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Roberto Samartim: “Os cenários futuros vão exigir organização, programa e o reforço das posições próprias”

roberto-samartimNeste ano 2021 há 40 anos desde que o galego passou a ser cosiderada língua co-oficial na Galiza, passando a ter um estatus legal que permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relagada pola ditadura franquista.

Seguindo com a série de entrevistas a diferentes agentes sociais encetada em janeiro, desta volta entrevistamos o professor da Universidade da Corunha, investigador e membro da rede GALABRA, Roberto Samartim, autor -com Elias Torres- do livro Sobre conflito linguístico e planificação cultural na Galiza contemporânea editado por Através.

Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?

Há quarenta anos o galego era a língua habitual da imensa maioria da populaçom da Galiza e umha língua alheia ao Estado; hoje é língua de uso de cada vez menos pessoas, o Estado autonómico reconhece-lhe status legal e funçom institucional e por isso foi introduzida (com sucesso variável) em vários campos considerados estratégicos para a reproduçom tanto da língua como do próprio Estado (administraçom, ensino e meios de comunicaçom públicos). O aparelho legislativo atual estabelece a “cooficialidade subalterna” (o dever de conhecer o espanhol fronte ao direito de conhecer o galego), delimita o espaço de possibilidades e nele assenta tanto o amparo como a subalternidade da “língua própria” da Galiza.
Para quem nada tivo qualquer reconhecimento supom um avanço objetivo nas suas posiçons; a subalternidade é melhor que nom existir, dá oportunidades que podem ser aproveitadas, ou nom… A exploraçom dessas possibilidades no ensino, por exemplo, deu como resultado que a escola da autonomia continue a ser um agente desgaleguizador e que nom garanta a aquisiçom de competências linguísticas suficientes para poder atender todas as destrezas em galego. O reintegracionismo criou as Escolas Semente, mas até com o decreto em vigor é possível atender a qualidade da língua e revisar as metodologias docentes, ou aproveitar o português como aliado do galego (mesmo para alargar a veicularidade do galego-português, usando nesse sentido a percentagem atribuída às “língua/s estrangeira/s”…).

O reintegracionismo criou as Escolas Semente, mas até com o decreto em vigor é possível atender a qualidade da língua e revisar as metodologias docentes, ou aproveitar o português como aliado do galego (mesmo para alargar a veicularidade do galego-português, usando nesse sentido a percentagem atribuída às “língua/s estrangeira/s”…).

Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
roberto_samartimImaginemos outro quadro normativo que corrigisse a cooficialidade subalterna e alargasse o espaço de possibilidades. No atual regime autonómico, entendo que isto passaria pola presença no Estatuto do dever de conhecer o galego, da consideraçom do galego como língua veicular no ensino, da unidade linguística galego-portuguesa e da necessidade de comunicaçom e coordenaçom com os territórios com que compartilhamos património linguístico (o Estatut catalám de 2006 serve de modelo).
Imaginemos que tivesse sido levada em conta a interdependência entre a planificaçom do corpus, do status e da aquisiçom (ainda havendo agentes interessados em negar esta relaçom…) e que no ensino estivesse presente o português e tivesse continuidade a orientaçom das programaçons docentes de língua e literatura galega de 1980, aquelas desenvolvidas em manuais com mapas do “galego-portugués no mundo” ou com temas sobre “as literaturas de expresión portuguesa” e epígrafes sobre Camões, Garrett, Pessoa, …
Imaginemos que cada vaga de pessoal na administraçom tivesse aparelhado um perfil linguístico, ou que existisse umha rede de meios de comunicaçom ao serviço da valorizaçom e da extensom do galego, ou que recorréssemos a português e brasileiro para o preenchimento dos numerosos défices do sistema e o fornecimento de todos os produtos cujo acesso em norma local nom é possível.

No atual regime autonómico, entendo que isto passaria pola presença no Estatuto do dever de conhecer o galego, da consideraçom do galego como língua veicular no ensino, da unidade linguística galego-portuguesa e da necessidade de comunicaçom e coordenaçom com os territórios com que compartilhamos património linguístico.

Imaginemos também que no processo de codificaçom tivesse continuidade a estratégia pactista, gradualista e pró-reintegracionista sustentada por Galaxia até a impugnaçom das NOMIG da Xunta de 1980 (principalmente polo ILG, presente na comissom que as elaborou). Ou imaginemos ainda que sem o concurso do nacionalismo e o reintegracionismo nom tivesse sido possível pensar ou agir como se esse processo estivesse fechado; mesmo ainda que Galaxia-RAG e o ILG puidessem ter acordado a aplicaçom das NOMIG de 1982 no ensino e na administraçom (cenário diferente do pacto entre Galaxia e ILG que explica, em boa medida, o funcionamento da cultura galega nos últimos quarenta anos). E imaginemos agora uns campos culturais mais autónomos em relaçom com o poder político, onde o consenso assentasse no uso da língua e nom na imposiçom dumha norma, e onde nom fosse negada legitimidade e existência à dissidência.
Imaginemos, por fim e ainda que pareça um disparate, que nos tivéssemos dotado de materiais suficientes e de ferramentas apropriadas para contestarmos e superarmos a subalternidade, e que nom nos conformássemos com a resignaçom, a apatia, a inércia ou até, nalguns casos, com o conforto e as regalias da sua gestom.

Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
Fora a eventual exploraçom das possibilidades imaginadas na resposta anterior, entendo que sem conhecimento nom há planificaçom, assim que só gerando-o e aplicando-o será possível estabelecer um diagnóstico, fixar e calendarizar objetivos, elaborar programas e arranjar os recursos e desenhar as estratégias necessárias para os implementar (para isso dava jeito ter um campo académico com a autonomia e os recursos suficientes …).
Em relaçom com o diagnóstico, nos últimos quarenta anos o processo de interferência e substituiçom linguística do galego polo castelhano, longe de se ter reduzido, avançou; nom parece haver franjas de segurança que travem a progressiva diluiçom do galego no espanhol, a transmissom intergeracional quebrou em boa medida e os meios de aquisiçom linguística habilitados nom estám a reverter esta situaçom. Esta realidade pom em causa o funcionamento do galego como língua geral de comunicaçom intracomunitária (sem serviço também para o relacionamento externo), coesom social e identificaçom do conjunto da comunidade galega. Se este for o objetivo procurado, teremos de ser capazes de entender se (e como) os materiais e as ferramentas, os discursos e as práticas que mobiliza cada grupo contribuem para a consagraçom, a gestom ou a superaçom da subalternidade.
Neste sentido, anoto apenas que o autonomismo considera alheios materiais coincidentes com o português mas identifica, legitima e socializa como próprios materiais centrais coincidentes com o castelhano; isto consagra a interferência e, parece-me, a subalternidade e a dependência. Se, como dizia há anos o professor Elias Torres (num texto reeditado em 2018), com materiais insuficientes nom é possível a suficiência sistémica (leia-se soberania cultural), teremos que nos dotar de materiais e ferramentas que impeçam a interferência e permitam superar a subalternidade. Acho que esses materiais suficientes e concorrentes só está em condiçons de os fornecer o reintegracionismo.

Com materiais insuficientes nom é possível a suficiência sistémica (leia-se soberania cultural), teremos que nos dotar de materiais e ferramentas que impeçam a interferência e permitam superar a subalternidade. Acho que esses materiais suficientes e concorrentes só está em condiçons de os fornecer o reintegracionismo.

Seria preciso, entom, socializarmos maciçamente os materiais e as ferramentas do reintegracionismo, promovermos outra ideia de língua e extendermos a consciência linguística unitária galego-portuguesa, evidenciando as possibilidades que isto abre para dentro e para fora. Entendo que isso passaria por reforçarmos, diversificarmos, alargarmos e organizarmos a rede institucional do reintegracionismo; isto permitiria fixar objetivos e prioridades, e desenharmos conjuntamente os programas e as estratégias precisas para atingirmos os resultados desejados (incluídas as alianças necessárias para viabilizar a aplicaçom de pontos programáticos concretos).

Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
Possível seria mas, vendo a atual relaçom de forças e a trajetória das elites institucionalizadas, duvido-o; polo menos nos termos atuais do debate que, salvo erro, está balizado entre o reconhecimento em “paridade legal” do modelo reintegracionista com o autonomista (“binormativismo”) e um alargamento do reconhecimento legal da “língua portuguesa, historicamente emparentada com a galega” (oferta do professor Monteagudo, interlocutor da AGAL nesta questom).
Nom me parece provável que os agentes que detentam o monopólio (institucional) da língua da Galiza renunciem à sua posiçom hegemónica e reconheçam o modelo reintegracionista, permitindo a concorrência e o suporte legal em igualdade com o autonomista.

Nom me parece provável que os agentes que detentam o monopólio (institucional) da língua da Galiza renunciem à sua posiçom hegemónica e reconheçam o modelo reintegracionista, permitindo a concorrência e o suporte legal em igualdade com o autonomista.

A minha apreciaçom (que pode estar errada) baseia-se no resultado do “consenso” de 2003 do autonomismo com um nacionalismo que, repare-se, acumula poder político e tem umha presença nos campos culturais mui superior ao reintegracionismo (passados dezassete anos daquele acordo seria possível perguntar em que medida ele contribuiu para o avanço no processo de normalizaçom linguística, em que melhorou a posiçom ou como progrediu a execuçom do programa nacionalista ou, até, quantos agentes deste nacionalismo tenhem assento na RAG, no Consello da Cultura Galega ou no Centro Ramón Piñeiro, por exemplo).
Nom sabemos como vai evoluir este debate nem quais serám os cenários futuros, mas se o objetivo for acabar com a situaçom de exclusom do reintegracionismo para aplicarmos melhor as medidas capazes de deter a inércia acumulada no sistema e reverter o processo de interferência e substituiçom linguística, entom acho que precisamos urgentemente de organizaçom, programa e do reforço das posiçons próprias.

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