“Para os que ficam”, do escritor fluminense Alex Andrade é uma reflexão sobre o cuidar, o envelhecer e a superação.
A série “Sociedade brasileira de escritoras e escritores vivos” segue e apresenta, Alex Andrade, arte-educador e escritor com 12 livros publicados.
Nascido no Rio de Janeiro, Alex Andrade participa de diversas revistas e periódicos nacionais e internacionais, transitando livremente (e facilmente) pela literatura infantil e adulta.
O Espaço Brasil conversou com o autor sobre sua trajetória e, principalmente, sobre a obra “Para os que ficam (Confraria do Vento Editora, 2022), que foi bem recebida pela crítica e público e trouxe muitos desafios durante sua produção. Um livro para refletir e repensar atitudes e, que num dado momento sentencia: “A memória é dada a segredos”
Conte-nos sobre sua trajetória literária e como escolhe os temas e personagens.
A minha trajetória literária se iniciou na infância, através das histórias que ouvi da minha mãe Joana Andrade, das professoras que tive e de uma prima querida chamada Rosangela, que me incentivava a escrever redações. Foi o pontapé para descobrir uma vocação, uma paixão: os livros! Durante o início da adolescência, conheci as obras de Fernando Pessoa, Camões e Clarice Lispector. Mesmo sem idade e maturidade para entender, tinha uma coisa que me capturava naquelas linhas, nas coisas que lia e tentava descobrir. A literatura e os seus mistérios. Passei por muitos concursos de poesia e prosa nas escolas em que estudei, descobri o teatro, a música e fui me moldando para as coisas que queria compreender, viver e dividir. Acho que hoje, consigo expressar nas histórias que conto, um pouco das minhas experiências literárias, aquilo li, as histórias que ouvi, os espetáculos que assisti, os autores que fazem parte da minha memória afetiva: Clarice, Lygia Fagundes Telles, Fernando, Adélia Prado, Murilo Mendes, Murilo Rubião, Fernando Sabino, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Aníbal Machado, Machado de Assis, entre tantos outros.
Escrever para mim é um encontro com essa memória afetiva, essas vozes, mesmo que eu tenha o meu estilo narrativo, é de suma importância a referência destes grandes escritores que li.
Quando uma história começa a se desenhar nos meus pensamentos, tem a ver com aquilo em que acredito, com histórias que quero e devo dividir com as pessoas. Os personagens flutuam pelo meu subconsciente, é de uma intimidade e convívio extremo, beirando a exaustão.
Quando uma história começa a se desenhar nos meus pensamentos, tem a ver com aquilo em que acredito, com histórias que quero e devo dividir com as pessoas. Os personagens flutuam pelo meu subconsciente, é de uma intimidade e convívio extremo, beirando a exaustão.
Esse exercício de elaborar uma história, dedilhar a trajetória desses personagens, fluir e caminhar junto com as linhas do texto, tudo tão complexo e apaixonante, que mesmo depois do livro ter sido publicado, mesmo sem ter a menor noção do que a história e os personagens vão representar para quem os lê e os conhece (tem uma frase da Clarice Lispector onde ela diz: “Quando o livro chega nas mãos do leitor, perco total domínio daquela história, cada leitor se torna senhor dessa trajetória”), por isso a cada livro lançado, outro vem surgindo e o ciclo retoma ao início, tudo outra vez. Nunca se encerra.
Como foi a criação de “Para os que ficam”? O livro tem alguma parte autobiográfica? Tem alguma relação com sua irmã Ana Cristina?
Comecei a desenvolver a ideia do livro “Para os que ficam” assim que lancei o romance “Antes que Deus me esqueça” também publicado pela editora Confraria do Vento, em 2018. A Ana foi chegando lentamente, inicialmente pensei na história de uma mulher que cuida de um pai acometido pelo Alzheimer. Durante o processo de escrita e pesquisa para compor esses personagens e suas trajetórias, identifiquei uma situação que passa desapercebida: e quem cuida de quem cuida de um doente? Quão doente essa pessoa se torna?
Essas perguntas ficaram martelando na minha mente.
Então, tomei um rumo diferente do que vinha imaginando.
Ana, a personagem central do livro, traz na bagagem um passado de tormentas e expectativas e desilusões, e por ser mulher, a grande maioria acredita que a qualquer momento, ela poderá sucumbir. Mas, não. Ana mostra a sua garra, a sua força, resistência e resiliência.
Vira a mesa e mostra toda a força que tem, apesar dos pesares.
Quais os desafios que você enfrentou ao dar voz a Ana? E como Ana foi recebida/entendida pelas leitoras?
O grande desafio para compor essa personagem em primeira pessoa e na voz de uma mulher, foi ter a delicadeza ao tratar da história que acomete muitas mulheres, abusos, intolerâncias, desrespeito e falta de empatia. Era preciso dar voz a essas mulheres, é preciso que todos nós tenhamos coragem de gritar “basta!”.
Tomei essa liberdade e fui à frente, usei as referências das grandes escritoras que li e que admiro.
E o resultado disso foi a boa recepção das leitoras, mais uma voz para unir nesse grito.
O livro tem sido muito bem recebido e entendido, tanto pelos leitores e principalmente pelas leitoras.
Ao ler “Para os que ficam”, fiquei refletindo sobre a questão “Quem, na verdade, é o doente? Em várias passagens vi a sociedade (brasileira e de outros países) retratada. Isso lhe ocorreu durante a escrita?
Que bom ter esse seu feedback, me enche o coração, porque foi exatamente esse o ponto de partida para escrever essa história. Eu gosto de temas que incitam os leitores, gosto de provocar, eu, particularmente, acredito na parceria escritor/leitor, dessa maneira a história que começou comigo, vai sendo reescrita por quem a lê, esse é o grande barato!
Em 2018/2019, quando lancei o romance “Antes que Deus me esqueça” aconteceu a mesma coisa: o livro narra a história de Joaquim de Jesus, popularmente conhecido como Jota, um homem negro, subjugado pela sociedade, que busca pela identidade do pai, em meio ao preconceito racial, ideologias, espiritualidade e a marginalidade em plena passagem dos anos de 1970 para 1980, quando o jogo do bicho estava no auge e as drogas e o tráfico chegavam às comunidades cariocas.
Em 2015, publiquei o livro “Amores, truques e outras versões”, o auge da tecnologia e da solidão. Fui tocar mais uma vez nessa ferida aberta : o livro narra a história de um homem solteiro que utiliza do artifício do aparelho de celular e dos aplicativos de encontros casuais.
Tem muito o que perguntar: será que a arte imita a vida ou a vida imita a arte?
Você tem projeto de lançar suas obras internacionalmente? Na Galiza, Portugal ou outros países?
Sim, com certeza! É um desejo profundo que os meus livros cheguem a outras pessoas e essas histórias tão próximas da nossa realidade alcancem outros corações, quanto mais tocarmos nos assuntos que nos assolam, mais teremos pessoas refletindo e buscando soluções, esse é o dever e o poder da arte! A arte nos faz refletir, pensar, solucionar, expandir, aprender.
“Para os que ficam” é um livro sobre pessoas comuns, gente como a gente. A Ana, personagem deste livro pode ser uma vizinha, uma irmã, uma conhecida, alguém que passa por você na rua e nunca, jamais saberemos o que acontece no fundo daquela alma. Ana está no meio de nós, essa história pode ser o retrato do homem e da mulher moderna. Tocar no tema dos abusos, do medo, da infância interrompida, dos cuidados paliativos e deixar essa pergunta para o leitor:
Afinal, quem de fato está doente?
Para quem quiser saber mais sobre o meu trabalho, sobre os outros livros que escrevi ou convidar para feiras e eventos literários, é só acessar o blog e fazer uma visita virtual.
CONHEÇA O AUTOR
Alex Andrade é escritor e arte-educador, nascido no Rio de Janeiro.
Estudou teatro e trabalhou com música popular brasileira. É autor do livro “Para os que ficam” romance de formação editado pela Confraria do Vento editora em 2022, que vem recebendo elogios da crítica e dos leitores. Publicou os romances “Antes que Deus me esqueça” (Confraria do Vento, 2019), “Longe dos olhos” (Editora Multifoco, 2012), os livros de contos “A suspeita da imperfeição” (Luziletras, 2001), “Amores, truques e outras versões” (Confraria do Vento, 2015), “Poema” (Confraria do Vento, 2013), “As horas” (Penalux, 2017), os infantis “O Gigante” (Quase Oito, 2021), “A menina e a sapatilha e o menino e a chuteira” (Quase Oito, 2019), “A história do menino” (Penalux, 2018), “O pequeno Hamlet” (Multifoco, 2010) e “A galinha malcriada” (Parafernalia, 2012). Tem contos publicados em diversas revistas e periódicos de literatura em inglês e espanhol. É um dos curadores do Prêmio literário do ensino fundamental do Rio de Janeiro e faz parte da equipe do projeto de incentivo à leitura “Praça da leitura”.