Catalunya Nord, llengua enyorada

Partilhar

captura-do-documentario-catalamHá umas semanas, o escudo de Perpinhão foi modificado para proclamar o caráter radiante duma cidade que, até agora, era promovida como “la catalane”, uma definição que parece ter encontrado um sério oponente, ou diretamente o seu substituto: “la rayonnante”. A mudança foi apresentada pelo presidente da Câmara Municipal, Louis Aliot, importante figura do Rassemblement National, o atual partido da conhecida linhagem Le Pen. No renovado símbolo da emblemática cidade, que Salvador Dalí situava no centro do mundo, houve também uma aparição nada fortuita, na sua contorna, das cores azul e vermelha, uma opção cromática coerente com a definição de Aliot de Perpinhão como uma povoação cuja identidade catalã está “enraizada completamente na França”. O político francês, que ganhou as eleições municipais de 2020 perante o seu predecessor Jean-Marc Pujol (Les Républicains), também reivindicou o direito a aprender ou ignorar, segundo a escolha de cada quem, a língua catalã, uma liberdade que está longe de conhecer a língua francesa.

Na França, a crença na superioridade da língua de Molière frente às outras línguas próprias é uma ideia transversal responsável por um incrível rastro de destruição no seu património cultural desde 1789. De acordo com uma análise publicada pelo jornal Vilaweb, baseada num censo francês de 1806, 41% dos cidadãos da República tinham, naquela altura, um idioma materno distinto ao francês.

Na França, a crença na superioridade da língua de Molière frente às outras línguas próprias é uma ideia transversal responsável por um incrível rastro de destruição no seu património cultural desde 1789. De acordo com uma análise publicada pelo jornal Vilaweb, baseada num censo francês de 1806, 41% dos cidadãos da República tinham, naquela altura, um idioma materno distinto ao francês.

captura-do-documentarioDestarte, mais de oito milhões de cidadãos franceses falavam alguma variante occitana e quase um milhão de pessoas eram nascidas em lares de língua bretã. Os idiomas catalão e basco possuíam mais utentes dos que somariam dois séculos depois. Já no ano de 1999, o occitano mantinha só uns 600.000 falantes, o que em termos percentuais significa que, se no início do século XIX a lenga d’òc era a própria de 25% dos habitantes da França, nas portas do século XXI apenas 1,31% dos franceses podia utilizá-la como instrumento comunicativo. A mesma tendência, ainda que com menos severidade, atingiu as restantes línguas minoritárias. No caso do catalão, este teria baixado de 0,4% para 0,24% de potenciais utilizadores entre o total da população francesa. Em 1999, umas 110.000 pessoas estavam capacitadas para falá-lo, o qual não as convertia em falantes monolingues ou nem sequer habituais.

Os paralelismos entre o trabalho da Bressola e o realizado pelas escolas Semente, a importância dos projetos e intercâmbios transfronteiriços ou a necessidade de a língua ser percebida como útil para combater a diglossia e a quebra da transmissão intergeracional, podem ser alguns dos pontos de encontro.

O documentário “Catalunya Nord, llengua enyorada”, produzido por Zeba Produccions com a TV3, ajuda a entender como se viveu na Catalunha administrativamente francesa o processo de substituição linguística que encontrou na escola jacobina e nos seus funcionários, assim como na exaltação nacionalista gerada pelas guerras mundiais do século passado, dois aliados imprescindíveis. Entretanto, o trabalho não é absolutamente alheio à realidade galega: os paralelismos entre o trabalho da Bressola e o realizado pelas escolas Semente, a importância dos projetos e intercâmbios transfronteiriços ou a necessidade de a língua ser percebida como útil para combater a diglossia e a quebra da transmissão intergeracional, podem ser alguns dos pontos de encontro. Trata-se, em definitiva, dum valioso testemunho audiovisual que nos obriga a lidar com o dolor de llengua, tão bem dissecado por Enric Larreula, enquanto nos apresenta alguns elementos que ilustram que ainda há caminho por percorrer e atuações pelas quais apostar. Embora o futuro se pressagie escuro, nunca será a rendição uma saída. Alguém tem de plantar, sem perder a alegria, as sementes chamadas à bela aventura de retificar a história.