Se o escritor e estudoso que foi Guerra Da Cal nom som como para a Galiza poder prescindir deles olimpicamente, o homem Guerra Da Cal, a personagem Guerra Da Cal, nenhuma cultura digna a teria deixado perder-se graciosamente. João Guisan Seixas
O neno que em Quiroga aprende de Maria “A Garabulha” as canções populares da Virgem da Barca.
O menino fascinado pola romaria da Franqueira.
O que canta folclore galego para a Music Apreciation Society, como antes o figera para os ouvidos maravilhados de Federico Garcia Lorca.
O rapaz estrangeiro do Instituto San Isidro de Madrid, que peleja com o Juan e Gonzalo de Borbón e promove uma “greve fotográfica” contra eles.
O estudante preso pelas greves contra Primo de Rivera de 1928, 1929 e 1931.
O que nas férias de 1930, desobedecendo o Real Decreto de 1923, iça a bandeira galega no Círculo de las Artes de Lugo.
O moço detido em 1931 junto com Serafin Ferro por enfrentarem-se às “juventudes dereitistas”.
O beatnik atlântico que em 1932 percorre, on the road, a costa galega.
O universitário que frequenta todos os ambientes gayfriendly de Madrid mas que entra em cólera quando lhe insinuam relações homossexuais.
O dicionário vivente de Lorca.
O invitado das festas da Casa de las flores de Neruda.
O combatente das Milícias Populares Galegas que conhece Orwell e Hemingway, mas também Orlov.
O agente do SIM.
O jovem exilado nos EUA que ganha o pão de operário na Exposição Universal de Nova Iorque.
O namorado comedor de gelados que Castelao e Virginia repreendem com veemência.
O chamado a Hollywood por Buñuel e Rubia Barcia, que finalmente recusa o convite temendo a caça de bruxas de Mac Carthy.
O amigo e tradutor de Langston Huges, poeta do Harlem.
O brilhante homo academicus das universidades nova-iorquinas.
O que não se apresenta quando lhe concedem o Doutor Honoris causa em Coimbra.
O irmão do poeta proto-reintegracionista Fernando Pérez Guerra.
Um tipo em Galaxia que cita Bob Dylan e Bette Davis!
O promotor do Acordo Ortográfico em 1988, que rematará por levar a Galiza ao Acordo de Rio.
O que recusa a nacionalidade espanhola.
O convidado de honra, junto com Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, do I Congresso Brasileiro de História e Crítica Literária.
A celebritie da noite carioca e das “páginas de sociedade”.
O que lhe teima a um apresentador da televisão brasileira: “não sou espanhol, sou galego”.
O crítico de arte das esculturas móveis de Calder.
O organizador das cacheladas da Unity Galega de Nova Iorque.
O personagem de Mad Men que deixa a mulher num aburrido residencial de Amytiville enquanto, vestido de dândi, se lança à aventura diária por Manhattan.
O que no Natal de 1986 faz de Rosalia de Castro um best-seller português…
São infinitas as personagens e estórias que partem do caleidoscópio Guerra da Cal. Joel R. Gômez, o seu melhor conhecedor desde há muitos anos, convoca-as a todas, por ordem e sem ausências, no seu mui minucioso Ernesto Guerra Da Cal, do exílio a galego universal. É tal a densidade coral do repasto dacalaino que apenas proporei dous possíveis percursos por este livro.
O primeiro perfila o intelectual mais desacomplexadamente independentista da geração Galaxia, incansável sabotador do que agora se deu en chamar “Cultura de Autonomia”, e passa polas páginas 107, 173, 179, 223, 226 n.130, 229 n131, 246, 255, 260, 317, 318 e 322.
O segundo, mais apaixonante ainda, é a história subterrânea dum activisimo agente da Guerra Fria cultural, que aproveita a conjuntura para colocar a Galiza no mapa internacional à vez que promove a sua própria carreira. A falta de algum James Ellroy que dê jeito a tudo isto, leiam-se como se fossem um thriller as seguintes páginas: 46, 48, 49, 50, 51, 62-65, 84, 87, 98, 112, 139 e 159.