca cousa, devo admitir. Ora, eu reconheço a minha admiraçom por ambos os autores referidos polo José Luís Rodrigues, nomeadamente pola absoluta identificaçom com a causa patriótica e lingüística galega. Nom descubro nada novo por reconhecer tanto em Carvalho como em Guerra da Cal dous modelos de dignidade nacional dificilmente imitáveis, mas permanentemente reivindicáveis.




PGL –  Hoje temos a sorte de poder realizar esta entrevista num quadro inigualável, numha solene carvalheira à beira do formoso rio Júvia, entre construçons populares trasanquesas, festejando o 9º Festival da Terra e da Língua, organizado pola Fundaçom Artábria. Um dos primeiros artigos desta escolma, publicado em 1999 n’A Nosa Terra, reflecte sobre a experiência desta associaçom. Como valorizas dez anos depois da escrita do artigo a trajectória do decano dos centros sociais do nosso País?

MC – Nesse artigo, explica-se a génese da Fundaçom Artábria, nascida da iniciativa popular de um grupo de 25 pessoas convencidas da necessidade de dar passos significativos na galeguizaçom de ámbitos desgaleguizados como Ferrol.

A sobrevivência desse projecto galeguizador mais de umha década depois, com umha completa renovaçom das pessoas que o sustentam, é a melhor prova de que aquela decisom foi acertada. Se a isso acrescentarmos a sucessiva criaçom de outros centros sociais normalizadores reintegracionistas um pouco por todo o País posteriormente àquele ano 1998, nom há dúvida de que figemos o que devíamos.

PGL –  Num outro artigo incluído no volume denuncias o «partidismo sectarista» da Mesa pola Normalización Lingüística. Consideras que com os últimos ataques do PP à língua galega a atitude desta organizaçom tem mudado?

MC – Infelizmente, nom parece que seja assim. Quando mais necessária é a uniom de todas as pessoas e entidades que defendemos umha Galiza em galego, com as diferenças que podamos manter, a corrente maioritária à frente do BNG continua a praticar umha política de terra queimada contra os sectores normalizadores que nom controla.

A recente imposiçom de critérios puramente mercantilistas e controleiros na recente configuraçom de umha nova plataforma promovida por umha Mesa em maos da UPG som a prova inapelável dessa triste realidade. Porém, particularmente, considero que essa realidade pode e deve ser mudada. Acho que é possível umha franca colaboraçom, sem tutelagens nem subordinaçons, entre absolutamente todos os sectores favoráveis ao galego frente aos seus inimigos históricos, hoje representados por poderosos poderes fácticos do Estado, polo PP e por entidades sociais profundamente reaccionárias, tipo ‘Galicia bilingüe’.




PGL – No volume sublinhas o carácter mundial da nossa língua como umha das razons para apostarmos polo reintegracionismo,  argumento também utilizado polos defensores da uniformidade lingüística na hora de defenderem a suposta superioridade e maior utilidade do espanhol. Consideras que de umha perspectiva anti-imperialista, de esquerda, existem contradiçons neste razoamento?

MC – Poderia havê-las se nos limitássemos a aderir a umha promoçom do ámbito internacional lusófono contra as línguas minorizadas polo próprio português. Mas na nossa realidade nom é assim, ao contrário da dupla moral que existe nas elites espanholas perante a condiçom de língua imperial e, em simultáneo, de língua minorizada em países como Porto Rico, nós devemos denunciar o papel histórico que jogou o português em numerosos territórios, o que nom deve impedir que o galego, como variante do português minorizada na Galiza, opte por se identificar com o que é o seu espaço histórico e natural de desenvolvimento. De resto, convém ter em conta que a Galiza nom está a oprimir nengumha outra comunidade lingüística.

Dito o anterior, o galego nom deve renunciar ao reforço que supom, no nível de corpus e também do status, a existência do português como umha das línguas com maior extensom mundial. Sobretodo, tendo em conta que a alternativa de construir um idioma de novo é, em palavras de Carvalho Calero «anti-económica» e condena-nos a cair no ámbito do espanhol. Nom existem terceiras vias: ou caímos no ámbito do espanhol, que é o que está a acontecer nas últimas décadas desde que se implantou o modelo autonómico, ou nos reintegramos no ámbito que nos é próprio, o luso-brasileiro.

PGL – Aproveitando que fás referência a Carvalho, como avalias a reuniom que mantivestes a Fundaçom Artábria e a RAG, e quais som os actos que ides organizar no ano Carvalho Calero?

MC – A reuniom foi positiva, pois Xosé L. Ajeitos, membro da executiva da RAG, deu-nos a razom ao achar que Carvalho merecia um Dia das Letras e, por outra parte, reconheceu que no interior da RAG existia um sector que claramente tem problemas de fobia contra esse autor. Em concreto, ele falou dum complexo de Édipo, quer dizer, discípulos dele que se negam a reconhecer a autoridade ou a valia do seu mestre.

Ajeitos dixo que ia defender um 17 de Maio para Calero, mas reconheceu que a maioria da Academia é contraria a isso. Foi positiva nesse sentido, porém, negativa ao comprovarmos que nom estavam dispostos a ceder nem um milímetro. Portanto, acho que a alternativa é que todas as entidades reintegracionistas que há no País, que cada vez som mais, fagamos pola nossa conta todo o tipo de actos no centenário do nascimento de Carvalho Calero para reivindicar a sua obra, nomeadamente naqueles aspectos em que permanece mais oculta, como é o sociolingüístico. Aliás, isto nom é incompatível com reconhecermos o valor de um grande poeta como é o protagonista do próximo 17 de Maio.

PGL – Maurício, por que um/ha galego/a deveria aderir às teses reintegracionistas?

MC – Pode haver motivos diversos, mas vou referir-me só àqueles mais práticos ou funcionais. Aderindo à prática reintegracionista, qualquer galego ou galega vai poder desenvolver-se como falante completo na mesma medida em que pode fazê-lo em espanhol e isso algo que qualquer falante de umha língua minoritária, ou que nom pertença a um grande espaço lingüístico, terá muitas mais dificuldades para conseguir. Naturalmente, se assim fosse, teríamos que tentá-lo e consegui-lo, como ao longo da história já figérom outras comunidades que mesmo conseguírom dotar-se de um Estado próprio.

No nosso caso, temos já muito caminho andado, e assim, qualquer falante individual de galego, através de umha prática reintegracionista, tem acesso a todo o que se está a produzir actualmente no ámbito cultural, mediático, literário, musical etc. em todo o mundo, sem sair do galego, enquanto na via contrária, vai ter que pagar sempre a portagem do espanhol para aceder a umha parte importante desses conteúdos. No caso de um meio tam estendido hoje como é a Internet, isto é evidente.

O galego, como língua separada e dependente do espanhol, tem muitas dificuldades para construir um espaço próprio alternativo ao do espanhol e ao do português, enquanto temos todas as facilidades para nos incorporarmos, sem perder a nossa identidade, no grande ámbito internacional lusófono.

Nom há desvantagens e, assim, hoje praticamente toda a gente reconhece isto. O debate parece ser de ritmos, ou da assunçom prática das teses teóricas, mas na teoria todo o mundo reconhece que o galego tem que olhar para o ámbito lusófono. Temos é que dar passos reais para que nom fique todo em retórica.



PGL – Para muitos galegos e galegas e mesmo para pessoal de fora da Galiza, na hora de lhes explicar a realidade lingüística galega nom acabam por entender que dentro do nacionalismo e mesmo dentro da esquerda independentista exista umha postura de defesa implacável do hibridismo galego-espanhol, da normativa do ILG-RAG. Como militante da esquerda independentista, que análise fás tu deste facto?

MC – Creio que é um reflexo da falta de madurez do movimento pola libertaçom nacional galega. Acho que um nacionalismo maduro que aspire a fazer da Galiza um país soberano e nom dependente optaria sem dúvida por um modelo reintegracionista, como já aconteceu noutros lugares do mundo onde se produziu esse debate. Que nom se supere de maneira positiva na Galiza é um sintoma da falta de madurez. Existe ainda muita dependência de Espanha e movemo-nos muito em chave espanhola, mesmo para negar Espanha, sem querer romper definitivamente essa dependência.

Por outra parte, também existe bastante desconhecimento e medo a conhecer todas essas oportunidades que se abrem para a Galiza e que no caso do conhecimento do idioma também obrigam a um esforço suplementar, pois estamos a falar de converter o galego num verdadeiro idioma e nom numha versom autonómica do espanhol, que no fim de contas é no que se acaba por transformar o galego isolacionista. Isto requer umha planificaçom a sério, como a que deve ter qualquer país que precisa de normalizar a sua cultura.

Na medida em que nom temos ainda um movimento nacionalista maduro que assuma a sua soberania cultural e nacional com todas as conseqüências, continuamos a optar por modelos lingüísticos que o único que fazem é reflectir a dependência, nom só ortográfica, mas também mental, do projecto nacional espanhol.

PGL – Já para pôr fim a esta entrevista, umha última questom a respeito do próprio livro. Perante o amplo leque de títulos no mercado, por que devemos ler Galiza Vencerá?

MC – Se calhar, porque convida a reflectir sobre todos estes temas de que falamos ao longo desta conversa e porque tenta provocar em quem ainda nom entende as razons do reintegracionismo umha reflexom de fundo, nom exclusivamente sobre ortografia, mas sobre o que é o nosso sistema cultural, como construí-lo e por onde tem que caminhar-se para favorecer essa construçom. Por outra parte, nessa reflexom tampouco se desconsideram as implicaçons políticas.

Assim, nesses artigos eu defendo que, nom sendo suficiente, é imprescindível que a Galiza exerça a sua soberania política plena para normalizar o idioma. Com isso nom chega, mas sem isso provavelmente tampouco o consigamos. O que pretendim nestes anos em que fôrom surgindo os artigos, foi convidar os galegos e galegas a reflectir sobre estas questons de fundo que som fundamentais para quem acreditar na Galiza como naçom.

 

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