De artes e de artistas (IV)

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Umha legenda clássica do montanhismo independentista afirmava que “para defender a Terra há que amá-la, e para amá-la há que conhecê-la”. Pouco se tem reflectido no feito de que o galeguismo, antes de virar proposta política concreta de exigência dum Estado, se manifestou como umha querência profunda, minuciosa e quase monotemática polas cousas do País, da natureza à história, passando pola toponímia, a arquitectura ou a dialectologia. Aos seus detractores parecia-lhe aborrecida umha atençom tam cercana à naçom em todos os seus detalhes, como a toda pessoa afectivamente distante lhe parece quase ridícula umha dedicaçom amorosa a causas, lugares ou pessoas. No sentido inverso, tampouco se reflecte avondo em como algum dos indicativos mais duros da nossa crise nacional se exprime como desapego: assim, sem irmos mais longe, a deserçom massiva da língua galega nom se produz fundamentalmente por auto-ódio, nem por espanholismo, nem tam sequer por hostilidade; produz-se antes do mais por distanciamento afectivo e umha crescente frialdade ante a possível morte do mais nosso.

O terreno nevoento dos afectos nom foi alheio à melhor crítica social. Marx deixou escrito: “se o nosso amor nom produz amor (…) entom o nosso amor é impotente, é umha desgraça.” Com o objectivo -entre outros muitos- de que o amor polas causas nobres nom fosse impotente nem desgraçado, senom umha força social activa, o psiconalista Erich Fromm escreveu “A arte de amar”, obra que nos servirá para dar cabo desta série de artigos sobre “artes” que mormente ignoramos.

Com o objectivo -entre outros muitos- de que o amor polas causas nobres nom fosse impotente nem desgraçado, senom umha força social activa, o psiconalista Erich Fromm escreveu “A arte de amar”, obra que nos servirá para dar cabo desta série de artigos sobre “artes” que mormente ignoramos.

O psicoanalista alemám, desacougado pola visom mercantil e calculista do amor que encontrou nos Estados Unidos da posguerra, recordou-nos que este conhecimento que alimenta o amor nom é possível sem esforço; por isso o amor nom é umha tarefa passiva, e no terreno dos encontros humanos a nossa língua fala de cultivar a amizade ou cultivar umha relaçom. Os melhores esforços requerem talento, e esta síntese precisa de atençom, esforço e perícia o que fai do amor, na realidade, umha potência. O filósofo Baruch Spinoza, em quem Fromm se inspira também, equiparou amor a virtude, palavra que na sua acepçom clássica mais forte tem o sentido de poder, potência, capacidade de transformar, e que contrapom às “paixons tristes que diminuem a potência do obrar”. Amor, alegria e criatividade viriam de maos dadas, do mesmo modo que ódio, tristeza e destruçom formariam a sua sinistra tríada contrária. É por isso que toda decadência política sostida, nos remite, lá no fundo, a um certo apodrecimento no terreno dos afectos, e todo esplendor colectivo nos fala de virtude, expressom combinada de ledice e força, como temos reflectido a propósito de Daniel Castelao.

Amor, alegria e criatividade viriam de maos dadas, do mesmo modo que ódio, tristeza e destruçom formariam a sua sinistra tríada contrária.

A sociedade neoliberal consolidou a vigência dos amores interesseiros, as amizades fugazes, os pactos calculistas; na sua versom decadente da crise ou colapso, especialmente visível desde os tempos da pandemia, o cálculo de rendimentos foi ainda condicionado pola vivência generalizada do medo, a consciência mais ou menos assumida de enormes dificuldades iminentes. Do cálculo desenfadado e relativamente generoso passamos assim ao cálculo ruim e avarento, à luita por bens escassos, à rinha e à desavinça geralizada, que dos espaços íntimos do fogar ou dos esgotos da incomunicaçom das redes virtuais passa às assembleias e às distintas expressons da vida colectiva.

Fromm alerta, mas nom deprime: na máxima expressom do egoísmo, no indivíduo supostamente autárquico e auto-suficiente, revela-se toda a fraqueza, toda a impossibilidade, da célula pessoal isolada da comunidade e da natureza da que fai parte. Por palavras de Simone Weil, grande valedora do amor apoiado na permanente capacidade de atençom, em toda a força do egoísmo acabamos por descobrir toda a sua impotência. Do mesmo modo que tivemos que achegar-nos ao abismo de forçar os limites biofísicos do planeta -ao perigo de morte que já estamos a ventar- para nos decatarmos de que somos um com a Terra, teremos que tocar os limites do isolamento e o autismo para sermos cientes da arte de amar como outra das grandes disciplinas pendentes.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]