Após mais de quatro décadas de oficialidade do galego, os dados sociolinguísticos continuam a marcar mínimos históricos no uso. Para compreender o que acontece e poder intervir para reverter esta situaçom, hoje falamos com Xesús Mosquera, do Serviço de Normalización Lingüística da Universidade da Corunha.
Agora que sumamos mais de 4 décadas de oficialidade do galego, como avalias este período?
Se há que usar um adjetivo seria insatisfatório, mui insatisfatório. Que a oficialidade supôs um avanço é evidente. Dotou a língua de um status, mas se consideramos que o ponto de partida, quanto à base social de falantes, era boa, a situação atual é pouco defendível. Se a isto adicionamos que o âmbito educativo (onde mais se leva intervindo e planificado) hoje atua como um agente desgaleguizador mais, da insatisfação passamos para a deceção, por não falar diretamente de fracasso. São 40 anos de oficialidade, sim, mas com uma única lei de normalização linguística que, ademais, segundo os especialistas, apenas foi desenvolvida. A impressão é que a realidade social superou, ultrapassou a política linguística (PL), já fraca e ineficaz. Fica para a especulação o que teria acontecido com outra PL mais ambiciosa, que quisesse alcançar algo mais que apenas fornecer formação linguística à população.
São 40 anos de oficialidade, sim, mas com uma única lei de normalização linguística que, ademais, segundo os expertos e expertas, apenas foi desenvolta.
Há poucos meses, as estatísticas situavam o galego por baixo do uso maioritário, por primeira vez na história. Que medidas cumprem para reverter o processo de substituiçom linguística?
Com tudo o matizáveis que podem ser esses dados, o certo é que culminam uma tendência, uma série estatística que se leva percebendo nos últimos estudos quantitativos realizados. Com esses ou outros dados, o “sorpasso”, por assim dizer, produziu-se agora, como se poderia ter produzido antes ou nuns poucos meses. Com isso em mente, considero que quatro pilares fundamentais para uma nova política linguística que aspire a outros resultados são: trabalhar com as famílias (vide programa Apego), planificar específica e decididamente para a adolescência e a mocidade, com tudo o que isso implica (audiovisual, tecnologia, redes, lazer, desporto…); reforçar aquelas realidades que sim percebemos com uma dinâmica positiva (a autoestima linguística de comarcas ainda em maior medida galegofalantes ou o fenómeno do neofalantismo, por exemplo) e dotar o galego de um valor no âmbito laboral. Mas, em realidade, não digo nada novo. No plano geral de normalização de 2004 já está recolhido boa parte de todo isto.
Qual é o teu papel ou o da equipa/serviço de normalizaçom linguística na Universidade da Corunha, em que trabalhas? Quais som os principais desafios do vosso trabalho?
Na Universidade da Corunha há aprovados um regulamento de usos e um plano de normalização (anos 2004 e 2005). A base foi formulada de maneira explícita, mas isso não significa que a normalização linguística que acontece na prática seja de baixa intensidade e sem planeamento, por mais que doa dizer isso. O meu dia a dia consiste basicamente em realizar labores de orientação linguística. Quanto aos desafios, no âmbito universitário a língua da docência –entendida como a língua que usa o professorado– revelou-se como um aspeto crucial, porque está demonstrada a sua capacidade de influir na língua ambiental e de uso principal na aula. No conjunto do sistema universitário galego levam-se provadas distintas fórmulas, mas nenhuma calha ou se assenta como a ótima. O certo é que também há reticências internas e dinâmicas globais (espaço europeu de ensino superior, internacionalização e captação de alunado estrangeiro, etc.) que não ajuda, de maneira que nos encontramos com graus com uma presença do galego aceitável e outro com uma presença anedótica ou nula. Esta disparidade, além disso, é sinal de uma clara e preocupante fragmentação sectorial: humanidades e ciências sociais perante engenharias e ciências puras. A renovação paulatina dos quadros docentes presenta-se como uma oportunidade para tentar reverter esta situação.
Quanto aos desafios, no âmbito universitário a língua da docência –entendida como a língua que usa o professorado– revelou-se como um aspeto crucial, porque está demonstrada a sua capacidade de influir na língua ambiental e de uso principal na aula.
Que necessidades observades no dia a dia?
A resposta singela e breve passaria por poder dispor de mais pessoal e orçamento, mas não deixam de ser duas reclamações comuns a qualquer outro âmbito de trabalho ou política pública que se queira efetuar. Eu o que observo é uma flagrante indefinição, uma falta de rumo. Para mim, seria porreiro se aqueles que têm a incumbência de estabelecer objetivos, fixassem metas, por modestas que fossem, e a partir daí iniciassem o trabalho. Dito doutra maneira, fazer por tentar converter em realidade aquilo que se previu, o que se planificou e aprovou. Não é fácil (ninhem diz que o for), mas ao menos tentar. Polo demais, a universidade não é uma exceção à falta de pulsão ou tensão de normalização que se aprecia no conjunto da sociedade.
Existe aquisiçom de material em português ou contrataçom de artistas da Lusofonia para a programaçom cultural da universidade? Como pensas que poderia ser tida em conta a língua portuguesa para reforçar a normalizaçom linguística?
Assim formulada, é uma pergunta que transcende a própria normalização linguística ou o âmbito de atuação de um SNL. Nas universidades sempre houve equipas de trabalho, projetos… com presença de pessoal docente e investigador de ambas as beiras do Minho. Também publicações como, por exemplo, a revista Sarmiento, do âmbito da história da educação. Quero pensar que a proximidade linguística e a intercompreensão são fatores que contribuem à existência desse ecossistema particular. Polo demais, poderia mencionar ações pontuais em que sim se conta com a presença de participantes portugueses em congressos, relatórios, seminários…, mas como tal não é uma linha de trabalho ou ação permanente, mas obedece à vontade ou sensibilidade das pessoas que organizam tais atividades. A difusão de material bibliográfico (manuais) em português é uma medida que recolhe o plano de normalização universitário mencionado.
Qual é a fotografia linguística que imaginas dentro de vinte anos?
Quero pensar que não mui distinta da que podemos obter agora. As “ameaças” e tendências que observamos hoje seguramente continuem aí e possivelmente aparecem outras novas. Por um lado, é possível aliviar com outras medidas políticas e, por isso, acredito que os resultados das eleições dominicais serão relevantes para isso. Pola outra, sobre todo, quero confiar em que a base social militante, comprometida e preocupada pela língua, não só se mantenha, mas que também medre e se apodere, por utilizar um termo tão utilizado ultimamente. Que o otimismo da vontade se imponha e a deceção da que falava antes não acabe derivando numa frustração coletiva. Oxalá em 20 anos podamos falar de um “efeito DígochoEu” ou uma “geração Tanxugueiras”, como alguns já aventuram… Oxalá!