Política e biologia

Partilhar

A situação atual sugeriu-me este título para um artigo. Esta situação é nova desde que, na política local, entraram atores diversos que antes nem tinham participado nas estruturas de poder. Aparecem novas variáveis para coordenar a política local. E falo de coordenar, o que nos leva de caminho para a cooperação. Será esta cooperação ou o recuo para tempos passados?

Entre os organismos vivos a cooperação ocupa um lugar de preeminência sobre qualquer outra função. A natureza de “dente e garra” que se lhe atribui a Darwin não é a norma. É muito mais frequente a natureza da cooperação. A simbiose é o mecanismo em que a cooperação alcança a máxima eficácia. Aqueles organismos que são capazes de cooperar, obtendo um mútuo benefício, acabam por ser os mais eficazes, e são beneficiados pola seleção natural sobre aqueles que não encontram esta estratégia de supervivência.

Nos concelhos da Galiza aparecem novas forças que vão partilhar a casa comum da cidadania. Varias destas forças são ditas de esquerdas. Proclamam ideais que implicam valores de participação, transparência e empatia para com a vizinhança menos favorecida. Democracia real, diz-se agora, por contraposição ao comportamento atual dos velhos grupos políticos, fortemente hierarquizados e que exercem o poder sem contar muito com o povo. Apenas uma consulta de quatro em quatro anos demonstra-se pouco para garantir a participação da cidadania na cousa pública.

Durante os últimos quatro anos fomos submetidos a situações espantosas de confronto social: despejamentos cruéis, fraude aos aforradores das preferenciais, corrupção ofensiva e obscena por parte dos representantes públicos, perseguição de juízes que pareciam querer investigar e punir estas condutas eticamente reprováveis, empobrecimento geral das classes medias e enriquecimento desmedido das classes altas. Poder quase unívoco de entidades alheias e longínquas a nós, como grandes bancos, corporações multinacionais, ou grupos de poder que escapam ao controlo popular. A destruição ambiental foi o mais visível sintoma do egoísmo e da ambição sem limites desta casta de governo. A sociedade, em geral, deu a impressão de estar a ser desestruturada. E, como não!, mal governada.

Houve grupos políticos que trabalharam em defesa dos abusados, dos desprotegidos. Grupos não maioritários, mas de esquerdas. Exercendo de socialistas. Como fez o Bloque Nacionalista Galego na Galiza ou Esquerda Unida no resto do Estado. Também surgiram novas organizações nascidas da sociedade civil. Ativas e democráticas. Que se foram artelhando à volta da indignação social que se deu em instalar. Do meu ponto de vista, isto é uma amostra de saúde social. Se calhar é também o fruto dessa juventude que se dá em chamar a mais formada da história de Espanha (a mais frustrada e mais enganada, sic).

Os votos colocaram estas forças nas câmaras municipais. Em muitas cidades da Galiza aparece um variado leque de siglas por oposição à direita conservadora. Esta que foi a cúmplice dos bancos que deixaram na rua pessoas indefensas. Que não levantou a voz para proteger as vítimas das preferenciais, que nem quer trazer para Lugo a unidade de hemodinâmica e de cancro que permita aos habitantes desta cidade viver tanto como os de outra qualquer cidade da Galiza. Que ampara a destruição ambiental a favor de pedreiras, ou de urbanizadoras. Que favoreceu a bolha imobiliária, destruindo o tecido económico e o ambiente. Que nada faz para termos rios com vida nem carvalheiras viçosas. Que prepara uma lei mordaça para impedir toda contestação. Agora esta força tem que superar o reto de saber cooperar. Como os microorganismos que deram lugar á célula eucariótica(*) fizeram. Para isso terá que saber perder algo para ganhar muito.

O predador que mata a seu presa para se alimentar destrói aquilo que o mantém. As plantas que deitam oxigênio para a atmosfera para os animais respirarmos, beneficiam do dióxido de carbono que produzimos na nossa respiração para fabricarem os seus carboidratos. Mantemos com elas uma relação de mútuo benefício indispensável para a vida.

Os grupos políticos que têm agora a possibilidade de fazer uma outra política, em que a participação cidadã seja protagonista, têm o repto de saberem cooperar e beneficiar mutuamente e a cidadania que ali os colocou. Ou, por contra, ceivar os seus egoísmos, fazerem de predadores, destruindo aquilo que os alimentou. O grande Mujica, anterior presidente do Uruguai, lamentava-se do infantilismo da esquerda.

Faço votos porque esta se comporte com maturidade e inteligência social. Que imitem a natureza e cooperem por um mutuo beneficio. Este será transmitido a toda a população. Será então que poderemos dizer que a crise cruel que sofremos deu algo de positivo

Nota:

A teoria da endo-simbiose mantém que a célula eucariótica (que tem núcleo e muitos orgânulos, cada um com a sua função) é o resultado da cooperação de bactérias “engolidas” no seu citoplasma que potenciam as funções vitais do conjunto a custo da sua independência, beneficiando-se dum lugar seguro em que viver. Deve-se a Lynn Margulis e ao seu filho Doriam Sagam.