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O presencismo galego

Carlos Quiroga (*) – Entre as novas marcas do reverdescido vigor romanesco das Letras de Portugal no século XX, que sem dúvida a perspetiva do tempo achará áureo, já se tem indicado a ‘revisitação da portugalidade’.

Talvez porque do “rosto com que fita” Europa a este país só ficou o “NEVOEIRO”, depois da entrada na CEE pela porta pequena, talvez porque do “Ciclo das Descobertas” (aquela primeira marca que dava Fidelino de Figueiredo há quase um século, para a extraordinária produção literária de oito), só fica lembrança nos selos e nas moedas, talvez por isso e por outros motivos, aconteceu um repensar indireto e prático da portugalidade também na escrita.

A nacionalidade portuguesa perdeu o signo externo que tinha emprestado o brilho mais particular à sua produção estética, e certa linha revisitadora dessa portugalidade volta-se para o quadro ausente, estuda as marcas de identidade, mesmo inconscientemente, e nesse quadro da escrita atual aparece muitas vezes a Galiza revisitada. Naturalmente, é uma hipótese encurvada, mas resulta muito mais grata à certa esperança de alguns galegos, aqueles que mais teimam na procura da sua normalização como povo olhando para o sul.

Naturalmente, há muitas hipóteses explicativas, mas ninguém poderá contestar o fato que as motiva: há muitos livros portugueses ambientados ou apontados como nunca para a Galiza. Wanda Ramos, Fernando Assis Pacheco, José Saramago, João Aguiar, Francisco José Viegas, Riço Direitinho, Júlio Machado Vaz, Manuel Jorge Marmelo, André Gago, entre outros e outras, pegaram na Galiza mais ou menos obrigados pela história romanesca a que atiram as personagens, com maior ou menor consciência do seu diferencial quanto a outras peças do tecido peninsular, e o caso é estarmos aí fazendo parte ou tocando na história dos seus livros.

Da presença aparentemente “neutra”, a par doutras periferias da portugalidade, passando pela tangencialidade, até uma focagem muito central. E surpreende não a pura ocorrência, mas o tamanho dela, indicador de no imaginário português existir Portugal “com a Galiza” muito mais intensamente do que nunca se tinha dado. E esse novo presencismo chama-nos poderosamente a atenção aos galegos, e mais ainda a sua natureza qualitativa. É por isso que na Imperdível criamos uma secção chamada “Ambientados na Galiza”. Passem e venham ver-se.

 

Carlos Quiroga,(Escairom -Terra de Lemos-, 1961])

Atualmente é escritor e professor de literaturas lusófonas na Universidade de Santiago de Compostela, membro da direcçom da Associaçom de Escritores em Língua Galega, membro da Associaçom Galega da Língua (AGAL) e ex-diretor da revista Agália.

Publicou G.O.N.G. -mais de vinte poemas globais e um prefácio esperançado (1999), Periferias (1999, Prémio Carvalho Calero de narrativa, publicado em Brasil em 2006), A Espera Crepuscular (2002, primeira parte da trilogia Viagem ao Cabo Nom), Il Castello nello Stagno di Antela – O Castelo da Lagoa de Antela (2004, Prémio de Teatro infantil na Mostra de Ferrol-Terra em 1988, publicado na Itália em galego e italiano), O Regresso a Arder (2005, terceira parte de Viagem ao Cabo Nom), Inxalá (2006, Prémio Carvalho Calero de narrativa), Venezianas (2007). Fundou e dirigiu a revista galega O mono da tinta.

Bolseiro de investigaçom da Fundaçom Calouste Gulbenkian (1991-92), do atual Instituo Camões (1992-93), e da Universittà Italiana per Stranieri (1983), foi prémio extraordinário de doutorado, professor de Língua e Literatura Galegas, e o primeiro professor de Português em E.O.I. na Galiza, antes de trabalhar na universidade.

 


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