A Trilogia de Vedra fecha o círculo com André, o último livro escrito por Óscar Senra Gómez. Inaugurava a tríada o livro Sete dias com Elisa lançado no 2020 e continuava com 1928 km no 2021. Ambos publicados por Através Editora. Falamos com Óscar para conhecer melhor a história que fica trás o André.
Antes de começar, é importante assinalar para quem se achega por primeira vez à Trilogia de Vedra, que cada livro incluído na mesma pode ser lido de maneira independente. Como se complementam os três livros entre si? Deve ficar temeroso quem chegue ao André sem ler previamente os títulos anteriores?
Ainda que os três livros seguem uma sequência cronológica, cada um deles gira ao redor de uma história principal que se resolve de forma independente aos outros livros. No entanto, é claro que partilham personagens, espaços e fios narrativos que os convertem numa trilogia, e que a leitura dos três dá maior sentido à história comum que há de fundo.
Se o primeiro livro em cair nas tuas mãos é André, comprovarás o que comentei antes, que contém uma história principal que se abre e fecha no próprio livro, sem necessidade de ter lido os anteriores. De facto, mesmo se leste os anteriores, descobrirás que várias das personagens principais não apareceram nunca, como André ou Lilja, ou não tiveram tanto protagonismo, caso de Sabela e Enar. Além disso, ainda que Vedra é o lugar comum nos três livros, daí o nome da trilogia, em André a Noruega será um cenário fundamental da narração.
Achas que pode ser mesmo curioso ler a Trilogia em ordem diferente, na que se brinque com os tempos, os lugares e as personagens?
Pode! Romper a ordem cronológica talvez ofereça novas hipóteses a quem lê. É uma trilogia onde as certezas partilham lugar com as dúvidas e as possíveis mentiras. Não há, portanto, uma sucessão unívoca dos acontecimentos que desvelem uma verdade ou desemboquem numa solução a nada. Quanto mais penso em André, mais o imagino como uma lanterna que se acende para atrás, derramando luz sobre os livros anteriores. Assim sendo, começar por ele faria sentido. Mas esta trilogia tem muito de viagens e aventura, e, à vista disso, principiar pola viagem narrada em 1928 km, teria também certa lógica. Por não falar, é claro, do acertado que seria encetar a leitura por Sete dias com Elisa. Deixo melhor a decisão nas vossas mãos.
André é o título que fecha a Trilogia de Vedra. Elisa (a avoa do André) junto a Amália, eram as protagonistas dos primeiros dous livros. Por que agora André? Que lugar ocupa agora o neto nesta nova história?
André é uma criança mui imaginativa que viveu os seus primeiros anos em Bruxelas e que se adaptou rápido a Vedra. Chegou à vida de Elisa e Amália para alegrar-lha, e dar-lhes preocupações em parecida medida. Muito mais não podo contar sem fazer ‘spoiler’! Em qualquer caso, ele não é a personagem principal do romance. O seu nome é o título porque me apetecia deixar uma janela aberta ao futuro, à esperança, tanto para a história como para outras temáticas que me preocupam e vivem no subsolo da trilogia, como o androcentrismo ou a masculinidade hegemónica.
Em André, a ação mais intensa está com a Sabela (mãe de André), o Enar, e a Lilja em Oslo. Ao mesmo tempo na Galiza, Elisa, Amália e mais o André aparecem como contrapeso a esta ação.
Não podia avançar na história num lugar e não no outro. Elisa reclamava-me presença, não tanto por contrapeso, senão como reflexo disso que digera Simen, o seu marido, do incrível que lhe parecia que em Vedra houvesse exatamente a mesma hora que em Ålesund, a sua cidade de origem. Como se falasse de duas realidades diferentes, dous mundos paralelos que não deveriam coexistir no tempo. É um pensamento simples, mas que pode ter conotações diversas segundo se leia a história.
O ambiente criado lembrou-me em certa maneira à novela negra e sagas policiais da literatura escandinava. Há alguma intencionalidade cara este mundo? Porque Noruega desta vez?
Muita ficção policial nórdica tenho lido, como Karin Fossum, e isso sem dúvida influenciou alguns detalhes. Também não podo negar que o inspetor Harry que aparece em André tomou o nome de Harry Hole, da saga do escritor norueguês Jo Nesbø. Mais como brincadeira que como homenagem, já que as nossas som formas de narrar bem díspares e fujo ativamente de protagonistas masculinos desse estilo. Sim é uma homenagem o apelido de Sabela e Enar, Fredberg, que nasceu de jogar com o nome da minha admirada escritora Fred Vargas.
Depois, a Noruega é o país de origem de Simen, o marido de Elisa, já falecido antes do começo da trilogia, e cujo passado marca boa parte da história comum e que será a razão da viagem de Sabela e Enar a Oslo e Ålesund. Não escolhim a Noruega por outra razão. Foi como se me vinhesse dado, a primeira vez que escrevim sobre ele tinha claro de onde procedia sem saber o porquê. Talvez seja o meu desejo de viajar lá. Nunca estivem!
Alguma consideração que queiras acrescentar.
Só dizer que para mim André representa uma despedida. Dificilmente voltarei a Elisa, Amália, Sabela, Enar, André ou Lilja. Sentia como essas personagens me impeliam a finalizar este livro, e foi-me incómodo escrevê-lo. Situei-me num lugar fora da minha zona de conforto, o qual também foi mui enriquecedor. E agora que o vejo impresso, noto como já se despedem de mim. A sua história ficou completa. Indecisa, incerta, e sem vontade de acertar, mas é a história que me pedirom. Oxalá gostedes.