Violências misóginas. Lesivas, perigosas e quase invisíveis

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Alex Rozados

O machismo é a exaltação da supremacia do macho e envolve um conjunto de violências que visam manter a dita supremacia. As violências machistas diretas implicam em muitas ocasiões o emprego da força física, das armas, das ameaças, dos berros e, em geral, de todos os traços que caracterizam a figura do macho; também a apropriação dos nossos espaços, incluindo o espaço de segurança. A própria violência sexual machista implica agressão e domínio pola força, a demonstrar assim quem é que manda e quem é o proprietário do corpo da outra pessoa. As violências estruturais machistas envolvem também uma cheia de expressões gravíssimas, mui lesivas (também mais visíveis), como são os massacres e os estupros maciços de mulheres em conflitos armados, o tráfico para fins de exploração sexual ou os assassinatos cometidos por máfias organizadas. Por sua vez, as violências simbólicas também podem ser machistas, quando o discurso veiculado através do cinema, da literatura, da publicidade, etc., visa a exaltação do macho, do seu poder, da sua força (física) e da sua capacidade para assovalhar.

Porém, há uma quantidade enorme de violências que não se enquadram no perfil anterior, mas que são muito mais frequentes do que aquelas e também mui lesivas -com um perigo adicional: são muito menos visíveis e, de certeza, o mais das vezes não figuram como violências no imaginário social. Tem havido tentativas de as diferenciar das violências machistas, como o uso do termo “micromachismo”, que abrangia uma variedade heterogénea de formas de violência direta não muito organizadas. Semelhava que eram violências pequenas, menos importantes e, certamente, menos graves. A organização feminista Fiadeiras pujo os pontos nos is e promoveu um livro coletivo cujo título diz tudo: Machismos. De micro nada (Ed. Embora, 2015), evidenciando ao longo da obra a inadequação do uso desse termo para denominar um aparelho de violências quotidianas que sofrem as mulheres. Por isso as chamaremos de violências misóginas; não implicam necessariamente a supremacia do macho, mas sim o menosprezo, o desprezo e a aversão polas mulheres. Podemos reconhecê-las nas três dimensões das violências de género: direta, estrutural e simbólica.

Com o uso do termo “micromachismo” (…) Semelhava que eram violências pequenas, menos importantes e, certamente, menos graves. A organização feminista Fiadeiras pujo os pontos nos is e promoveu um livro coletivo cujo título diz tudo: Machismos. De micro nada (Ed. Embora, 2015)

Violências estruturais

As violências misóginas diretas excluem o emprego da força, para se situarem no âmbito da condescendência, do paternalismo, do menosprezo (mais ou menos subtil) pola atividade, a opinião e os sentimentos das mulheres. Não há ordens diretas, mas sim esclarecimentos “amáveis” sobre o que nós temos que fazer, e quando, como e onde é que temos de fazê-lo. As ameaças explícitas são substituídas pola chantagem emocional. Excluem berros, insultos e palavrões, mas usam os silêncios forçados e as caras de desdém. A violência sexual misógina exclui o domínio pola força, mas inclui a invocação de alegados direitos dos homens a manterem relações sexuais quando quiserem, e mesmo a chantagem emocional.

As violências misóginas diretas excluem o emprego da força, para se situarem no âmbito da condescendência, do paternalismo, do menosprezo (mais ou menos subtil) pola atividade, a opinião e os sentimentos das mulheres.

As violências misóginas constituem a maior parte das expressões de violência estrutural e institucional. Excluem o massacre e o assassinato, mas incluem a falta de atenção às necessidades mais básicas das mulheres: feminização da pobreza, maus-tratos à saúde, (in)justiça patriarcal e um longo etcétera.

Dizia Marcela Lagarde que feminicídio (termo cunhado por ela) era a morte duma mulher por causas evitáveis, denunciando que constituem feminicídio os assassinatos de mulheres em Chihuahua, mas também as mortes por cancros genitais causados pola poluição nos estados do norte (incluindo Chihuahua), que eram o vazadouro de resíduos tóxicos dos EUA, ou as mortes maciças durante a gravidez, parto e puerpério das mulheres de Chiapas por falta de atendimento sanitário. Os primeiros são machistas, o resto são misóginos.

A maior parte das violências simbólicas também são misóginas. Na realidade, são-no todas aquelas que constroem uma imagem das mulheres e das meninhas que normaliza (e valoriza) a abnegação e a submissão.

Para que diferenciar?

Por um lado, para visibilizar uma mão-cheia de violências, mui lesivas para as mulheres e que provocam mal-estar em grandes doses. Não as chamar de violências implica não ligar os desconfortos às causas que os provocam e, em consequência, não sermos quem de solucioná-los.

Por outro lado, porque serve (ainda) para definir no essencial essas novas masculinidades de que tanto se fala nos últimos anos, uma vez que as novas masculinidades, para o serem realmente, não devem excluir apenas o machismo, mas também a misoginia. Para isto será necessário primeiramente identificá-la, tanto no plano simbólico quanto estrutural, e mais especificamente nas atitudes de cada pessoa. Não é fácil reconhecer em si próprio aquilo que tencionamos combater e de que é suposto estarmos libertados, mas é imperativo. Caso contrário, não há novas masculinidades.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]