Aquele catecismo de que já temos falado, dizia: “Contra a luxúria, castidade”, e também o tínhamos que aprender de memória. Mas se a compreensom doutros pecados ficava longe para nós, a luxúria e a castidade eram-nos inatingíveis. Os restantes pecados capitais eram-nos explicados (com pouco êxito), mas a luxúria nom, porque estava sujeita ao grande tabu com que as culturas derivadas do monoteísmo hebreu cobriam tudo quanto tinha a ver com a sexualidade.
Tampouco se explicava a castidade, porque fazê-lo implicava falar da luxúria, “pecado da carne”, era o máximo que diziam dela; a referência sobre a castidade era que quem tinha voto (curas e freiras), nom podia casar. Evidentemente, nós nom entendíamos aquilo. Só sabíamos que era um pecado capital e que, se o cometíamos, arderíamos no inferno para sempre; mas, como sabermos se o cometíamos, sem sabermos o que era?
De todos os pecados, a luxúria é o que está mais influenciado pola cultura patriarcal. A chave está na própria definiçom: desejo desmesurado de prazer sexual, mas, desmesurado, atendendo a que critério ou a que medida? E, sobretudo, o critério e a medida som as mesmas para os homens que para as mulheres? Parece que nom. Depois está a castidade, abstinência dos prazeres sexuais e de pensamentos impuros. Entom, entre a desmesura e a abstinência, que há? Pois outra armadilha.
Parece que a castidade deve ser própria das mulheres, nas quais o menor pensamento ou fantasia sexual é considerado luxurioso e muito mais as açons, enquanto nos homens se permitem e mesmo se estimulam. Pode dizer-se que as mulheres que nom som castas som luxuriosas, porque qualquer expressom da sexualidade é desmesurada. Porém, os homens nom tenhem que ser castos percetivamente e a luxúria nom parece afetá-los e isto explica a dupla rapadoira no exercício da sexualidade, da qual falara Anne Koedt.
Pode dizer-se que as mulheres que nom som castas som luxuriosas, porque qualquer expressom da sexualidade é desmesurada. Porém, os homens nom tenhem que ser castos percetivamente e a luxúria nom parece afetá-los e isto explica a dupla rapadoira no exercício da sexualidade, da qual falara Anne Koedt.
A explicaçom disto é oferecida por antropólogas feministas, como Gerda Lerner ou Marcela Lagarde que nos falam de como a subordinaçom sexual das mulheres está na origem do patriarcado e promove a sua construçom. Indicam que a subordinaçom sexual das mulheres e o uso do seu corpo como mercadoria instalam-se no imaginário coletivo desde a origem do sistema, que legitima a violaçom das do bando perdedor nas guerras e, em geral, o uso do seu corpo polos homens.
A explicaçom disto é oferecida por antropólogas feministas, como Gerda Lerner ou Marcela Lagarde que nos falam de como a subordinaçom sexual das mulheres está na origem do patriarcado e promove a sua construçom.
Esta possessom aparece legislada nos primeiros códigos jurídicos, tornando delito a sua transgressom, que as religions monoteístas convertem em pecado (luxúria) e a ciência em doença. Desta maneira, a sexualidade das mulheres fica expropriada sendo produzida umha grande negaçom secular: as mulheres nom tenhem desejo sexual. Só as perversas, as doentes, as pecadoras e as ímpias, mostram signos de o ter e o seu destino é a prisom, o manicómio e a condena eterna.
Deste jeito, estabelece-se que as relaçons devem ser heterossexuais, coitais e com um único homem, e devem ter como finalidades satisfazê-lo e procriar. Tudo o que se afaste disso é desmesura e, portanto, luxúria (vício vergonhoso que nos condena).
Após os primeiros estudos científicos sobre a sexualidade humana (princípios do século XX) começa a tomar corpo a ideia de que as mulheres “normais” podem sentir prazer nas suas relaçons sexuais, mas a ciência (Freud incluído) insiste em que as ditas relaçons devem ser heterossexuais, coitais e o orgasmo é necessariamente vaginal, desqualificando outras fontes de prazer como imaturas. Assim, quando Anne Koedt e, sobretudo, Shere Hite publicárom os seus ensaios a desmontar o mito, fôrom elas as desqualificadas e, umha vez mais, a “ciência” situou-se… em favor do patriarcado.
Em suma, nas mulheres, as fantasias sexuais, a masturbaçom, as relaçons lésbicas (que ponhem de manifesto irrefutavelmente que as mulheres temos sexualidade própria) e mesmo certas práticas heterossexuais da sua própria iniciativa som luxúria, pecado (religioso ou laico), e isto promove a repressom sexual que, por sua vez, conduz a umha frustraçom permanente, ao nom liberar a tensom acumulada, e explica multitude de problemas de saúde.
Com a luxúria e a castidade nom ocorre o mesmo que com a soberba e a humildade, entre as quais está a dignidade. Na luxúria, a armadilha principal é a mesura, porque introduzir este elemento permite limitar a legitimidade do desejo sexual e a sua satisfaçom até onde quiser quem ostenta o poder (moral, científico e legal). Sem dúvida, entre a luxúria e a castidade, elegemos a luxúria.
[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]