paradoxo de andar por casa

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É, para andar por casa. A minha língua oral é uma ferramenta comunicativo-identificativa, de grupo, de clã, marcada socialmente, e matizada cultural e politicamente, pelas suas modulações, prosódia e itens léxicos definidores. Em qualquer parte do mundo, acontece o mesmo. As variantes diafásicas, diatópicas e diastráticas, os usos cultos, marcas regionais e registros são parte das línguas, da Língua entendida como conjunto ou unidade histórica, e um fascinante campo de trabalho para os linguistas, gramáticos e eruditos.

O da oralidade, careceria de importância, se não fosse pela questão nacional, e pelos conflitos que estabelece como resistência, oposição ou marcação consciente ou inconsciente de uma identidade que colide com a que o Estado tem programado como universal.

E com os galegos, realmente, numa situação normal, careceria de importância. Apenas esse pequeno problema de que os “dialetos” orais não o sejam do castelhano, senão de uma outra variante troncal. Careceria de importância também que dialetos do português em uma forma antiga, rústica e crioula castelhanizada, fossem falados fora do território do Estado português, à outra beira da fronteira, no Estado espanhol.

Esqueçamos a questão política como política, das identidades e as nações. Ou tratemos a questão como política e identitária. Mas a outra questão é – como apontamos na semana anterior – que fazemos com a Língua de cultura, na Galiza, desglosada há séculos da língua da oralidade?

Não podemos continuar tratando de ter uma língua culta de andar por casa, sem esquecermos o contexto programado de esmagamento de todas as línguas não castelhanas no Estado espanhol e sem constatar que com a globalização e internet as línguas de uso são as das comunidades de usuários e utentes com que nos comunicamos na distancia do espaço e não mais as da proximidade. E não podemos também sem constatar a ausência de uma verdadeira maquinária político-institucional que proteja e promova o galego como língua culta geral.

O tempo demonstrou que há algo errado no projeto nacional-restaurador da língua defendido pelas maiorias desde os anos 70 na Galiza. Como enfrontarmos, com as armas e as teorias da “modernidade” ainda submersas no tempo e ideia Nacional, uma situação que não modifica muito o binómio medieval que distinguia o sermo rusticorum da língua culta?

Como construir uma língua culta: de zero? através de outra língua de cultura teito? imitando o castelhano como antano se imitou o latim, tratando de adquirir o seu prestígio e substituir os seus modelos? como construir plenamente o vulgar e elevá-lo à condição de língua culta? pode-se fazer isto no século XXI? tem lógica consumir esforços, políticos e sociais neste projeto?

O que é a Galiza? Um fragmento de Portugal encravado na Espanha? Uma negra sombra da Espanha no horizonte de Portugal? Mas e por que se definir à contrario? Por que ser nada, ou “o outro” ou “o alheio” quando podemos ser tudo?

Uma palavra de ordem popular e bem sucedida desde que a enunciou Ricardo Carvalho Calero lá pelos anos 80 do século anterior diz que «O galego, ou é galegoportuguês ou é galego-castelhano». Este aforismo resume boa parte da posição e conflito linguístico da Galiza, em termos de escolha e de fixação da identidade nacional, na ideia moderna e do papel nela das línguas.

Mas, e se ficamos com a realidade “medieval” existente? e se achamos normal o paradoxo da situação galega? E se achamos normal a existência de duas realidades linguísticas que devem ser tratadas, estudadas e consideradas, conservadas, e planificadas de jeito diferente?

E se consideramos que existe um plano oral, de uso social, e outro para a culta-escrita, e se deixamos a oralidade dentro do marco legal-administrativo que a considera como património a conservar e como realidade comunicativa e redefinimos o aforismo no que respeita apenas à construção da língua culta como: “O galego…? ou é português ou é castelhano”.

Máis de Ernesto V. Souza