Acho que antes de mais devo contextualizar. Costumo ver isto como resposta a um suposto desleixo de quem fala castelhano quando tem que pronunciar o nosso X, enfim, o som [ʃ] que partilham palavras como caixa, bruxa ou xadrez.
Primeiro começou com “se sabes dizer Shakira, sabes dizer São Genjo” e irremediavelmente a atualidade forçou uma mudança para “se sabes dizer Shakira, sabes dizer Tanxugueiras”. Tenho que dizer que não concordo nada com estas sentenças, mas revelam no fundo um tema muito sensível. Vou tentar dar argumentos linguísticos e didáticos para argumentar a minha posição.
Primeiramente, parece que ao usarmos o nome da Shakira em vão estamos a afirmar que o comum da sociedade galega conta com esta realização no seu repertório fonético. E não é assim. Existem territórios galegos onde este som está despalatalizado. Por outras palavras, há quem fale galego e diga Sansenso não por falta de perícia linguística, mas porque é um traço mais do seu dialeto, da maneira de falar da sua zona.
E como estivemos a falar de variedade interna das línguas, é preciso assinalarmos que o espanhol não é homogéneo. Nenhuma língua é homogénea. Assim sendo, há que compreender que existem variedades desta língua onde o som [ʃ] é realizado. Por exemplo, quando lemos Mucho Betis, com que pronúncia associamos esse <ch>?
Nenhuma língua é homogénea. Assim sendo, há que compreender que existem variedades desta língua onde o som [ʃ] é realizado. Por exemplo, quando lemos Mucho Betis, com que pronúncia associamos esse <ch>?
Agora vamos com variedades do espanhol onde não existe essa realização. Tenho constatado que na dobragem espanhola da série The Big Bang Theory parte do elenco pronuncia Sheldon e parte Seldon. Escolhem então fazer mal o seu trabalho? Sabem dizer Shakira e não sabem dizer Sheldon? É uma afirmação difícil. Não será que nem toda a gente tem habilidade para dizer Shakira porque é um som aprendido?
Quando lemos ou vemos <sh> associamos esta pronúncia com a do inglês, porque foi isto que aprendemos na escola. O inglês tem essa realização, é uma língua mundial que incorporou muitas palavras de outras línguas e adaptou-as à sua ortografia: sushi, kalashnikov, Shiva… A hegemonia da anglofonia é indiscutível e por isso o comum da sociedade tem mais ferramentas para interpretar um <sh> quando o vê escrito do que um <x> galego-português. Portanto, sim, há uma razão intuitiva para alguém de fora pronunciar melhor Shakira do que Tanxugueiras.
A hegemonia da anglofonia é indiscutível e por isso o comum da sociedade tem mais ferramentas para interpretar um <sh> quando o vê escrito do que um <x> galego-português.
Falemos agora da banda do momento: existe um conluio antigalego que quer mesmo nos destruir pronunciando este nome com pouco ou nada de jeito? Enxuguem essas lágrimas, enxuguem com X. Houve um compilatório em redes sociais de vídeos de pessoas estrangeiras a tentarem dizer Tan-xu-guei-ras. Mas há uma dificuldade que nunca é comentada. Os falantes eram na sua maioria anglófonos e o inglês não tem muitas palavras com tantas sílabas. Não, o som [ʃ] não era aí o obstáculo.
Por colocarmos um exemplo próximo, o <x> equivale em português de Portugal a cinco realizações fonéticas diversas. Noutras línguas peninsulares como o catalão ou o euskera igualmente podemos encontrar uma variedade de pronúncias que o grafema <x> representa.
Então desistimos? Nunca! Burro velho sim aprende línguas. Toda a gente pode aprender a pronunciar o [ʃ], mas os resultados podem ser muito diferentes, existem muitos condicionamentos. Eu poderia aprender a dançar kizomba, mas aquilo seria um investimento de anos de treino e para outra pessoa podem ser 30 minutos.
Imaginemos que há vontade de aprender. Shakira tem UM som sibilante, São Genjo tem TRÊS. Eu sei dizer Três e Tigres, mas custa-me mais dizer Três tristes tigres comem num prato de trigo.
Mas “é que os de Valdemorillos del Moncayo não se esforçam sequer. Ultraje!!”. O valor que damos às línguas é chave, claro. Shakira diz que “las mujeres somos las de la intuición” e eu intuo que é melhor depositarmos as energias noutro lado.
[Este artigo foi publicado originariamente no Novas da Galiza]