O carro verde

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Por Edelmiro Momám

Quatro luxemburgueses venceram na história do Tour de França e poucos países devem ter uma tal densidade de pistas cicláveis fora do perímetro urbano e, porém, aqui em Luxemburgo, como na Galiza, a bicicleta continua a ser um brinquedo de fim de semana. Bom, se calhar estão a mudar um bocadinho as cousas desde que a vila instaurou o programa de bicis públicas Vel’oh!.

Eu sempre que não chove tendo a ir de bicicleta a todas partes. Apanhei o vício das duas rodas em Estrasburgo e já não posso viver sem a minha metálica companheira Made in Portugal.

Temos uma cadeira para a pequena instalada na parte frontal da bici que chama muito a atenção. O pessoal tira fotos e tudo. Porque o problema é que em Luxemburgo os carros, ou mais bem os conductores dos carros, não estão habituados às bicicletas. E é um perigo. Aliás, aqui, como na Galiza, o ciclista quase sempre está sozinho o qual quer dizer que sempre cedes tu o passo, pela conta que che tem, mesmo ainda que tenhas preferência.

O caso é que passamos os dous últimos fins de semana na Haia e Amesterdão, respectivamente. Já conhecia Holanda, mas não como ciclista. Desta volta levamos as bicis.

Uma imagem ficou na minha mente. Na Holanda o ciclista não é, como em Luxemburgo ou na Galiza, uma pinga de água num oceano de betão. Na Holanda o ciclista é uma rede de capilares que, certa e poderosa, flui permeando a cidade toda.

E assim mesmo fluíamos nós este sábado com mais lusco do que fusco pela Buiksloterweg adiante, de volta para a casinha em Amesterdão norte, quando vemos vir um carro verde em direcção contrária. Um carro verde? Mas que faz este carro verde na ciclovia? O seu único ocupante, um conductor de aspecto magrebino, não olha para nós, o regato dos ciclistas, olha para a sua direita como se na sua direita houvesse algo que ver. O que poderia ver na sua direita é a margem que tem para se apartar um bocadinho e deixar-nos passar. Mas não o vê. Ou não o quer ver. E o seu espelho, ameaçando com nos desequilibrar, obriga a deter a coluna dos ciclistas. Passa o carro verde e prosseguimos.

Apenas depois da viragem é que compreendemos com pavor qual é a razão de ser daquele carro verde. Na distância, outros dous moços num ciclomotor começam a manobra de abordagem duma ciclista solitária. Observamo-la descavalgar, impotentes, em toda a sua loira esbeltez. Os piratas da ciclovia fogem já vento em popa, desta vez com as mãos vazias, antes de que os nossos olhos cansados posam distinguir o número da placa. Sangue e báguas na ciclovia. Estado de choque.

Mas é então que compreendemos que, se em Luxemburgo ou na Galiza o ciclista é sempre vulnerável, na Holanda cumpre primeiro isolá-lo para poder agredi-lo.