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Roberto Samartim: “Na origem d’o livro do dragom está o desejo de resignificar a lenda da Coca de Redondela”

O professor da Universidade da Corunha, Roberto Samartim, surpreendeu neste ano 2024 com a publicação d’o livro do dragom, o seu primeiro poemário. Conversamos com ele sobre esta novidade editorial, mas também sobre a coleçom que inaugura dentro da Companha Editora, Álmafa. árvores e livros

Esta é umha obra complexa (até do ponto de vista emocional), um livro denso e lento, para ler devagar, até parece que levas para o poema o rigor da tua investigaçom… Notamos também que é um livro mui sensorial (há muitos cheiros, muitos sons, …) e que tem um ponto melancólico mas não é pessimista; evita a épica e afasta-se do discurso mais habitual na poesia galega atual. É isso?

Até gostava que fosse isso… [sorri]. Suponho que algumha cousa assim deve haver, sim, porque o último que apontas concorda em boa medida com as leituras feitas por Raquel [Bello Vázquez] em Quiasmo e por Isaac [Lourido] no posfácio que acompanha o volume. Ambas referem a mistura do poético e o político para construir um discurso comunal e esperançoso, que resignifica a lenda do dragom e se afasta um bocado das linhas de discurso mais centrais na poesia galega atual. Eu agradeço muito estas leituras, claro.

Como nasce esta obra?

A ideia inicial de escrever este livro (título incluído) surge no ano 1996, quando uma amiga e colega de curso em Filologia na USC me oferece Los Reyes, de Cortazar. Este livrinho resignifica o mito de Ariana e o Minutauro, e essa pareceu-me umha ideia tremendamente interessante, tanto como para pensar em tentar aplicar o mesmo processo à lenda da Coca de Redondela. Na origem d’o livro do dragom está, entom, o desejo de resignificar este lenda.

Mas disto há quase trinta anos… Passou muita vida desde aquela. Tanta que só em 2021, entrando eu já na casa dos cinquenta, me decidim a começar a escrita deste livro, a começar polo poema dedicado a Isaac, construindo depois as diferentes peças da engranagem, voltando sobre o Livro da memória que tinha publicado na Agália em 1999, assinando como Paulo Soutelo, suponho que polo pudor que me dava expor-me num campo que nom era bem, nem é, o meu …

E de quem é esse campo, logo?

O campo é de quem o trabalha, basicamente [sorri]. Como bem diz o professor Antón Figueroa: existimos onde luitamos…

Em qualquer caso, até essa altura só tinha escrito e publicado os poemas pós-adolescentes desse Livro da memória e alguns textos soltos também na Agália, que forom incorporados agora à segunda das três peças que desenham esta história do dragom.

Podes explicar o que é a lenda da Coca, para quem nom seja de Redondela?

A lenda tem várias versons. Em síntese apertada, conta a estória dum dragom que se recolhe na ilha de Sam Simom e rapta moças da vila, até que o povo se organiza e os marinheiros matam a Coca (umha serpe alada que noutros lugares é conhecida como Bicha ou Tarasca). Despois o povo celebra dançando a vitória sobre o mal.

José Martínez Crespo ou Clodio González Pérez tenhem escrito sobre as origens e o significado deste dragom que processiona no Corpus Christi de Redondela (para nós, sempre, as Festas da Coca) acompanhado dos moços da dança das espadas e das penlas, em origem danças gremiais de marinheiros e panadeiras.

Desde que tenho memória, nas festas de Redondela fazemos tapetes de flores polas ruas da parte antiga por onde vai passar a processom, e a Coca também serve de acovilho para as crianças, que se podem meter dentro dessa figura, que é arrastrada pola vila; no último dia das festas há também um reencontro entre Cristo e a Virgem. Entremeada com a performance cristá, soam as gaitas da Dança das Espadas, os moços dançam com espadas de pau desenhando figuras (âncoras, estrelas, …) e duas mulheres (as burras) também dançam a esse som com duas nenas sobre os ombros (as penlas).

O que me parece interessante da lenda e da celebraçom (tanto poética como politicamente) é que aqui o símbolo do mal nom é vencido por um herói individual (Sam Jurjo, por exemplo), mas que é a comunidade que se autoorganiza, que age e que vence.

O que me parece interessante da lenda e da celebraçom (tanto poética como politicamente) é que aqui o símbolo do mal nom é vencido por um herói individual (Sam Jurjo, por exemplo), mas que é a comunidade que se autoorganiza, que age e que vence.

Nesse sentido, no da comunidade, aprecia-se uma distância entre a voz poética (que são várias) e o autor. Há mesmo várias vozes, ao longo do livro …

Há na estrutura do livro umha tentativa de construir uma história através da acumulação de peças relativamente autónomas, que deveriam poder funcionar individualmente, mas que vam encaixando e dando coerência a um artefacto maior, a umha narrativa. Na história narrada e nos materiais mobilizados para isso há referências pessoais, claro, mas há quem veja também elementos comuns, comunais ou até geracionais (falo, outra vez, das leituras de Isaac e de Raquel).

Seja como for, a pluralidade de vozes sim me parece que pode ajudar para isso. O livro está dividido em tres cantos, emoldurados no início e no fim por dous poemas, e há várias simetrias e interrelações aí dentro. O primeiro canto está sustentado por uma voz coletiva, um coro, e desse coro acaba por se individualizar no fim do canto uma voz feminina. Essa mesma voz coletiva vai estar presente também nos outros cantos (marcada aliás em itálico); tanto no segundo, em que a voz masculina começa a viagem, como no terceiro, em que se produz o reencontro e a reuniom das várias vozes.

Para além de autor do “o livro do dragom”, estreas-te como diretor da coleçom álmafa. árvores e livros

Há nisto a conciliaçom entre desejo e possibilidade. O projeto de montar umha editora vem de mui atrás, mas neste momento vital isso para mim nom é viável. Entendo, entom, que é mais operativo, e até mais produtivo, trabalhar para viabilizar umha coleçom dentro do carimbo da Companha Editora, o selo da cooperativa gráfica Sacauntos. Isto permite-me fazer igualmente trabalhos de editor (de que gosto) com ritmo lento e acolhido a um projeto já existente, um projeto sólido e fiável que julgo mui meritório e com que até sinto afinidade política.

O projeto nom passa apenas por publicar, tem dous pés que estám referidos no próprio subtítulo da coleçom: as árvores e os livros …

Qual é a relaçom entre as árvores e os livros?

Bom, os dous ajudam a respirar, nom é? [sorri] Para além de umha questom mais filosófica ou geral, em que estas referências querem simbolizar a natureza e a cultura, e a necessária relaçom entre elas, estes dous elementos sintetizam um projeto que passa agora por publicar alguns livros e, mais para a frente, se possível, por arvorizar algum pedaço de terra que foi da família da minha nai na parróquia de Negros, em Redondela. Vamos ver como evolui o projeto mas, em qualquer caso, este nom tem ânimo de lucro e quer ser sustentável, autónomo e nom subalterno.

Tem também uma declaraçons de intençons bastante “política”.

O projeto quer ser de esquerdas. Obviamente, é um espaço modesto, tremendamente modesto, mas desde aí quer contribuir para o comunal, para a construçom, como digo, de espaços autónomos e nom subalternos. E como nom quer contribuir para sustentar ou reproduzir sistemas de representaçom subalternos, pretende marcar umha tomada de posiçom crítica com as correntes políticas e culturais maioritárias na Galiza autonómica, sim.

O que significa álmafa?

Álmafa é a adaptaçom gráfica de como em húngaro chamam à maceira. Os meus filhos nascerom na Hungria, e a primeira palavra que nós aprendemos em húngaro foi precisamente alma (maçá; fa é árvore).

O livro é um objeto mui cuidado, vam ser todos assim?

O objetivo da coleçom é publicar textos vinculados tanto às artes como às ideias, duas tipologias com o mesmo formato e feitura que, do ponto de vista formal, só se diferenciarám polo uso especular das tintas (negra e vermelha) nalguns espaços.

Quero destacar, no sentido que apontas, o magnífico trabalho feito por Denis em Sacauntos. Foi ele, a partir dalgumhas indicaçons minhas, quem desenhou a coleçom e quem tratou da diagramaçom e da capa do livro. O logo da coleçom parte do ex libris e recupera o lema renascentista de um dos primeiros impressores na nossa língua, que trabalha em Lisboa a cavalo dos séculos XV e XVI (“omnia omnibus”, “todo para toda a gente”). O dragom que aparece desenhado na capa, como um petróglifo ou um traço de giz, reproduz a pedra da serpe, umha escultura que está no lugar de Gondomil, na parróquia de Corme, Concelho de Ponteceso e que, ao que parece, é a única representaçom dumha serpe alada da Europa ocidental. A sugestom das tintas, de colocar as páginas de cortesia em vemelho (onde aparece a constelaçom do dragom a marcar o percurso da narraçom) é também feita por Denis.

Apresentache já o livro em Redondela, como correu? Tens previstas mais apresentaçons?

No dia 19 de novembro estivem no IES Mendinho, de Redondela, por convite de Olga Nogueira. Foi magnífico, mui emocionante… O que ia ser umha conversa no clube de leitura do centro acabou por se converter num recebimento com música, recitado de poemas e umha sala de actos cheia de estudantes e docentes, a perguntarem e mostrarem interesse polo livro. Um prazer imenso, a verdade.

Depois, no dia 21, estivemos na Casa da Cultura de Redondela, também graças à generosidade de Olga [Nogueira] e à colaboraçom da Asociación Alén Nós e de Berto Román, de Trespés. Foi um ato mais recolhido mas igual de emotivo, com presença de gente mui querida.

Haverá que organizar algumha apresentaçom em Compostela e, quiçá, também na Corunha, sim; a ver se para inícios do próximo ano. Vamos trabalhar nisso.

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