A atracçom da derrota

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Se por trás do que chamamos ‘atitudes negativas’ houvesse apenas um poço de sofrimento, estas acabariam por desintegrar-nos até a insánia ou a morte. Mas toda dor se acompanha dum certo prazer, mesmo doentio, e isso em boa parte explica porque podemos seguir vivos, aparentemente cordos, e socialmente activos, enquanto interiormente moramos nos esgotos das piores emoçons.

A ira, por exemplo, aplaca ou camufla a tristeza; e o iracundo, aliás, pode comparecer publicamente como umha pessoa rochosa e dura, o que sempre confere certo prestígio (frente o desprezo social que suscita o depressivo); a adicçom calma dores que preferimos ignorar ou nom olhar em fite; a dependência com o maltratador (familiar, patrom, ou instituiçom anónima estatal) outorga umha certa segurança, frente a vertigem que supom vermo-nos sozinhos, livres, abertos aos horizontes incertos e vastos da independência.

Que dizer do derrotismo? Essa atitude que entende que tudo, inapelavelmente, nos tem saído mal, e que portanto todo nos vai seguir saindo mal desde hoje até o final dos dias. Colectivamente, respiramos esta atmosfera desde bem novinhos. Qualquer pessoa formada no movimento galego respiraria esta mestura de laio e insegurança que empapa organizaçons, iniciativas, reflexons e conversas informais.

Na passada semana, umha notícia mais bem desenfocada recapitulava a curta história recente do Apalpador qualificando-a de ‘fracasso’, tomando como comparaçom as senlhas acolhidas populares das figuras de natal no País Basco e Catalunha; nas redes sociais, Manuel Gago fazia-se eco da crónica e tomava-a como pretexto para reflectir como e quando o motivo da derrota se fijo parte constitutiva do discurso nacional galego.

É interessante que um autor como este, de grande acolhida no mundo virtual, aborde esta questom, que é um dos grandes pontos cegos do nosso movimento. Essas dimensons problemáticas que sempre estivérom aí, e que mui poucos e poucas se atrevem a mentar e abordar; nom é por acaso que seja umha pessoa desvinculada do mundo militante, que nos olha atentamente de longe, quem coloque a questom. Em demasiadas ocasions, a excessiva cercania ao conflito fai-nos perder perspectiva e esquecer o essencial.

Rembrandt van Rijn, Beggar Seated on a Bank, (1630)

Manuel Gago explicava sinteticamente porque o discurso da derrota é inconsistente; concordamos com ele, e agora toca ver algumhas razons polas que subsiste; pois só assi, entendendo o falso alimento que fornece, podemos superá-lo.

A crença (sincera ou impostada) numha derrota irreversível do nosso projecto nacional serve para evadir-se da acçom colectiva e, nesse sentido, é enormemente tranquilizadora, como todo o que nos irresponsabiliza. Pois para que havemos de comparecer num combate que já está decidido –perdido– há muitas décadas?

A crença (sincera ou impostada) numha derrota irreversível do nosso projecto nacional serve para evadir-se da acçom colectiva e, nesse sentido, é enormemente tranquilizadora, como todo o que nos irresponsabiliza.

Ao mesmo tempo, permite-nos desaparecer da cena da construçom nacional mui decorosamente, dado que os atrancos crónicos estám fora de nós, numha espécie de incapacidade exterior: nom importa que seja a falta de burguesia galega, o espírito caciquil, o auto-ódio estrutural, a sociedade de consumo ou a corrupçom das dirigências nacionalistas. Ausentar-se dumha empresa nobre nunca é vivido com alegria e gratitude mas se, quanto menos, um pode imaginar-se forçado polos feitos externos a essa ausência, esta chega a experimentar-se mesmo como um alívio.

Finalmente, e se concedermos ao derrotismo umha parte da verdade (reconhecendo que a construçom nacional galega parte desde as suas origens de défices estruturais seríssimos, que ainda nos mantenhem longe da hegemonia), aqui ainda se agocharia umha armadilha perigosa. Pois a história –toda história, também a das naçons– está cheia de fendas, reviravoltas, imprevistos, rupturas e, no seu sentido originário e mais profundo, acontecimentos. Pensar numha condena colectiva em forma de destino fatídico, ou de tara irremediável, livra-nos dumha vivência pessoal e de grupo baixo a sombra do caos, a impreditibilidade e a incerteza; fabular a segurança (mesmo a segurança fúnebre) livra a muitas pessoas do desacougo, e arreda da condiçom da vida livre, que necessariamente sobarda os plans e as prediçons.

[Este artigo foi publicado originariamente no galizalivre.com]