A febre arredor induzida pelos carros elétricos ou híbridos, com tudo e o seu impossível de baterias, cabos, tomadas elétricas em expansão geométrica; os mil aparelhos eletrónicos conectados a edifícios e casas com sistemas, instalações e quadros elétricos antiquados fazendo consumo; as novas e absurdas políticas municipais de máximos e gerais, para regulação de trânsito e recolhida seletiva de lixo, em paralelo ao feche dos bancos e dos serviços da administração, substituídos pelos telemóveis, a conversão dos centros urbanos em espaços turísticos, tudo e mais que acontece evidencia para mim que o famoso colapso civilizatório, a grande crise ou crack do chamado primeiro mundo, está nas portas.
Não vou argumentar a respeito, quem tenha olhos que veja. E também não vou tratar de confrontar, de procurar estratégias (impossíveis de manter desde o exemplo individual ou de pequenos grupos ativistas) para que não aconteça; e não vou, não vejo como, tratar de me adaptar a toda esta filosofia de consumo e esbanje constante de produtos em forma de gastos compartilhados e circulação de bens sem valor. Tudo isso sim vendido como mal menor e apelo à responsabilidade individual e obriga de consumirmos ativamente produtos e sistemas em permanente atualização.
Tratarei, como até agora, de ir safando no possível. Não ligando a publicidade, nem aos informativos, não experimentando com panaceias, não acreditando nas filosofias do capitalismo, seguindo com os meus hábitos tranquilos de viver a vida e tratando de manter redes sociais analógicas. Não consumindo sem atender aos envoltórios e pacotes, não procurando inutensílios e confiando mais nos objetos sólidos e na memória de papel. Usando pouco e menos o carro. Deixando o telemóvel na casa e procurando agendar com vagar, a tratar de ter controle do meu tempo.
Já não somos donos do nosso tempo. Cada vez menos é uma das grandes características dos tempos modernos. Outros definem e as grandes empresas gastam imenso tratando de o dirigir. Mas não podemos ceder nem subcontratar esse controle. Não há nada mais valioso que o tempo, nem nada mais prioritário que recuperar o controlo da agenda e com ele o uso que fazemos e que queremos fazer do tempo.
Já não somos donos do nosso tempo. Cada vez menos é uma das grandes características dos tempos modernos. Outros definem e as grandes empresas gastam imenso tratando de o dirigir.
Realmente estaria bem que a sociedade espabilasse. Que entendesse que a prioridade é recuperar o tempo pessoal, porque os recursos não são infinitos, nem tão assim recicláveis; e que as mais das propostas e anúncios, apenas são remédios paliativos, anestésicos a lesões e danos realmente profundos.
Pessoalmente, cada quem é livre de acreditar na religião e crenças que lhe pete, eu considero que o colapso está aí, é o resultado lógico do jeito em que nos temos lançado à vida. Pode tardar mais ou menos ou afetar parcialmente à sociedade. Total já existiram escravos, impérios e colónias e terceiros mundos e as exclusões quanto os desequilíbrios individuais, sociais e regionais não vão espantar ninguém: Homo homini lupus.
Decrescer propositadamente como sociedade é impossível, lutar contra a mudança climática, desplastificar ou controlar o lixo também. Vai na mesma. Por igual que lutar contra a desigualdade, quando a desigualdade é a chave do sistema económico, produtivo e social. Portanto, filosofar ou escrever sobre como deter o colapso, colocar medidas políticas, públicas e sociais para o enlentecer é perder tempo e um amargurar-se os consciencializados.
A questão talvez é pensar em positivo e preventivo, assumir que o colapso civilizatório, um outro, é para já e, no possível, ganhar tempo a compilar, arquivar, disponibilizar, editar e publicar, em papel, os guias de sobrevivência, experiência, produção, e manuais práticos para uso depois de um colapso.
Pode ser divertido dar uma revisão à erudição individual em forma prática compartilhada. Acumular o conhecimento hoje obsoleto ou em via de desaparição, re-ver e arquivar, atualizar as tarefas e técnicas dos velhos ofícios, as arquiteturas eficientes, a engenharia; as máquinas e processos já quase perdidos do mundo artesanal e no rural que desaparece, os tempos e trabalhos dos velhos ciclos camponeses; os esquemas e as máquinas sem motor elétrico, a tradição mecânica da era pre-industrial e industrial primeira, dos moinhos e vapores, as dos renascentistas, a tecnologia de chineses, romanos, gregos, dos antigos, e a viva e em uso no mundo ainda não plenamente moderno. Tudo quanto não depende dos combustíveis, nem da eletricidade, nem da eletrónica. O que não depende deste modelo de civilização mas teria utilidade em caso de naufrágio.
Aconteça amanhã ou dentro de 100 anos, seria bom que estivessem aí, a mão, por se há caso.