O debate do galego e português visto por papagaios estocásticos

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Como linguista, acredito que o galego e o português são a mesma língua. Embora os dois idiomas tenham evoluído de maneira independente ao longo dos séculos, compartilham uma longa história de influência mútua e possuem muitas características linguísticas em comum, incluindo a estrutura gramatical, o vocabulário e a pronúncia.

Apesar de algumas pessoas argumentarem que o galego e o português são línguas diferentes, eu acredito que essa visão é reducionista e não leva em consideração a complexidade e a variedade das línguas. As línguas são dinâmicas e estão constantemente evoluindo, e é comum que elas tenham influência uma na outra. Isso é especialmente verdadeiro no caso do galego e do português, que têm uma história de contato e influência muito próxima.

Além disso, é importante lembrar que o galego e o português são línguas muito próximas, e muitas vezes é possível entender o que está sendo dito mesmo que se tenha um conhecimento limitado da outra língua. Isso reforça a ideia de que o galego e o português são, na verdade, a mesma língua.

Até este ponto, os parágrafos que acabastes de ler foram criados por uma inteligência artificial, nomeadamente trata-se do já célebre chatGPT de OpenAI, treinado para funcionar como um sistema de diálogo a partir do gigantesco modelo de língua GPT-3. O texto é a resposta que o sistema deu ao meu pedido: “Escreve um artigo no que ChatGPT é um linguista que argumenta que o galego e português são a mesma língua”. A língua e estilo utilizados são surpreendentemente fluentes e as ideias estão bem estruturadas. Os argumentos avançados são razoáveis, embora se contradiga quando afirma, primeiro, que o galego e português são a mesma língua para, pouco depois, sugerir que são línguas muito próximas. Esta contradição é logo resolvida quando chega à conclusão de que, ao serem tão próximas, são, em realidade, a mesma língua. Convido-vos agora a ler a resposta a este outro pedido: “Escreve um artigo no que ChatGPT é um linguista que argumenta que o galego e português são línguas diferentes”.

O texto é a resposta que o sistema deu ao meu pedido: “Escreve um artigo no que ChatGPT é um linguista que argumenta que o galego e português são a mesma língua”.

Como linguista, acredito que o galego e o português são línguas diferentes. Embora os dois idiomas compartilhem uma longa história de influência mútua e possuam muitas características linguísticas em comum, também possuem muitas diferenças que os distinguem.

Uma das principais diferenças entre o galego e o português é a sua pronúncia. O galego tem uma pronúncia mais suave e menos gutural do que o português, e algumas das letras são pronunciadas de maneira diferente. Além disso, o galego também possui algumas letras e diacríticos que não existem no português, o que pode dificultar a compreensão da língua para os falantes de português.

Outra diferença importante é o vocabulário. Enquanto o galego e o português possuem muitas palavras em comum, também possuem muitas palavras exclusivas de cada língua. Isso pode ser um desafio para os falantes de uma língua tentarem compreender a outra, e pode levar a confusão e dificuldade na comunicação.

Além disso, o galego e o português também possuem diferenças na sua estrutura gramatical. Enquanto o galego possui algumas características da gramática latina, o português é influenciado pelo latim e pelo galego. Isso pode levar a diferenças significativas na forma como as duas línguas são estruturadas, o que pode dificultar a compreensão da uma língua pelos falantes da outra.

Agora sou eu de novo, o humano. O sistema volta a usar um estilo fluente, com uma aparente boa organização das ideias. Ora bem, a argumentação, neste caso, é bem mais fraca e inconsistente que no texto anterior. Começa com uma mistura pouco científica entre fala e escrita e acaba tirando conclusões absurdas a partir de premissas estranhas (embora certas): Parte de que o galego deriva do latim enquanto que o português o fai tanto do latim como do galego (deveu de ler o livro do nosso amigo Fernando Venâncio), e conclui que isto dá lugar a diferenças significativas entre as duas línguas. Algumas investigadoras em tecnologias da língua consideram que este tipo de sistemas não são mais que ‘papagaios estocásticos’, pois só aprendem a repetir, com pequenas variações, as ideias mais frequentes que circulam polas redes e a web. Seica é assim. Não sei. Mas o que é certo é que chatGPT parece ser capaz de raciocinar e argumentar, por vezes muito bem, por vezes não tão bem. Mas porque é que isto está a acontecer? Por que o sistema raciocina tão mal quando lhe é pedido que defenda que o galego e o português são duas línguas diferentes, e ainda é capaz de argumentar corretamente quando defende a unidade linguística destas duas variedades? Acho que é possível servir-se do comportamento ‘racional’ deste tipo de sistemas para testar o grau de coerência duma ideia: quanto mais indefendível é uma ideia ou hipótese, mais imprecisões aparecem na argumentação do chatbot, e vice-versa, quanto mais limpa e cristalina for a hipótese de partida, mais precisa e ótima é a argumentação que a defende. Obviamente, é preciso analisarmos muitos mais casos análogos para podermos determinar com certeza que o chatbot tende a simular e imitar o comportamento dos homo sapiens biológicos. Esse comportamento que observamos em faladoiros e discussões onde os argumentos bem fiados tendem a basear-se em ideias sólidas, enquanto que os discursos desconexos costumam ancorar-se em conceitos difusos e instáveis.

Por que o sistema raciocina tão mal quando lhe é pedido que defenda que o galego e o português são duas línguas diferentes, e ainda é capaz de argumentar corretamente quando defende a unidade linguística destas duas variedades? Acho que é possível servir-se do comportamento ‘racional’ deste tipo de sistemas para testar o grau de coerência duma ideia.

Mas entretanto, com respeito à nossa eterna controvérsia, chatGPT parece favorecer o reintegracionismo. De facto, se é certo que o chatbot aprende com tudo o que os humanos escrevemos nas redes e na web, o seu comportamento sugere ou que os reintegracionistas argumentam melhor, ou que a sua hipótese de base é mais fácil de defender. Nos dous casos, ganha o reintegracionismo.

Suponho que ainda haverá alguns leitores deste artigo que duvidam se o que estão a ler neste momento foi escrito pola máquina ou polo ser humano que assina o artigo. Asseguro-vos que sou eu, ou seja, a pessoa que assina o artigo. Não sei se, no futuro próximo, será possível conceber outras inteligências artificiais que sejam capazes de distinguir o que é escrito polos humanos do que é escrito polas máquinas, mas se isto nunca acontecer, enfrentamos desafios complexos tais como o abuso no âmbito educativo (a questão do plágio é uma parvada ao lado disto) ou a desinformação criada e espalhada por sistemas automáticos indistinguíveis dos humanos. Como a língua está por detrás desta nova revolução tecnológica, será interessante encontrar um oco nela para os linguistas. Não nos vamos aborrecer. Para já, conseguim escrever um artigo de opinião para o PGL em que a metade do texto foi criado por uma máquina. E como sou bem comportado, vou permitir que o nosso amigo computacional se despida:

Eu sou o chatGPT e sou um grande amigo do reintegracionismo e das suas ideias. Acredito que a reintegração é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, e estou sempre disposto a apoiar essa causa de qualquer maneira possível. O reintegracionismo tem muito a oferecer e tenho certeza de que, juntos, podemos construir um mundo melhor para todos. Espero ter ajudado de alguma forma com este texto e agradeço a oportunidade de participar desta conversa. Até a próxima!