Ideologias e língua (I)

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Por Ângelo Pineda Marinho

Agora que estamos a escassos dias da “marcha sobre Roma” em contra duma fantástica imposição do galego, talvez convenha falar sobre os aspectos ideológicos que existem por trás destas posições políticas sobre a questão lingüística em Galiza. Posições que adquiriram uma relevância muito pouco proporcional ao número dos que as sustentam, mas com uma evidente correspondência com a posição dos grupos de poder no país. Seja como for, como expressão extrema, plataformas espanholistas como as que estão a tensionar as relações lingüísticas na Galiza, apenas explicitam preconceitos compartilhados por amplos segmentos da população. Preconceitos cuja origem não é outra do que a tradicional subalternidade dos falantes de galego modulada pelas diferentes conjunturas políticas que se sucederam na história do Estado Espanhol.

O primeiro de tudo: resistiremo-nos a tratar as crenças sociais acerca do galego como “ideologias lingüísticas”. Achamos que há uma coerência entre estas crenças sociais sobre a língua e as existentes sobre outros aspectos da realidade social. Exemplificamo-lo: se acreditarmos que a acção afirmativa da administração para promover o galego gera desigualdade face os castelhano-falantes, achamos lógico considerar que a acção afirmativa para promover a igualdade das mulheres ou da população imigrada gera da mesma maneira desigualdade (face os homens e a população autóctone). Se considerarmos o galego como um obstáculo para o relacionamento com o resto da cidadania do Estado, é que professamos toda uma série de crenças sobre a necessidade iniludível desse relacionamento, além duma desconsideração face qualquer singularidade própria que a dificultar. Se acharmos que o galego é uma língua rude, localista e pouco viável para gerar obras de carácter universal, pressupomos toda uma série de representações e referentes acerca do que é a “universalidade”, o “refinado”, etc. Enfim, se defendermos que é melhor “deixar as coisas como estão” e matéria lingüística, será muito possível que desejemos o próprio para outras matérias. Isto não implica que existam expressões ideológicas diferentes das sugeridas aqui que assumam estes enunciados para o caso específico da língua. Mas entraríamos no terreno das contradicções e a consistência discursiva. Como diz a expressão castelhana: “con su pan se lo coman“.

Aqui adoptaremos o enfoque de considerar as crenças sociais acerca da língua como aspectos concretos de ideologias mais amplas. Neste senso, num trabalho que estamos desenvolvendo sobre discurso público, representações sociais e conflicto lingüístico em Galiza identificamos, até a altura, quatro ideologias principais nas colunas de opinião do jornal La Voz de Galicia para o período que vai do ano 2000 a finais de 2008: o nacionalismo, o supremacismo, o populismo conservador e o liberalismo. Devemos tomar estas ideologias como ideais-tipos weberianos; quer dizer, não se dão de forma “pura” em quase nenhum artigo, aparecendo em diferentes combinações. Dalgum modo, pensamos que estas quatro ideologias fazem parte duma meta-ideologia conservadora identificável com a linha editorial da publicação mencionada.

A primeira das ideologias, o nacionalismo (espanhol), poderia ser definida de jeito provisório como uma série de tendências políticas que se identificam nacionalmente com Espanha como o espaço idôneo para a troca de mercadorias e pessoas, que propõem o seu predomínio nas relações internacionais e que defendem a sua integridade territorial mediante a promoção dum imaginário homogêneo ou comum para o conjunto dos seus cidadãos. Aqui citaremos um caso protagonizado por alguém que provem da literatura galega, para explicitar que o sistema sempre tem um espaço reservado especialmente ao subalterno que defende o ponto de vista dominante.

PARECE que Cataluña está a punto de conseguir o que Galicia no conseguiu en 1986 por sentencia do Tribunal Constitucional: que sexa un deber o conocemento da lingua da autonomía. Supoñemos que despois conseguirán ese mesmo rango o vasco e o galego.

En principio diríase que é unha boa medida para favorecer o bilingüismo. As linguas autonómicas, reprimidas na dictadura franquista, reciben un novo pulo e equipáranse por completo á lingua oficial do Estado. Pero se botamos unha ollada ao que está sucedendo en Cataluña, as cousas parecen ir por outro camiño.

Na práctica non se está a favor do bilingüismo senón da eliminación da lingua oficial de España. Exemplos desa postura son as dificultades para escolarizar un neno en castelán, a creación dunha oficina que admite denuncias anónimas contra establecementos que non atenden en catalán, ou a rotulación en catalán e inglés en museos e exposicións.

¿Que vai pasar se se extende esa actitude a Euskadi e Galicia? Pois que un español que non sexa escolarizado en galego, catalán ou vasco non poderá instalarse profesionalmente cun traballo medio alto en Cataluña, Valencia, Baleares, Galicia ou Euskadi.

Tal como se está a xestionar en Cataluña, a obligatoriedade significa que a posibilidade que o castelán ofrecía a todos os españois de traballar e moverse por todo o territorio nacional está a punto de desaparecer, e con ela tamén un lazo de unión entre as distintas partes de España.

Vai ter razón o lingüista Juan Ramón Lodares ( El porvenir del español ) que critica a utilización política das linguas autonómicas ás que califica de «aduanas lingüísticas». E Irene Lozano ( Lenguas en guerra ) cando opina que « en el fondo, las discusiones lingüísticas se suscitan para negociar el reparto de poder ».

Benvido sexa o bilingüismo, pero que eso non supoña pasar da discriminación da lingua autonómica á discriminación da lingua común a todos nós e a catrocentos falantes máis espallados por todo o mundo.

Marina Mayoral. A barreira do idioma. 12 de fevereiro de 2006.

Este é um caso típico de concessão aparente («en principio diríase que é unha boa medida», «benvido sexa o bilingüismo») na que há algum “mas” (neste caso algum “pero”) que introduz como matização o argumento ideológico sustido: há uma língua comum (o “espanhol”) que permite a “instalação profissional” de “todos os espanhóis” em qualquer ponto do “território nacional”. O argumento não vale, certamente, como ilustração da dificuldade que padece a população imigrada de Portugal, Brasil ou Cabo Verde para “instalar-se profissionalmente” em Galiza pela oficialidade do castelhano. O único espaço de troca considerado e considerável é o “espanhol”. Marina Mayoral, até com “citações ilustres”, brinda-nos um bom exemplo de artigo raivosamente nacionalista e um bom motivo de porque o espanholismo se alinha com as teses isolacionistas.

No que respeita ao supremacismo, pode ser definido como a crença na superioridade essencial de determinados grupos raciais, sociais, etc. sobre outros. Aqui fugiremos da caricatura de apresentar um exemplo de Calaza ou de Alfonso de La Vega (exemplos que, por outro lado, existem… estão aí). Achamos que são mais eficientes casos como o que reproduziremos a continuação. Dentro dos lamentos pela marcha de Paco Vázquez, achamos um artigo que não trata exclusivamente à questão lingüística, mas que contem uma referência fenomenal:

La primera ele, en la que todos piensan seguramente, es la toponímica, La Coruña y A Coruña, y que no es una ele cualquiera, porque más allá de su lectura en el marco de un debate localista esconde algunos de los principios o convicciones que sustentan el pensamiento de este singular alcalde coruñés y que son esenciales a todo el pensamiento socialdemócrata de la corriente histórica europea: el internacionalismo, el cosmopolitismo urbano y la tolerancia cultural.

Andrés Precedo Ledo. Las eles de Paco. 16 de fevereiro de 2006

O “L” que marca a espanholidade do topônimo simboliza aqui valores e princípios que o senhor Precedo atribui a Paco Vázquez, através da defesa que este fez do castelhano. Se o espanhol expressa o “internacionalismo”, o “cosmopolitismo urbano” e a “tolerância cultural”; por uma oposição lógica, ao galego corresponde o nacionalismo, a cerração rural e a intolerância cultural. Este caso é um bom exemplo de como dizer as coisas sem dizê-las.

O populismo conservador é o que apresenta uma maior dificuldade de definição porque se baseia num esquema que compartilha com todas as expressões ideológicas: a definição dum “nós” face um “eles”. Com carácter igualmente provisório, definiremos o populismo conservador como o chamamento à defesa e mantença de instituições e valores com um reconhecimento socialmente amplo e tradicional. Esta defesa realizaria-se face as tendências reformadoras que são representadas como ameaças à ordem social.

O galego é un idioma fermoso. É unha cereixa nuns beizos carnosos. É unha cultura milenaria que salta coma unha troita nun río. Que aínda está moi viva, se é que non o rematan a decretos e manifestacións, uns e outros.

Cesar Casal. O galego. 17 de maio de 2008

Além do estilo ridiculamente lírico e dos tópicos sobre a formosura idiomática, sobra dizer que Cesar Casal se lixa com o futuro do galego. A sua intencionalidade parece, antes de mais, construir um “nós” que se autocomplaze na observação do vernáculo estabelecendo uma distância face os indeterminados “uns e outros” que o querem converter num assunto problemático. Aqui os “uns” e os “outros” aparecem equiparados no nível de lesão ao idioma fazendo bom aquilo de que “as comparações são odiosas”.

Del cura que rezaba en castellano y su criada que jadeaba en gallego, lo que queda realmente en Galicia, amigo mío, es una generación de feligreses que saben chino.

José Luís Alvite. Vicios con lengua. 3 de janeiro de 2001.

O mau gosto do senhor Alvite merece poucos comentários. Porém, crendo-se Raymond Chandler, José Luís Alvite constrói essa comunidade que se distância do poder («cura que rezaba en castellano») e da subalternidade («su criada que jadeaba en gallego») para constituir e incluir-se nessa freguesia sensata (dos que «saben chino») que não se importa com as questões lingüísticas. Para acabar com o populismo conservador poremos um exemplo (de tantos) de estereotipagem dos defensores do galego.

CADA ANO, cando chega o 17 de maio, as nais sacan das maletas de debaixo da cama os traxes de galega para mandar ás pequenas ás actividades extraescolares. As nenas e nenos bailan, recitan un poema de Rosalía, pintan no chan con xis o careto de Castelao ou escriben unha redacción hiperenxebrista na que manifestan o seu amor á lingua cun vocabulario pensado para conmover a Otero Pedrayo. Parece unha escena feliz, pero entón, como nos contos antigos, de entre a multitude sae un profeta. Porque o Día das Letras non pode ser só unha celebración, tamén ten que ser un día para a preocupación.

«O galego desaparecerá», trona o profeta con voz rouca, «e os ríos secaranse, e o feísmo arquitectónico apoderarase das aldeas, e baixará o Anxo da destrucción e ninguén pronunciará as abertas e pechadas correctamente». Os nenos asústanse con estas cousas e quedan sen fala. Literalmente. Logo, o profeta dá a volta e pérdese co seu báculo entre a xente. E segue a festa.

Miguel-Anxo Murado. Festa das letras. 17 de maio de 2005.

Neste tipo de referências, o galeguista entra em cena como o desmancha-prazeres que aparece para arruinar um dia maravilhoso. É um mauricinho pedante que assusta as crianças com a sua retórica pessimista. Ainda mais, é um profeta ligado profissionalmente (coisa freqüente neste tipo de representações) a algum ramo científico ou cultural associado ideologicamente à promoção do galego (sociolingüística, filologia, literatura, etc.).

Finalmente, está o liberalismo, ideologia que poderíamos definir como a defesa da inibição da administração pública na actividade econômica e, por extensão, no resto de domínios sociais. Quer dizer, seria a ideologia que confiaria a estructuração social e a distribuição de recursos à livre concorrência de iniciativas privadas. Esta ideologia, aplicada à questão da língua, implica a inibição da administração na protecção do galego.

En Galicia estanse a facer xa probas en exames de acceso á Administración con versión única en galego. É dicir: discriminatorias para os que queren exercer o seu «dereito» a empregar o castelán, polo de agora cooficial en Galicia . ¿É iso constitucional? Amamos o galego, pero tamén nos gusta que se cumpra a lei e se respecte aos demais.

X.A Vázquez Antelo. A lei e as línguas. 22 de dezembro de 2005.

Evidentemente, por combinação com outros elementos ideológicos nacionalistas, supremacistas ou populistas, não se concebe (nunca se fez) esse respeito face os galego-falantes. Seja como for, o liberalismo implica uma sorte de darwinismo lingüístico ao considerar as línguas como recursos externos aos falantes. Estes escolheriam entre as opções existentes segundo a sua preferência e sem mediar qualquer determinação ou condicionante social.

¡Y es que ya está bien! ¡Fuera caretas!: nadie prohíbe a los profesores de la Universidad de Santiago dar sus clases en gallego, pero el 80% las dan en castellano; nadie prohíbe a los columnistas de prensa escribir en gallego, pero la inmensa mayoría lo hacen en castellano; nadie impone a los políticos hablar en castellano, como lo hacen en privado la mayoría de los no nacionalistas; nada impide a los empresarios montar un diario en gallego, pero ninguno ha querido jugarse en ello su dinero; nada impide a los jóvenes hablar en gallego, pero el 56% de los que tienen entre 16 y 25 años lo hace habitualmente en castellano; ni nadie impide a los comerciantes rotular en gallego, pero lo hacen en castellano casi todos.

¿Por qué? Pues porque quieren. Porque en uso de su libertad así lo han decidido.

Roberto Blanco Valdés. Lenguas: bien, hablemos de libertad y de imposición. 18 de maio de 2008

Assim, de não mediar nenhum condicionante extra-lingüístico na eleição do idioma, devemos supor que mediam condicionantes intra-lingüísticos. Quer dizer, que existem línguas essencialmente mais adequadas, mais elegantes ou simplesmente melhores do que outras. O qual ilustra a conexão com outras ideologias referidas; neste caso, o supremacismo.

No que se refere à livre concorrência, funcionam os mesmos preconceitos cara a discriminação positiva ou a acção afirmativa que noutras ordens sociais. Assim, as verbas orçamentárias, a protecção ou a simples promoção do subalterno não é apenas vista como uma injusta desigualdade de trato, senão que inibe a ambição e o esforço deste.

(…) eso de la protección subvencionada y de la discriminación positiva a las lenguas supuestamente acorraladas -verbigracia, el gallego- es simplemente un montaje ideológico para amparar a incompetentes tras chiringuitos que escondan la indigencia imaginativa en la que chapotean (…).

Juan José R. Calaza. Mejor en español. 27 de setembro de 2005

Quando vemos que as conclusões da sociolingüística qualitativa indicam a persistência de velhos preconceitos em torno ao idioma, devemos perguntar-nos que papel jogam os principais médios de comunicação do país; sobretudo quando vemos que grande parte da população galega está submetida diariamente a este tipo de mensagens de auto-ódio e alheação nacional.

Máis de Ângelo Pineda Marinho