Filho de Fèlix Cucurull i Campalans, prefeito de Arenys de Mar (Maresme) pela Lliga Regionalista, o pequeno Fèlix nasceu em 1919 nesse município banhado pelo Mediterrâneo, o qual fica aproximadamente a 12 km da Pineda de Mar a que tão ligado esteve um grande conhecedor da questão galega: Joan Coromines i Vigneaux.
Filho de Fèlix Cucurull i Campalans, prefeito de Arenys de Mar (Maresme) pela Lliga Regionalista, o pequeno Fèlix nasceu em 1919 nesse município banhado pelo Mediterrâneo, o qual fica aproximadamente a 12 km da Pineda de Mar a que tão ligado esteve um grande conhecedor da questão galega: Joan Coromines i Vigneaux.


A figura de Joan Maragall, as distintas nações ibéricas, as pulsões occitanas e iberistas e a sua sinceridade, o trabalho e os sonhos de Ribera i Rovira, Julio Navarro Monzó, uma caracterização da saudade fundamental para as pessoas alheias ao mundo lusófono, o paralelismo entre a enyorança catalã e a saudade galego-portuguesa, Teixeira de Pascoaes, as relações políticas, culturais e literárias luso-catalãs, o desleixo quase lusófobo de Gaziel… Estes e muitos outros pontos são abordados nessa aconselhável obra que, nas edições posteriores à original, conclui com uma descrição precisa sobre Portugal realizada após a vitória democrática de 1974 perante a ditadura.
De onde provem essa paixão por Portugal, que o levou a relacionar-se com inúmeros escritores e intelectuais portugueses e brasileiros e lhe abriu as portas da Academia das Ciências de Lisboa? A origem da história de amor encontra-se na data marcante de 1640, que significou o início de um período de lutas pela soberania que acabariam com um resultado desigual: para a Catalunha, com a vitória castelhana e a transferência para França do seu território setentrional; para Portugal, com a restauração plena da sua independência. Cucurull entendia que a vitória portuguesa provavelmente teria ficado em sério risco se a Guerra dels Segadors (1640-1652) não tivesse obrigado ao expansionismo castelhano a dividir os seus esforços. Esta é uma visão compartilhada por muitos historiadores. Sintetizou-a à perfeição o influente político espanhol Gregorio Peces-Barba, que em 2011 perguntou-se num ato público sobre “o que teria acontecido se tivéssemos ficado com os portugueses em vez de com os catalães”, acrescentando que esta solução “talvez teria sido melhor para nós” [2]. É interessante apontar que Fèlix Cucurull pronunciou em Barcelona a conferência “Castelao, Galícia i Catalunya” no marco do XXV aniversário da morte do líder galeguista. Obviamente, não tem nada de surpreendente, ao contrário, que uma ligação sincera e livre de constrangimentos com Portugal esteja acompanhada de um natural interesse pela Galiza, elemento que encontramos também em Ignasi Ribera i Rovira ou mesmo no poeta Joan Maragall, para quem na Península Ibérica “encontram-se três famílias nacionais bem definidas pela sua língua: a galaico-portuguesa, a castelhana e a catalã, que ocupa também as ilhas Baleares” [3]. Para sermos honestos, convém sublinhar que a Cucurull lhe doía que uma parte do catalanismo iberista esquecesse com grande facilidade o facto nacional basco ao refletir sobre os distintos povos ibéricos, uma queixa que também formulou em relação a Teófilo Braga.
É interessante apontar que Fèlix Cucurull pronunciou em Barcelona a conferência “Castelao, Galícia i Catalunya” no marco do XXV aniversário da morte do líder galeguista. Obviamente, não tem nada de surpreendente, ao contrário, que uma ligação sincera e livre de constrangimentos com Portugal esteja acompanhada de um natural interesse pela Galiza, elemento que encontramos também em Ignasi Ribera i Rovira ou mesmo no poeta Joan Maragall.
Cucurull, homem de compromisso, não soube viver à margem da militância política. Membro de Estat Català durante a guerra civil espanhola, participou depois na luta antifranquista do Front Nacional de Catalunya. Foi alvo de censura e detenções durante o franquismo. Na década de 1970, formou parte do PSAN, o emblemático partido considerado o pai do independentismo de esquerda moderno, e do PSC-Congrés, mas deixou-o por rejeitar a sua fusão com o PSOE. Além disso, liderou a candidatura do Bloc d’Esquerra d’Alliberament Nacional nas eleições espanholas de 1979 e foi eleito concelheiro em 1983, no seu Arenys natal, como cabeça de lista independente da candidatura do PSUC, que tinha o apoio da formação Nacionalistes d’Esquerres. Com certeza, Fèlix Cucurull não foi politicamente sectário nem seguiu à risca as posições de nenhuma organização política antes que as da sua própria consciência. Agora bem, o seu sólido e coerente compromisso nacional e político é fácil de detetar à vista do seu percurso vital.
Fèlix Cucurull não foi politicamente sectário nem seguiu à risca as posições de nenhuma organização política antes que as da sua própria consciência. Agora bem, o seu sólido e coerente compromisso nacional e político é fácil de detetar à vista do seu percurso vital.
Desde 1996, Fèlix Cucurull descansa no cemitério de Sinera, a poucos metros de outro génio ao qual deve o seu nome o campo-santo de Arenys de Mar: Salvador Espriu. De acordo com a acertada visão de Víctor Martínez-Gil [4], o iberismo de Cucurull era fundamentalmente luso-catalão, absolutamente vinculado à consecução da liberdade dos povos ibéricos. Ele foi um ilustre e talentoso filho da faixa cultural oriental peninsular que sentiu a necessidade de enxergar e compreender a faixa ocidental ibérica. Mais um exemplo que a Galiza e Portugal não merecem ser esquecidas. No fim de contas, não nos convém apagar da nossa memória a existência desses dois países, de cujas experiências podemos e devemos tirar valiosas lições.
[1] I. Albó Vidal de Llobatera, Fèlix Cucurull (1919-1996), 2009.
[3] I. Ribera i Rovira, Poesia i prosa, 1905.
[4] V. Martínez-Gil, «Del portuguès al català», L’Avenç, núm. 293, p. 31-36, 2004.