Desde que iniciei a série “As Aulas no Cinema” dentro do PGL, no ano 2011, no mês de julho costumo lembrar com vários depoimentos apropriados a imensa desgraça que para Galiza foi o golpe de Estado franquista de julho de 36, pois na Nossa Terra foi sem dúvida onde maiores assassinatos houve a mãos dos falangistas infames. Alcaides, mestres, médicos, concelheiros, intelectuais… em grande número, e na maioria das nossas cidades e comarcas, perderam a vida de forma imoral e cruel, como verdadeiros mártires, que Castelão tão bem homenageou no seu álbum de desenhos intitulado Galiza mártir, dedicado a Alexandre Bóveda e aos outros muitos que houve (Noguerol, Blanco Torres, Camilo Diaz, Jacinto Santiago, Vítor Casas, Manuel Lustres Rivas, João Carvalheira, João Jesus González…). Dentro da série que iniciei com Sócrates e que estou a dedicar aos grandes vultos da humanidade, que é conveniente que conheçam e apreciem os escolares, nestas datas vou dar à luz dous depoimentos dedicados a dous grandes republicanos galegos, que se salvaram milagrosamente em 1936 de serem fuzilados, e que estiveram forçosamente no exílio. O primeiro, Alberto Vilanova (1910-1985) vai completar o depoimento nº 56 da série, e Ramón de Valenzuela (1914-1980) o nº 57.
Alberto Vilanova Rodríguez nasceu em Ourense a 5 de julho de 1910, faz agora 108 anos, e faleceu na mesma cidade, ao pouco de chegar do exílio argentino, a 13 de maio de 1985. Foi um importante ensaísta, grande polígrafo e professor de história e cultura galaico-portuguesa. Cursou bacharelato e magistério em Ourense, realizando posteriormente nos últimos anos da ditadura de Primo de Rivera, os cursos de Direito e Filosofia e Letras em Madrid e Valhadolid, onde terminou em 1932. Era filho de Sérgio Vilanova Lorenzo, presidente da Ordem dos Praticantes. Foi aluno de Alexandre Bóveda, quando este lecionava aulas de ensino primário na Academia Vilar. Durante os seus estudos superiores iniciou-se como escritor e político. Aos 15 anos começou a colaborar na imprensa, e aos 16 participou na fundação e direção da Juventude Republicana de Ourense. Cidade em que chegou a ser membro destacado, junto com o catedrático Manuel Martínez-Risco Macias, de “Acción Republicana”, um pequeno partido que fundara em 1925 Manuel Azaña e que em abril de 1934 se constituiria com o nome de partido “Izquierda Republicana”. Durante a 2ª República trabalhou como oficial interino na seção provincial de Estatística de Ourense, e exerceu como professor num colégio privado da capital. Ademais de dirigir as juventudes de “Ação Republicana”, colaborava nos jornais La Zarpa e Heraldo de Galicia, porta-voz dos galeguistas. Em 1936 obteve o prémio nacional de história pelo seu estudo sobre o Padre Mariana e a historiografia da sua época, e o de sociologia pelo seu ensaio dedicado a “Joaquim Costa ou a grande dor nacional”. O início da guerra civil impediu-o de utilizar uma bolsa de estudos que lhe concedera a Junta de Ampliação de Estudos (JAE) para trabalhar com o professor da universidade suíça de Friburgo, conde Gonzague de Reynold. Nos dias posteriores ao golpe de estado franquista esteve preso no mosteiro de Usseira, salvando-se milagrosamente de ser fuzilado, graças ao apoio da família. Ao terminar a guerra sobreviveu como professor dando aulas em colégios privados de Chantada e Ourense, entre eles o “Estudos Galiza” de Albino Nunez, e colaborando na revista Posio. Ao cumprir-se o primeiro centenário do nascimento de Manuel Curros Enríquez, em 1951, o Centro Galego de Buenos Aires organizou um concurso sobre o escritor celanovense, que ganhou Alberto Vilanova, com o seu estudo sobre a Vida e obra de Manuel Curros Enríquez, que em 1953 é publicado como livro na capital argentina pelas edições Galícia do Centro Galego.
Convidado pelo Centro Ourensano da capital argentina para dar umas conferências, em 1954 viaja à América, abrindo assim a sua etapa americana até o seu regresso a Ourense em 1982. Escreveu infinidade de trabalhos eruditos e de investigação como “A galeguidade do Padre Feijóo” (1965), “Giner, a Instituição Livre e os galegos” (1965), e várias achegas sobre a presença de Unamuno na Galiza ou a História da Galiza de M. Murguia, entre centos de artigos. Na emigração e exílio colaborou em numerosas publicações periódicas: Galícia Emigrante, Vieiros, El Diario Español de Montevideo, Aquí Galícia (de Rosário-Argentina), Boletim do Centro Galego, etc. Na capital argentina começa a trabalhar nas editoras e termina por aceder à vaga de Língua e Literatura Galaico-Portuguesa na Universidade de La Plata. Entre 1956 e 1959, desempenha a cadeira de Cultura Galega no Centro Lucense de Buenos Aires, e depois diversas cadeiras de História Medieval e Moderna na Universidade Nacional do Nordeste, no Instituto de Investigações Históricas e na Universidade Nacional do Sul em Bahía Blanca. Foi presidente da Comissão de Cultura do Conselho da Galiza. Em 1966 publica em 2 volumes o seu monumental e extraordinário trabalho de pesquisa Los gallegos en la Argentina (Os galegos na Argentina), realmente impressionante, pelo que é homenageado na capital argentina no seguinte ano de 1967. Foi também o responsável pelas aulas de história na audição “Galícia Emigrante”, impulsionada por Luís Seoane. Nos seus últimos anos fez inumeráveis colaborações, a maioria sem assinar, para os diferentes volumes da Grande Enciclopedia Galega. Deixou alguns inéditos, como é o caso dum livro intitulado Efemérides Galegas, e documentação para um volume de Estampas da guerra civil. Voltou, tal como comentámos antes, para Ourense em 1982, e nesta cidade faleceu a 13 de maio de 1985. A sua biblioteca pessoal, que para poder trazê-la, houve que fretar um barco da Argentina, está composta por mais de sete mil volumes e centos de pastas com recortes de imprensa, é propriedade, por aquisição, da Deputação Provincial de Ourense, conservando-se no Centro Cultural do Simeom, na sua biblioteca do 4º andar.
FICHAS TÉCNICAS DOS VÍDEOS:
1. Alberto Vilanova Rodríguez.
Duração: 11 minutos. Apresenta Afonso Monjardim.
2. Alberto Vilanova (mesa redonda no Ateneu de Ourense).
Duração: 9 minutos. Intervém Carlos Nunez.
3. Mesa redonda no Ateneu de Ourense, dedicada a Vilanova.
Ver os diferentes vídeos, entrando em:
http://www.albertovilanova.com/videos
Nota importante: Existe uma “Página” (web) dedicada a Alberto Vilanova, que é muito recomendável consultar, entrando na ligação:
http://www.albertovilanova.com/Publicaciones/articulos
REPRESSÃO E EXÍLIO:
Na primavera de 1936 (mês de março), Alberto Vilanova casou em Sanim, perto de Ourense, com Nieves Fernández. Atualmente moram na capital ourensana a sua filha Chonina e os seus netos. Em 1936 realizou um estudo sobre a vida e a obra de Juan António Saco e Arce, publicado no Boletim da Comissão Provincial de Monumentos Históricos e Artísticos de Ourense, em 1937. Com motivo do golpe militar franquista, por sublevação militar de Franco e os seus comparsas, em julho de 1936, contra a República, Vilanova foi detido em Ourense. De onde passa para Usseira, para voltar de novo à capital, e depois ao quartel, para cumprir o serviço militar, sendo finalmente confinado em liberdade em Valhadolid durante cinco anos, ficando livre em 1942. Seu pai, Sérgio Vilanova Lorenzo, salvou o seu filho de ser passeado, quando se encontrava detido no mosteiro de Usseira, com outros republicanos.
Recuperada a liberdade em 1942, volta de novo à sua cidade das Burgas. No plano profissional sobrevive como professor em colégios privados de Ourense e Chantada. Tenta ler a sua tese de doutoramento dedicada a Andrés de Prada, secretário de estado dos monarcas Felipe II e Felipe III, tal como informou a revista noiesa Tapal no seu momento, embora não o tenha podido fazer, e será anos mais tarde na Argentina quando, com outro tema, consiga ler a tese na Universidade de Buenos Aires. Em Ourense vai participar na vida cultural do após-guerra, frequentando uma das tertúlias dos primeiros anos quarenta do café do Hotel Roma, a que assistiam muitos simpatizantes da República. Nesta época vai começar também a publicar resenhas de livros, artigos vários e trabalhos de erudição histórica e literária nalgumas revistas galegas do momento. A partir de 1946, no Boletim do Museu Arqueológico Provincial de Ourense, dirigido pelo seu amigo Jesus Ferro Couselo. Mais tarde, em 1951 e 1952, em Posio, Artes e Letras, revista que editava a associação cultural ourensana do mesmo nome, e na qual Vilanova foi vogal do conselho de administração e chefe da seção de ciências históricas e, finalmente, em 1952 e 53, na revista Tapal de Noia. Ademais, protagoniza alguma outra atividade cultural, como as duas que resenha a revista Posio em 1952: uma conferência sobre Ramón e Cajal, e a apresentação no Liceu Recreio da atuação da cantora galega residente em Buenos Aires, Maruja Villanueva. Em 1950 inicia o seu relacionamento com o mundo galego da Argentina, ao conceder-lhe a Federação de Sociedades Ourensanas o primeiro prémio dum concurso, a um trabalho seu sobre a obra social e patriótica de Valentim Lamas Carvajal. Um ano depois ganhou o concurso convocado pelo Centro Galego da capital argentina, sobre o centenário do nascimento de Curros, tal como já antes comentámos. Foi editado o livro em 1953, que também foi premiado em Espanha e em Havana. Igualmente, a partir de 1951, começa as suas colaborações na imprensa galega da capital argentina: dous artigos em Lar, revista do Hospital Galego, outros dous em Galícia, revista do Centro Galego, e um sobre Castelão como político, em Opiniom Galega. A sua colaboração nas publicações galegas da Argentina vai ser muito importante para ele, que, agás os pequenos artigos e trabalhos de corte erudito, que publicou nas revistas eruditas e locais citadas antes, sempre se negou a escrever nos jornais do franquismo, por causa da falta de liberdade de imprensa. Nos artigos que manda à capital argentina fustiga o folclorismo, critica os homens da cultura que praticam o colaboracionismo com o regime franquista ou que põem a sua erudição e o seu talento ao serviço da vaidade e os interesses pessoais, e reivindica umas elites culturais galegas de virtudes excelsas, que se comprometam a forjar a consciência cívica da Galiza.
VILANOVA NAS SUAS PALAVRAS:
Por considerá-los muito interessantes e significativos, escolhi vários treitos dos seus numerosos depoimentos e artigos, que a seguir exponho:
1. “Eu não quis ir aí para não sentir nojo com o entrudo da Semana Galega, apesar de receber uma carta de Vitória Armesto, em que me indicava o bom desejo de entrevistar-se comigo. Mas ao relembrar os dias trágicos da Guerra Civil em que o seu conferencista consorte Felipe Fernández Armesto, vestido de falangista e acompanhado do Governador Civil visitou o mosteiro de Usseira onde estávamos presos mais de 700 rojos, neguei-me à entrevista, e inclusive cometi a descortesia de não respostar-lhe sequer. Para a tua biografia de Basílio (Álvarez) dou-te este dado: Felipe Fernández Armesto era diretor então do diário Arco, órgão da Falange, que se imprimia nas máquinas roubadas a Basílio, e onde antes, tristeira ironia! (se tirava) o jornal La Zarpa. E estes são os convidados de honra do nosso “democrático e liberal” Centro Galego. Um já não sabe se sentir ante tanta vileza, carragem, nojo ou lástima”.
(Fragmento de uma carta mandada por Vilanova a Bons Ares, a Nunez Bua, em 30 de julho de 1971, onde comenta o convite que lhe realizara o Centro Galego ao casal de Mª Vitória Fernández Espanha e Felipe Fernández Armesto, para que pronunciasse umas conferências na instituição galega).
2. “Devem-se consumir melhores emoções do que a gastronomia porcino-vegetariana do lacão com grelos, a algaravia dos aturujos e o báquico escancear dos vinhos do Ribeiro (…). É memória o insigne labor dos que no âmbito das letras, das ciências e das artes, põem no alto o prestígio da Nossa Terra; porém, esta missão há que desenvolvê-la com elevação, com magnificência e com decoro. Nenhum adulão de tiranos, escritor com libré de lacaio ou uniforme de gendarme; nenhum cientista incivil, nenhum artista sem emoção transcendente, têm direito a participar no festim cívico e regenerador da Galiza (…). Um grande ideal é do que necessitam, o mesmo os homens que os povos, para pôr em marcha toda a dinâmica da vida. Viver de costas ao grande ideal é gregarismo, parálise, pauperismo, plataformas propícias para assentar sempre a escravatura e entre todas as escravaturas, a mais nefasta é a da consciência, da qual só nos é factível libertar-nos, dignificando-a pela razão e responsabilizando-a pelo dever”.
(Fragmento do artigo “Neste dia da Galiza”, publicado na revista Lar de Buenos Aires, nº 213, ano 1951, Pp. 13-14).
3. “Eu prometo-vos que se emigrar farei o possível por vos aliviar a existência, só desejo trabalhar e levar as crianças. Como tu compreendes já, os nossos filhos merecem um porvir melhor e há que lutar para lho conseguir. (…) Além disso, na Argentina darei tudo pela causa da liberdade e a da Galiza”.
(Fragmentos de uma carta, mandada em finais de 1952 à sua esposa Nieves Fernández.
4. “Ali fiz muito, o que não teria podido fazer aqui. Lá pude alcançar uma liberdade que não pude conseguir em Espanha. Encontrei uns meios de vida que não me obrigaram a hipotecar a minha consciência e não me submeteram. Aqui, naqueles anos que tu bem lembras, qualquer coisa se tinha que fazer com um aval de afeto ao Glorioso Movimento Nacional”.
(Fragmento de uma entrevista que lhe fez Segundo Alvarado para o diário La Región, depois da sua volta do exílio na Argentina, em 1982).
TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:
Vemos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um Cinema-fórum, para analisar a forma (linguagem fílmica) e o fundo (conteúdos e mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.
Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Alberto Vilanova, a sua vida, a sua obra, as suas ideias, a sua prática educativa e as suas publicações. Na mesma, além de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.
Desenvolveremos um Livro-fórum em que participem todos os escolares e docentes. O livro mais adequado para ler é a obra de Vilanova Vida e obra de Manuel Curros Enríquez, que foi editado na sua primeira edição em 1953 pelo Centro Galego da capital argentina, e na sua editora Galicia.