Annuntio vobis gaudium magnum

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Fundaçom Artábria a realizar um mural em defesa de Carvalho Calero na cidade de Ferrol.

Esta frase, com que o cardeal protodiácono anuncia o nomeamento de um novo Papa, bem poderia ter sido pronunciada polo presidente da RAG, Víctor Freixanes, ao comunicar a dedicação do Dia das Letras 2020 a D. Ricardo Carvalho Calero.

Num país como o nosso, em que estamos mais habituadas às guerras e às desconfianças do que aos consensos e aos entendimentos, o facto de uma pessoa que saiu pola porta de trás de um lugar regressar com o reconhecimento máximo que uma instituição como a RAG pode fazer, engrandece o homenageado e também quem é capaz de retificar um silêncio de trinta anos.

Respeito

Todas estas homenagens devem ir acompanhadas de um respeito integral à memória desse moço que foi estudar para Santiago de Compostela e abraçou o galeguismo republicano, o preso retaliado no pós-guerra, o estudioso da literatura galega, o escritor, o catedrático e, como não, um dos pais do reintegracionismo moderno. E Dom Ricardo é tudo isto cumulativamente, que é como os seres humanos costumamos construir o nosso legado. E decidiu livremente grafar o seu apelido como Carvalho e mantê-lo até o final, consciente das repercussões que isso teria. E, com o mesmo direito que o caro amigo Víctor e o seu irmão são os dous únicos “Freixanes” que existem no mundo, deve ser respeitada a sua vontade de ser escrito o seu apelido com as mesmas letras com que o grafam a imensa maioria dos Carvalho que moraram e moram no nosso planeta.

O facto de uma pessoa que saiu pola porta de trás de um lugar regressar com o reconhecimento máximo que uma instituição como a RAG pode fazer, engrandece o homenageado e também quem é capaz de retificar um silêncio de trinta anos.

Todas as pessoas a quem foi dedicado o Dia das Letras mereceram-no. No entanto, Carvalho não é mais um homenageado que tivesse uma brilhante produção literária ou que introduzisse o galego em âmbitos pouco frequentes, senão que deixou um legado que continua vivo nos nossos dias, e que permitiu a aprovação da única lei de carácter linguístico que conseguiu unanimidade no Parlamento Galego nas últimas décadas: a Lei de aproveitamento dos vínculos com a Lusofonia, mais conhecida como Lei Paz Andrade. E também é parte do seu legado a unanimidade registada no Concelho de Santiago para aderir à União de Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).

 

Optimismo responsável

Esta gaudium magnum não é apenas uma formosa declaração de intenções, senão a constatação de que o movimento reintegracionista tem demonstrado transmitir luz e esperança nas suas propostas. E trata-se de iniciativas inclusivas, conscientes da pluralidade de focagens das pessoas defensoras da nossa língua e que procura o aproveitamento dos pontos fortes de cada perspetiva, como é a proposta binormativa. Reverter a curva dos últimos quarenta anos é possível, sempre que não caiamos em posições intolerantes nem auto-complacentes.

É desejável que o Ano Carvalho representar o fim das agressões entre as pessoas que temos preocupação polo futuro da nossa língua. É óbvio que a RAG não vai mudar a sua estratégia e que quem defende uma perspetiva lusófona da nossa língua -agrupadas maioritariamente na AGAL- estamos convencidas de que a nossa linha é a única que pode reverter um processo de quarenta anos de derrotas. Nem uns nem outros somos o problema.

O movimento reintegracionista tem demonstrado transmitir luz e esperança nas suas propostas. E trata-se de iniciativas inclusivas, conscientes da pluralidade de focagens das pessoas defensoras da nossa língua e que procura o aproveitamento dos pontos fortes de cada perspetiva, como é a proposta binormativa.

Paz

Como já tenho publicado, estou canso desta luita entre isolacionistas e reintegracionistas. Aqueles e aquelas que defendemos a existência dum padrão culto para o galego que o liberte dos castrapos vários deveríamos ter mais cousas em comum que antagonismos. Convivemos a diário nos centros de trabalho, em atos sociais, em escolas e atividades das nossas filhas, nos bares… E debatemos -utilizando argumentos similares- com a mesma gente defensora desse ghalhegho do pueblo que pretende universalizar a fala dos seus trinta ou quarenta vizinhos como modelo único para toda a Galiza.

Em resume, proponho trabalharmos para que o longo percurso caminhado pola RAG para a declaração do Ano Carvalho não seja um esforço estéril. Temos perante nós uma formosa oportunidade de nos ouvirmos e de construirmos conjuntamente uma nova estratégia que seduza, não só as defensoras do galego, senão o conjunto da nova sociedade.

Habemus praesentem. Habemus futurum. Habemus linguam.

Máis de Eliseu Mera