Scientific observation has established that education is not what the teacher gives;
education is a natural process spontaneously carried out by the human individual,
and is acquired not by listening to words but by experiences upon the environment.
The task of the teacher becomes that of preparing a series of motives of cultural activity,
spread over a specially prepared environment, and then refraining from obtrusive interference.
Human teachers can only help the great work that is being done, as servants help the master.
Doing so, they will be witnesses to the unfolding of the human soul and to the rising of a New Man
who will not be a victim of events, but will have the clarity of vision to direct and shape
the future of human society.Maria Montessori, Education for a New World
Queremos hoje falar duma mulher de ciência. Chamava-se Maria.
Com estes dados só, intuímos que o leitor estaria a pensar em Maria Skłodowska (1867 – 1934), mais conhecida pelo seu nome de casada, Marie Curie. E não admira, pois essa Maria foi a primeira cientista, homem ou mulher, em ser galardoada com dous prémios Nobel. O primeiro, o de física, em 1903 pelos seus estudos sobre a radiação e o segundo, o de química, em 1911 pela descoberta do rádio e o polónio. Vítima do machismo imperante na época, da xenofobia, da moral judeu-cristã e do fundamentalismo religioso, a cientista franco-polaca teve que fazer frente ao longo de toda a sua vida às mais flagrantes calúnias e discriminações. Porém, nenhum atranco logrou nunca detê-la e, com admirável determinação e perseverança, Maria soube sempre encontrar ou construir os caminhos da criatividade científica, chegando a inventar e desenvolver as unidades móveis de raios-X que operariam nos campos de batalha durante a Primeira Guerra Mundial. Os seus restos mortais repousam desde 1995 no Panteão de Paris, sendo a primeira mulher a quem a República Francesa, a qual, paradoxalmente, é representada com rosto de mulher, concedeu essa serôdia honra.
Hoje, porém, imos falar duma outra Maria. Uma outra Maria cuja privilegiada mente científica nada tinha que invejar à da primeira, mas que, contudo, não costuma ser considerada entre o elenco de mulheres cientistas. Estamos a nos referir a Maria Montessori (1870 – 1952). Coetânea da primeira, esta segunda Maria foi também uma pioneira, uma autêntica quebra-gelo que traçou os caminhos pelos que depois transitariam muitas outras mulheres. Assim, Montessori foi a primeira mulher estudante de medicina e cirurgia em Roma (a segunda em toda a Itália), obtendo o seu doutoramento em 1896.
Observamos inúmeros paralelismos entre vidas destas duas pioneiras da ciência e, embora, estes breves apontamentos não tenham uma intenção biográfica, o amável leitor imaginará sem dúvida que os entraves na vida pessoal e profissional que a Montessori teve de transpor na Roma da viragem de século não foram em absoluto menos formidáveis do que aqueles aos que a Skłodowska-Curie teve de fazer frente em Paris. Sim, pois ambas as duas Marias ousaram desafiar as rígidas convencoes da época, não apenas no eido profissional, se não também no pessoal.
Ainda estudante, Maria Montessori começa a trabalhar num projeto de investigação liderado pelo Dr. Giuseppe Montesano, um dos precursores da neuro-psiquiatria infantil na Itália, professor de psiquiatria e amante de Maria e pai do seu único filho, Mario Pipilli. Montesano estava a estudar crianças que tinha “resgatado” dum manicómio da capital italiana. Porém, a chegada de Montessori ao projeto vai conferir a este uma dimensão inesperada. Porque Montessori, para além do estudo das características psicológicas e do perfil psiquiátrico destes miúdos, começa a interessar-se também pela maneira em que estes aprendem. Através duma minuciosa observação, Maria vai identificando uma série de patrões de aprendizagem que ela acha serem inatos e, portanto, universais. Começa então a desenvolver uma metodologia didática concebida para respeitar e reforçar esses patrões naturais em troques de opor-se a eles e obstaculizá-los.
Pese achar-se imersa num doloroso trauma pessoal(*), Montessori consegue que todos os seus “alunos” passem com sucesso a revalidação do ensino primário. E não apenas isso, se não que a média obtida pelas suas crianças consideradas “loucas” e “retardadas” é sensivelmente superior à dos estudantes normais. A imprensa internacional faz-se eco deste inusitado sucesso e Montessori começa a virar famosa, o que despertará as invejas dalguns dos seus colegas. Mas enquanto o mundo se questionava, maravilhado, sobre a natureza desta milagre, a pergunta que ronda a cabeça da Montessori é a inversa: Como é possível que as crianças normais não obtenham resultados muito superiores? É assim como nasce o seu interesse pela pedagogia.
Se os padrões de aprendizagem e os “períodos sensíveis” identificados por Montessori com crianças “deficientes” (que na sua maioria não eram tal, se não simples crianças normais provenientes de famílias desestruturadas dos bairros mais desfavorecidos) eram realmente inatos e tinham uma base neuro-fisiológica, esses mesmos padrões deveriam ser observados em crianças “normais”. Tal era a hipótese de partida de Montessori. Para comprová-lo necessitava um laboratório “equipado” com crianças normais. Porém, as autoridades educativas italianas rejeitaram sistematicamente os pedidos de Montessori para trabalhar com alunos normais sob o pretexto de que ela, doutora em medicina e psiquiatria, não estava qualificada para ser professora no ensino primário.
A sua oportunidade chegou do sector privado, mas não precisamente do ramo educativo, se não do da construção. Uns homens de negócios estavam a desenvolver um projeto piloto de vivendas nos bairros mais desfavorecidos de Roma. Pretendiam que o Estado financiasse o projeto. Mas tinham um problema: As crianças não escolarizadas do lumpenproletariat romano que estava chamado a ser o beneficiário do projeto entravam nos edifícios em construção, roubavam ferramentas e materiais e ocasionavam estragos nas instalações. Através dos seus contactos na inspeção educativa, os investidores conheciam as pretensões de Montessori e propuseram-lhe fazer-se cargo destas crianças. Ela recusou inicialmente mas finalmente, fruto do seu sentido da responsabilidade cara essas crianças, aceitou a oferta. Foi assim como nasceu em Roma a Casa dei Bambini, que ainda existe hoje.
A observação científica neste ambiente de trabalho, que Maria compaginou com a suas lavouras docentes na universidade e com o exercício da psiquiatria, permitiu a Montessori confirmar e ampliar as suas teses assim como aperfeiçoar o método que leva o seu nome. Durante todo este período, assim como durante toda a sua vida, Maria Montessori acompanhou de forma absolutamente estrita e sistemática todas as novas descobertas científicas, particularmente aquelas que no campo da genética, da citologia, da neurologia e da fisiologia se achavam mais diretamente ligadas ao desenvolvimento e à aprendizagem nas crianças.
Assim mesmo, também realizou um imenso trabalho de divulgação da sua pedagogia que a levou a percorrer todo o mundo. Embora o seu objetivo político principal, que era que a República Italiana instaurasse o método Montessori no curriculum educativo de todas as escolas públicas, fracassou, hoje existem escolas Montessori em quase todos os países do mundo, muitos dos seus princípios pedagógicos impregnam já, de maneira transversal, as escolas convencionais (particularmente as maternais) e o método Montessori está a virar, perante a evidente inadequação dos paradigmas convencionais para dar respostas ajeitadas no mundo de hoje, um dos métodos pedagógicos alternativos mais em voga nos nossos dias.
Mas, a diferença doutros métodos, baseados em apriorismos filosóficos e ideológicos sobre como a educação e o mundo deveriam ser, o método Montessori, fundamentado na observação empírica à luz do conhecimento fornecido pelas ciências naturais, constitui a primeira e mais completa aproximação científica ao mundo da pedagogia.
NOTA
(*) A causa foi que a influente família Montesano sequestrou o filho de Maria, cuja gravidez e parto ela levou em segredo, e entregou-o a uns campesinos romanos. As opções com que foi confrontada a mãe eram: quer resignar-se e poder ver o seu filho no tempo de lazer, quer não vê-lo nunca mais. Cumpre não esquecer que segundo a legislação vigorante na Itália da época a patria potestas pertencia exclusivamente ao pai.
BIBLIOGRAFIA
Obras da própria Montessori.
- The Absorbent Mind (A Mente Absorvente), Maria Montessori. Este é se calhar o livro da autora que explica com mais claridade os princípios que fundamentam o método Montessori. Escrito originalmente em inglês, o estilo é cru e pouco elegante. Porém é seguramente a melhor obra para iniciar-se no mundo da pedagogia Montessori nas palavras da própria doutora. Como nota curiosa, o livro provoca uma rejeição visceral em determinados leitores norte-americanos. Em geral, por causa das alusões que Montessori faz ao marxismo como ideologia libertadora (de facto, o que ela afirma é que a sua pedagogia é mais revolucionária e libertadora do que o marxismo). Também resulta ofensiva para mentes imbuídas no pensamento politicamente correto a atribuição de características particulares às distintas “raças” humanas (na verdade os comentários de Montessori não têm nada de racistas, são simplesmente expressões banais no contexto histórico no que foram realizadas). Finalmente, o feito de Montessori ter sido “criacionista”, no sentido católico do termo, também pode fazer a mais de um duvidar do rigor do seu pensamento.
- Education for a New World (Educação para um Mundo Novo), Maria Montessori. Esta é uma obra mais filosófica do que metodológica, mas imprescindível para qualquer pensador interessado em questões pedagógicas.
Obras sobre o método Montessori.
Há muitas. Vou citar apenas a que estou a ler eu neste momento:
- Montessori: The Science Behind the Genius (Montessori, A Ciência por Trás do Génio), Angeline Stoll Lillard, 2008. Este livro faz uma análise do método Montessori à luz das descobertas científicas posteriores à elaboração das teorias de Maria Montessori.
FILMOGRAFIA
- Maria Montessori: Una vita per i bambini (Montessori, Uma Vida pelas Crianças), 2007. Trata-se dum telefilme biográfico de marcado carácter feminista que condiz com alguns dos estereótipos do género dos telefilmes de sobremesa. Nomeadamente, é romântico, lacrimogéneo e bastante maniqueísta. Porém a qualidade do roteiro, das atuações e do attrezzoestão muito por cima da média. Não explica muito do método Montessori mas é interessante para quem quiser conhecer as vicissitudes existenciais da sua criadora. Até onde eu investiguei, existe apenas a versão original do áudio em italiano (facilmente compreensível para nós). Felizmente, as únicas legendas com qualidade profissional que pude encontrar estão em galego do Brasil.