Tornar-se útil

Partilhar

Por Xián Naya Sánchez

Lembrei-me nestes dias dum desenho do “Álbum Nós”, onde Castelão nos mostrava a seguinte situação:

 

Na beira do Minho: – E os da banda de alá são mais estrangeiros que os de Madri?

(Não se soube da resposta do velho)

 

A situação atual da Galiza faz que este desenho seja hoje tão atual, ou mais, que no momento da sua edição, lá pola década de trinta. Chega com pormos o ouvido nas tascas, nas ruas, nas aulas… para nos darmos conta de que os galegos têm uma visão frustrada, regional (nacional no melhor dos casos) e, em definitivo, uma visão [não] útil da sua língua.

A seguir, adiciono alguma das circunstâncias com que topei eu mesmo.

Facto 1:

Três jovens num pub de Compostela, já de madrugada. Começa a soar “Ai se eu te pego”, uma canção do cantor brasileiro Michel Teló que, segundo parece, “está na moda”.

-Mi madriña! Agora poñen esta canción en todos os lados!

-Já che digo! A moda… Mas esta polo menos está na nossa língua, não em inglês ou espanhol, coma sempre!

– Que vá! Está em português…

Facto 2:

Estreiam na TV o novo anúncio da rede galega de supermercados que com maior frequência tem aparecido nos meios audiovisuais nestes últimos anos. A marca pretende diferenciar-se das outras pola defesa que faz da identidade própria dos galegos e galegas (É triste, mas acreditar e tomar a decisão de apostar por essa identidade não é o habitual neste país). Identidade que acrescenta, aliás, uma melhor qualidade dos seus produtos. Fico surpreendido quando escuto neste anúncio como frase muito galega: “No doy hecho”. Conclusão pessoal: O castelhano, tão galego como o galego.

Facto 3:

Um centro de ensino secundário, na Galiza. Numa das aulas de literatura universal, a professora (galego-falante) traz para ler aos alunos um autor português, mas universal, José Saramago.

Começa advertindo de que a nossa (a dela) é uma língua com poucos falantes, que fica fora dos grandes mercados, e as editoriais nem sempre traduzem as grandes obras. Assim que remata o sermão, começa a ler o Saramago na nossa língua mais internacional, o castelhano.

Qual é, por conseguinte, a solução para deixar de nos vermos como possuidores duma língua inútil? Não pode haver outra resposta que a de tornar-se útil. Mudando a ordem dos sintagmas da conhecida frase do Hébert, “être utile pour être fort”.

Fica claro. A minha língua, o galego, o português, é internacional porque se fala nos cinco continentes e é útil porque com ela podo-me comunicar com mais de 250 milhões de falantes.