A cor do abismo

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Um bichinho vermelho, diminuto, com suas patinhas invisíveis vai atravessando a folha em branco na que eu tanto queria escrever o meu poema…

Esse bichinho é tão tão pequenino como, é como… Bom, não há outro ser vivo, visível ao olho nu, tão pequeno com o que o comparar.

O bichinho corre a considerável velocidade, parece que voasse, como se o branco imaculado da folha o assustasse, tal como assusta por vezes as minhas palavras, e as cartas que não te escrevi… Essas vezes todas fico olhando a folha como se fosse um espelho; talvez da alma…

O bichinho vermelho, despreocupado de mim, julgo que nem me vê, chega logo perto da borda do papel que sobressai um bocado da mesa e se pára ante o abismo; se eu quisesse poderia girar o papel e fazer que encontrasse a firmeza da madeira para se sair do branco que o assusta; também poderia, se eu jogasse a ser um deus malvado, mover o papel para que sempre encontrasse a borda voando sobre o abismo fora da mesa…

Foi aí que reparei na cor branca do chão daquele quarto de hospital, arrepiada corri à janela, no vale andava a névoa baixa, nem podia perceber a base nem a altura dos edifícios, que me pareceram gigantescos, ainda que eu sabia que só estava no sétimo andar…

Assomei mais afora a cabeça e olhei para acima, tentando, talvez, ver se no céu havia um deus que pudesse mover o meu chão e salvar-me ou precipitar-me naquele abismo…

Desassossegada regressei à mesinha onde deixara a folha, vi que o bichinho vermelho tinha desaparecido, e apurei-me, agora sim, como se tivesse dedos velozes como as patinhas do bichinho vermelho e corri a escrever este meu texto antes que…

23,2,16

  • DAS CRÓNICAS DO QUOTIDIANO INÚTIL, em honra do Chrys Chrystelo, toma título do seu poemário.