Discussão racional ou porradas

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Por Ângelo Pineda Marinho

Há anos, numa palestra ministrada na Faculdade de Sociologia da UdC, recriminei a Blanco Valdés a sua posição favorável à restrição de direitos civis no País Basco. O palestrante, muito educadamente, respondeu-me que entre posturas tão divergentes como as nossas era impossível estabelecer uma discussão racional. A verdade é que concordo, e talvez seja a única questão na que posso coincidir com ele. Aliás, acrescentaria uma observação: para estabelecer uma discussão racional entre duas partes, ambas devem assumir critérios de racionalidade argumentativa.

Com certeza, o que impossibilitaria qualquer hipotética discussão entre nós é, para além da divergência ideológica, a acusada tendência à demagogia destes tribunos da direita mediática. Não quero fazer eu próprio demagogia, assim que intentarei demonstrá-lo pondo como exemplo a última divagação anti-catalã deste intelectual de províncias.

Desde há algum tempo, a mídia galega (muito especialmente o Grupo Voz) aderira a esse vício tão castiço de enviar bolas fora de banda. Concretamente, culpar Catalunha de todos os males que afetam o reino constitui uma manobra de certo sucesso com a que se consegue evitar que público pense na verdadeira responsabilidade de qualquer fato. Assim, era inevitável que depois da grande demonstração soberanista do 10 de julho e logo dos últimos movimentos políticos no Principado alguém dissesse alguma bobagem.

A respeito da apresentação a semana passada do manifesto pela Solidariedade Catalã, Blanco Valdés dedicou a Laporta umas lindas palavras:

«Ver a Joan Laporta llamando a la unidad nacionalista para proclamar por las bravas la secesión de Cataluña convierte al ex presidente del Barça en un personaje a medio camino entre Gila y Homer Simpson. La imagen del Laporta independentista constituye, sin duda, un esperpento, pero nada sería más estúpido que tomarse a broma lo que de broma no tiene más que la apariencia».

Este parágrafo apenas esclarece o fundo carinho que Blanco Valdés professa ao ex-presidente do Barça, mas nada argumenta em contra deste e menos desacredita o contido desse chamamento. Mas porque não devemos pensar que o chamamento é apenas uma brincadeira? O colunista estabelece uma premissa quando menos discutível. A aparição de Democracia Catalã como oferta política acentuará o caráter independentista de ERC na sua intenção de não perder votos por aqui. A partir deste momento, Blanco Valdés constrói uma bola de neve na qual CiU faz o mesmo e o PSC se desloca –ainda mais!- cara o nacionalismo (catalão). Desta maneira, a causa da modesta candidatura de Laporta, e mediante uma espécie de efeito borboleta, todo o espectro político mediterrâneo acaba inclinando-se cara a secessão. Bravo!

Se o relato de política-ficção com o que nos deleita Blanco Valdés -este sim- soa a brincadeira; a conclusão não pode ser mais do que antológica:

«De este modo, frente a lo que ocurre en la mayoría de las democracias asentadas, en las que los partidos pujan por acercarse al centro -donde se concentra la mayor parte del cuerpo electoral-, en Cataluña ha venido a suceder, a fuerza de empeñarse en ello, todo lo contrario: la competencia partidista no es allí centrípeta, sino centrífuga, lo que ha tenido un efecto que, tras muchos años de lo mismo, es ya perfectamente constatable: poco a poco va aumentando en Cataluña el porcentaje de población que está a favor de la independencia».

Não sei sou apenas eu quem vê uma incoerência lógica bastante evidente. Se o que se passa nas «democracias assentadas» é que as formações políticas se achegam a ao sentir da maioria, não se entende que em Catalunha aconteça de modo inverso; a não ser que Blanco Valdés sugira que Catalunha não tem uma «democracia assentada», neste caso deveria argumentar o porquê. Senão poderíamos pensar que a ausência duma «democracia assentada» é devida a que Blanco Valdés não gosta do que vota o eleitorado catalão.

Uma das explicações ao crescimento do independentismo na Catalunha, com a que estou bastante de acordo, é que constitui uma resposta ao chauvinismo crónico que destila a vida política, cultural e social espanhola. Um chauvinismo que se mostra absolutamente insensível a qualquer singularidade cultural ou política dentro das suas fronteiras considerando-as pouco menos do que uma “anomalia regional”.

Supõe-se que Blanco Valdés advertia a possibilidade desta objeção à sua singular teoria da “democracia centrífuga”, assim que se pôs em guarda para contra-argumentar duma maneira muito elegante:

«Según la teoría oficial dominante del progresismo de salón (hoy socialpopulismo), esta peligrosísima deriva sería culpa del nacionalismo español, que habría radicalizado a los nacionalistas catalanes. Tal espejismo, que tiene mucho de farsa y mucho de delirio, exime de toda culpa a la insaciable voracidad nacionalista y, desde luego, al PSC, cuya deriva nacionalista tendría por finalidad ¡frenar el avance de los nacionalismos!».

Desta maneira, somos “progressistas de salão”, “social-populistas” (?) e “farsantes” que “deliramos”. Ainda mais: a nossa posição é “a teoria oficial dominante”! Certamente não intentava convencer-nos. Segundo ele, pretendemos exculpar a “insaciável voracidade nacionalista” e ao PSC partido que está, à sua vez, numa “deriva nacionalista”. Não deixa de ser curioso que ninguém na Catalunha, com exceção do PP e C’s, advirtam esta deriva. Não importa. Ao fim e ao cabo, quantos leitores e leitoras de La Voz residem em território catalão?

Se destaco este exemplo de limitação intelectual não é porque pense que Blanco Valdés é um senhor importante. Destaco-o porque me parece representativa da cegueira com a que demasiada gente, gente bastante mais importante do que o senhor Blanco Valdés,  encara os processos de reivindicação nacional no Estado Espanhol. O assunto seria tão singelo como estar aberto à negociação e, em última instância, aceitar a vontade majoritária, seja qual for, expressada num processo democrático; tanto na Catalunha, como no País basco ou na Galiza. Em caso contrário, apenas nos queda parafrasear a já famosa pergunta retórica de Ibarretxe: «se não houver processo de diálogo… quê? Solucionaremo-lo a porradas?».

Máis de Ângelo Pineda Marinho