Por Ângelo Pineda Marinho
Transcendeu à imprensa -estas coisas sempre transcendem- que o dia 25, num acto celebrado na Universidade da Corunha, uma pessoa ligada ao BNG comparou a violência patriarcal com a discriminação do galego. Como a única fonte de informação da que disponho nesta altura é La Voz de Galicia, temo-me que nunca saberei os termos exactos nos que se desenvolveu esta comparação.
Seja como for, existem determinados elementos nos que a comparação é possível. Uma coisa que até Lois Blanco sabe, é que a violência contra a mulher não é apenas física. Existem formas de violência “invisíveis” que o movimento feminista luta por visibilizar. É assim que, por exemplo, um artigo de opinião que justifique dalguma maneira a discriminação da mulher também constitui um acto de violência. Violência cultural, seguindo a terminologia de Galtung; violência conformada por aquelas expressões ideológicas que legitimam a violência física ou a estrutural. A violência estrutural seria uma outra forma de violência não física referida às estruturas politico-económicas quando estas impedem realizar o potencial das capacidades mentais ou somáticas de indivíduos ou grupos; algo perfeitamente aplicável à questão de género.
Na obra de Bourdieu, popularizada em médios académicos, existe o conceito de violência simbólica como pressão agressiva que se exerce sobre o dominado, com o consentimento deste e mediante a ocultação duma relação de força. Pressão destinada à adopção do ponto de vista dominante. Também na produção teórica do sociólogo Erving Goffman um processo como o da estigmatização, com funções de controlo social, recolhe toda uma série de agressões indirectas, algumas quase imperceptíveis.
Na psicologia social é um tema ao que se empresta uma atenção crescente. A questão da violência psicológica como forma de persuasão abusiva e humilhante está presente em muitos âmbitos da nossa vida; desde o escolar até o laboral, passando pelo doméstico e o da comunicação.
Pois bem, eu não vejo qualquer motivo que puder descartar o emprego dos conceitos de violência cultural, simbólica ou psicológica na definição do tratamento que diversos agentes sociais (entre eles os médios de comunicação) brindam ao nosso idioma. Se repassarmos aquelas referências ao galego que aparecem na secção de opinião dos principais rotativos galáicos não teremos qualquer dúvida. Desde a impunidade que oferecem as páginas centrais, com pose de tribuno ou com a afectação do cínico a quem a vida não tem já nada que ensinar; os tudólogos desacreditam a ciência filológica e os pronósticos sociolinguísticos, invertem as relações de força, contestam as tímidas acções afirmativas da administração, chamam à mobilização espanholista e, mediante a degradação aberta o subtil do galego, convidam à depreciação, a autodepreciação e à deserção linguística dos galego-falantes. Temos uma boa mostra recente no auxílio propagandístico que os médios impressos oferceram ao bunker-cabaço na sua cruzada contra o Decreto 124/2007; pelo demais, uma norma insuficiente e ignorada.
O que pretendo defender nestas linhas é que essa comunicação general e unidireccional é um exercício de violência sobre os galegos (e não apenas sobre os galego-falantes) comparável a um artigo racista ou misógino. Se ademais o nosso idioma aparece nesta comunicação associado a um lirismo evocador, não é por respeito: é que tudo entra melhor com um pouco de açúcar.
Se cumpre lutar contra as violências ideológicas, cumpre lutar contra todas as violências ideológicas. Porque o que não é permissível nas relações raciais ou de género, porque haveria de ser permissível nas linguísticas?