Cobrirem a crise, descobrirmos o engano

Partilhar

Por Ângelo Pineda Marinho

Discurso de investidura do novo presidente autonômico. Feijoo insiste em derrogar o Decreto 124/2007 entre os entusiasmados aplausos do bunker-cabaço. Mau assunto. Cumpre temer que no seu mandato, Feijoo atacará estrategicamente a singularidade galega avivando estes debates. Fará-lo com o assunto do Decreto e com a reforma do Estatuto, no que a gente ficará enredada na discussão de se somos uma nacionalidade, uma região ou uma comunidade de vizinhos (sendo realistas, não se pode aspirar a mais).

Que as coisas irão por aqui é apenas uma suspeita. Suspeita que não se baseia nas próprias declarações do títere, senão noutra série de fatos. A saber: o informe sobre os “Efeitos previsíveis da crise econômica na carga de trabalho dos órgãos judiciários”, redigido pelo CGPJ prognostica a falência em torno de 913 empresas na Galiza entre os anos 2008 e 2010. É uma projeção em base a dados do INE, pelo que não seria estranho que a realidade a começos da próxima década for mais severa do que as suas previsões.

A conjuntura não é melhor no quadro do Estado Espanhol. A resposta, para além dos regalos de dinheiro público à burguesia industrial e financeira (pelo bem que o estão a fazer), será dramaticamente previsível: intentarão cobrir a crise com a rojigualda. A Xunta, como bom departamento colonial, também. O qual é útil em dois sensos: por um lado seda-se parte da frustração populacional com uma adesão patrioteira e irracional; por outro, agitam-se polêmicas que distrairão a sociedade galega das causas do seu mal-estar. O tempo o dirá.

Neste contexto, cumpriria incrementar a ação civil: organizar a sociedade não para esperarmos o golpe, senão para passarmos decididamente à ofensiva. Neste senso, é preciso que a classe trabalhadora aperceba o galeguismo radical como uma verdadeira força de transformação social, e não como uma ferramenta oportunista para uma alternância no governo epidérmica. Neste senso, seria recomendável que o soberanismo galego cobrasse uma relevância e um protagonismo crescente. Cumpre ligar de maneira efetiva a luta pela justiça social e a libertação nacional.

Também não devemos enganar-nos: resta bastante para isso e cumpre começar desde abaixo. Porém urge também chamarmos à responsabilidade: a fragmentação atual da esquerda independentista é um luxo que não nos podemos dar.

Porque depois será complexo fazer memória e lembrar que Feijoo não derrogou o Decreto, que nasceu derrogado pela nula vontade em aplicá-lo por parte da Conselharia de Sánchez Piñón. Também pensaremos que o governo de Feijoo entregou o país à patronal de mão beijada esquecendo, por exemplo, o Acordo pola Competitividade que assinaram o bipartido e o vergonhoso amarelismo sindical.

É que os governos sucedem-se, mas o poder da CEG permanece.

Máis de Ângelo Pineda Marinho