Por Ângelo Pineda Marinho
Não deixa de surpreender que um dos factos mais relevantes que têm acontecido nos últimos anos no Estado Espanhol, tenha passado praticamente inadvertido para os meios de comunicação e para a chamada “opinião pública” galega: a primeira vez que se pergunta a cidadãos e cidadãs se querem ou não seguir pertencendo à Espanha.
Era previsível que o referendo de Arenys seria atacado sem piedade pelo espanholismo mediático e efetivamente, este não demorou em passar à ofensiva intentando desacreditar a consulta. Como na Galiza ninguém parece disposto a sair na defesa de Arenys de Munt, deixo aqui umas quantas anotações para combater a distorção.
Em primeiro lugar, todos os meios de comunicação da direita ressaltam que apenas votou o 41% do censo; uma percentagem menor que em outros comícios. Assim, La Razón proclama triunfante que 59% ficou em casa e o ABC destaca que não votou nem metade dos vizinhos. O que não explica nenhum meio é que censo se alargou às pessoas imigradas e que a idade mínima para participarem reduziu-se aos 16 anos, ambos coletivos não são tradicionalmente proclives à participação por razões evidentes. Também não explicam que em Arenys de Munt, núcleo de população geograficamente disperso, apenas contava com um colégio eleitoral (o Centre Moral) já que a câmara municipal não podia ceder as suas instalações à consulta por ordem dos julgados de Barcelona. No dia 13 de setembro, dia da votação, era o último dia da ponte da diada… Ainda assim, votou 41%.
Que 59% ficou em casa? Espanholistas, não se enganem: 96,2% de quem votara fizeram-no pelo sim. No suposto fictício de que votasse 100% do censo, mantendo o voto branco constante e imaginando que o resto se pronunciaria em contra, o sim continuaria ganhando por um 56%. Como nos recorda Marc Guinjoan em El Pati Descobert, um ponto por cima do que necessitou Montenegro para declarar-se independente em 2006.
Outra constante da mentira oficial é envolver a classe política catalã na estratégia dos referendos. Insisto, não se enganem: a classe política catalã, como sempre, não esteve à altura das circunstâncias.
O PSC e sectores de ERC não cansam de argumentar que não é uma boa estratégia cara o Estatut. Mas quem diabos quer já o Estatut? A gente reclama a independência pura e simplesmente, e não falsas soluções intermédias. Joan Saura, Conselheiro de Interior e excandidato eco-socialista de ICV, transmutou-se em Fraga e disse que a política de referendos pode batasunizar Catalunha. CiU joga ao sim mas não: alguns dos seus membros destacados dizem que votariam afirmativamente e outros que não e, em qualquer caso, não promoverão a extensão da iniciativa. É o problema de quem quer cair bem em Barcelona e Madrid ao mesmo tempo. E ERC? Já comentámos que vultos desta formação como Josep Lluís Carod Rovira são contrários a este tipo de propostas. Porém somaram-se apoiando novas consultas talvez temendo perder votos pela esquerda (CUP) e pela direita (Reagrupament). Podem fazê-lo, ainda retoricamente são independentistas e não uns balbinos que se dedicam a pedir generosidade e clemência a Madrid.
Os autênticos artífices do referendo de Arenys são as CUP; formação modesta, mas inteligente. A esquerda independentista catalã soube ultrapassar as tradicionais diferenças entre facções criando esta ferramenta unitária de trabalho institucional. Tome nota o independentismo galego: apesar da sua escassa força conseguiu pôr em contradição todos os partidos catalães e situou a independência da Catalunha na agenda política.
Pela sua parte, a atitude de Espanha é a melhor notícia: os meios de comunicação (de esquerdas e de direitas) elevaram o nível cultural do reino recuperando expressões tais como “pantomima”, “bufonada”, “payasada”, “alarde soberanista” etc. Também enviaram um autocarro de freaks fascistas para realizar uma manifestação multitudinária de 60 pessoas com a intenção de atemorizar a população: e sorte para eles que saíram com vida… Os tribunais permitiram dita manifestação enquanto proibiam o apoio da câmara municipal à consulta. O advogado do estado que tramitou a denuncia, Jorge Buxadé, tinha sido candidato eleitoral justamente de Falange, e atualmente é membro do grupo de ultradireita Peones Negros… Parece brincadeira.
E que é que foi relevante a nível internacional? O enfado de Espanha com o separatismo? Não. Eurodeputados e eurodeputadas alemãs e italianas protestaram porque na “pele de touro” ainda se podem exibir simbologia de caráter fascista em manifestações públicas. E não, não eram todos de esquerdas: entre os que se queixavam estava o vice-presidente dos populares Manfred Weber e o dos liberais Niccolò Rinaldi.
No entanto, o independentismo catalão cresce por pura oposição ao nacionalismo retrógrado espanhol. É assim que o diário isocialistai El Periódico e o burguês La Vanguardia, ambos contrários à consulta, queixavam-se nos seus editoriais do dia 14 da desproporcionada resposta de Espanha que virou o que poderia ter sido uma anedota, num perigo para a ordem constitucional. Vão-se fazendo à ideia: Catalunha será independente em poucas décadas. A dúvida em todo o caso será se o País Valenciano e as Ilhas Baleares acompanharão o Principado na conformação duns Países Catalães livres.
E falando em respostas desproporcionadas, o Grupo de Estudos Estratégicos, think tank próximo ao PP, especula com a possibilidade de enviar o exército espanhol a Catalunha tal e como prevê o artigo 8 da Constituição Espanhola na defesa da integridade territorial do estado. Seria interessante tal eventualidade, já que um dos principais argumentos contra a atividade da ETA sempre foi que era possível defender qualquer ideia por meios pacíficos e democráticos. A sério? Veremos.
Até o momento, já há 32 municípios que aprovaram realizar uma consulta semelhante e mais de duas dezenas estão considerando esta possibilidade. Serão os únicos que respeitem os direitos de todos: consultarão os que querem a independência e os que não. Enquanto o resto, seguiremos esperando a que se tenha a nossa opinião em conta como corresponde a uma democracia.