
Numha entrevista no ano 2000, Díaz Pardo recordava, entre divertido e arrependido, como insultara a Castelao nos locais da imprenta ‘Nós’ de Anxel Casal na década dos 30. Isaac era um adolescente e militante das Juventudes Socialistas Unificadas, e o de Rianjo parecia-lhe demasiado moderado. ‘Já se sabe que umha pessoa de 16 anos é mais revolucionária que umha pessoa de 43’, concluira Díaz Pardo. Nom estamos dacordo com esta valoraçom, e imos aproveitar esta diferença para encetar esta pequena homenagem que se nos pede. Isaac, que polo que sabemos praticou a modéstia verdadeira e manifestou antes de morrer ‘que nom queria ser ascendido a nenhum altar’, possivelmente se sentisse a vontade com esta focagem sincera e longe de todo formalismo.
Com 16 e 17 anos, a promoçom política à que pertenço partilhava em boa medida o ánimo aceso do próprio Díaz Pardo jovem. E por isso mesmo, nom contemplava o galeguismo clássico com demasiada admiraçom. Tampouco ao próprio Isaac veterano. Preocupados com a pureza dos princípios, nom dedicávamos nenhum interesse a um galeguismo cultural prudentemente distanciado da política, de programa difuso e vontade abrangente, que procurava simpatias à esquerda, à direita e ao centro; tampouco simpatizávamos em absoluto com essas frequentes declaraçons de imprensa, também recorrentes em Díaz Pardo, que riscavam o arredismo de utopia. Mais ainda nos enfurecia que se enxalçasse o papel do rei espanhol no que chamavam ‘transiçom modélica’. Bem é certo que por vezes captávamos certos contrapontos chamativos neste discurso do galeguismo transversal, que rachavam com muito o miserável consenso da Galiza autonómica. Quando ainda nom estava na moda, Díaz Pardo defendia em meios de grande tiragem a unidade da língua galego-portuguesa; vindicava o silenciado Reino da Galiza ou, debruçando na actualidade, denunciava que o nosso país era umha ‘colónia’ cuja riqueza engordava arcas alheias. Outros pensadores, com o mesmo alcanço mediático e as mesmas possibilidades de expressom, nom se atreviam a dizer nem a metade nos meios do amo, temerosos de perderem a dose de penso que corresponde a todo intelectual servil.
Quando ainda nom estava na moda, Díaz Pardo defendia em meios de grande tiragem a unidade da língua galego-portuguesa; vindicava o silenciado Reino da Galiza ou, debruçando na actualidade, denunciava que o nosso país era umha ‘colónia’ cuja riqueza engordava arcas alheias.
Dizíamos que mantemos umha profunda diferença com aquela valoraçom de Isaac sobre os fervores revolucionários juvenis. Entendemos que as firmes conviçons nom pertencem a nenhuma idade e tencionamos, o melhor que podemos várias décadas depois, manter viva a lealdade arredista que abraçamos nos nossos primeiros tempos. Podemos, porém, conceder certa razom à reflexom dum homem com tam dilatada trajectória: e reconhecer que, se a ideologia nom tem porque mudar, si o deve fazer o juízo sobre os feitos e as pessoas que nos rodeam.
Com a passagem do tempo, concedemos menos importáncia às etiquetas político-ideológicas da gente, que em nom poucas ocasions nom passam de ser umha fasquia bem superficial dos indivíduos; e reparamos com maior cuidado em atitudes, em tons, em projectos de longo alento e filosofias sobre a vida. Desta ótica, o Isaac Díaz Pardo que hoje contemplamos nom é o mesmo que, de maneira bem sesgada, interpretávamos na nossa adolescência. Certas raras virtudes, ainda mais infrequentes na Galiza, fam-no merecedor dum posto de destaque no melhor da nossa memória colectiva.
Padecendo o selvagismo da repressom na sua versom mais extrema -o assassinato dum pai, o ostracismo, e o esfarelamento do projecto familiar- nunca exerceu o vitimismo. Sabia que padecer umha injustiça nom dá jamais maior valor moral, nem justifica maiores atençons, nem legitima passar toda umha vida exibindo cicatrizes e traumas. Em toda a sua longa vida adulta, levou dignamente tal condiçom, com sobriedade, quase em silêncio, e trabalhou pola memória dos mártires com a noçom de máxima efectividade e pragmatismo : fazendo possível umha valiosa colecçom de obras que detalham, ponto por ponto, o passo de ‘Atila na Galiza’.
Padecendo o selvagismo da repressom na sua versom mais extrema -o assassinato dum pai, o ostracismo, e o esfarelamento do projecto familiar- nunca exerceu o vitimismo. Sabia que padecer umha injustiça nom dá jamais maior valor moral, nem justifica maiores atençons, nem legitima passar toda umha vida exibindo cicatrizes e traumas.
Num país que tantas vezes frustra os seus projectos de futuro em planos fantasiosos, divagaçons sem apoiatura material e autojustificaçons mesquinhas da própria incapacidade, Díaz Pardo foi eminentemente um homem prático, um realizador. Colaborou com todos mas nom aguardou por ninguém; sofreu, mas procurou nom exibi-lo demasiado (‘a vida continua’, dixo em várias ocasions quando falavam do assassinato do seu pai); soubo que todo sucesso, e nomeadamente o ‘político’ (no seu sentido nom partidário) tinha o seu último segredo no trabalho férreo, sem perder o fôlego, e numha visom longa, de amplos horizontes. Tivo sempre claro que se a palavra ou o debuxo tenhem o potencial de conservar o que amamos, e também de transformar o mundo para melhor, é porque por trás deles há umha engrenagem económica, material, logística e organizativa, que a fai circular e chegar ao coraçom das pessoas.
Tivo sempre claro que se a palavra ou o debuxo tenhem o potencial de conservar o que amamos, e também de transformar o mundo para melhor, é porque por trás deles há umha engrenagem económica, material, logística e organizativa, que a fai circular e chegar ao coraçom das pessoas.
Em todo o seu labor há também, pensamos, umha consciência nom revelada dumha grande ameaça que pom em risco a nossa terra: a passividade e a indolência. Sendo como som de fortes as elites renegadas que bloqueiam o nosso desenvolvimento coletivo, Díaz Pardo era ciente de que um estado de ánimo derrotista e negativo contribuía como nenhuma outra cousa aos nossos infortúnios. Quando lhe perguntárom se o seu projeto jornalístico independente ‘Galicia’, nom fora para a frente por causa de boicotes institucionais, respondeu que tal cousa nom fixera falta: ‘na realidade, as cousas que escrevo eu em meios de grande tiragem, aliás escritas em galego, nom interessam a ninguém.’
O bloqueio terrível da negligência, a irresponsabilidade coletiva, a falta de interesse polo que em nós é mais valioso e digno de defesa, frustrárom muitos empenhos coletivos na Galiza, e precisamente o fim da vida de Isaac estivo marcado por conhecidas desavenças empresariais que se originam ao cabo nesta atitude funesta. Se fosse um de muitos, laiaria-se, elaboraria umha lista de aldragens e passearia a sua frustraçom por todos os recantos. Mas a sua essência era outra: ‘há que aguantar’, gostava de dizer. E para ele aguantar foi trabalhar, trabalhar e trabalhar, com a ‘Galiza como tarefa’ que escreveu o seu amigo Paz Andrade. Por estas raras virtudes, que possivelmente se forjárom na noite do fascismo e soubérom aguantar em contextos políticos cambiantes, hoje o país comemora este homem numha unanimidade digna de mençom.
Publicado originalmente em https://mandadepezasparaisaac.blogspot.com