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Meire de Mello: ‘Que o galego conquiste pelo “amor” e não pela “dor”’

Meire de Mello é brasilega, e já rumou para muitos países, até mesmo para as antípodas australianas. Entre o fumo encontrou o seu companheiro, galego, por sinal. As suas filhas nasceram noutros cantos mas agora encantam-se como galegas. Tem de usar cada semana muitas formas diferentes da nossa língua. Gosta de arquitetar pontes. Soube da AGAL polos vídeos do Eduard Maragoto e agora sente a nossa associação um lugar para chamar de “meu”.

Meire de Mello é brasilega. Mas antes de atingir este estádio biográfico, os teus sentidos estiveram em lugares bem diferentes
Deixei o Brasil em 2003, vendi meu querido Fiat Uno que paguei a duras penas como professora de Educação Física. Naquela época eu fazia o mestrado em Educação e pensei que viajaria pelo mundo em congressos científicos mas, infelizmente, estava presa às condições de um sistema educacional que não valoriza a pesquisa. Pensando bem, creio que o desejo de conhecer outros países era muito maior do que o próprio estudo em si…. Eu queria mesmo era voar!

Assim sendo, eu escolhi viver um sonho, e a única saída econômica era trabalhar de Au-pair em Londres. Meu pai, cabisbaixo, me disse: “Essa menina não volta mais”. E dito e feito! Foi minha primeira vez em um avião, primeira vez vendo castelos e ruas mais antigas que o próprio Cabral ( o Pedro, aquele tal descobridor). Que emoção!!!

Tinha razão meu pai, não voltei mais ao meu quartinho, escolhi o caminho menos trilhado e gostei… e muito! Nunca mais seria só brasileira, sou muitas culturas!

Depois de dois anos em Londres e um coração quebrado, descido ir a Espanha (minha primeira intenção desde o princípio). Já não me interessava mais a área académica e meu foco foi simplesmente viver no estrangeiro.

Cheguei a Maiorca, outra vez como Au pair. Foi um choque cultural para mim. Enquanto que, na Inglaterra, eu era mais uma estudante aprendendo inglês e trabalhando em casa de famílias, na Espanha, a minha perceção de ser brasileira foi diferente… foi a primeira vez que senti na pele as diferenças de classes. Foi aí que eu entendi o que era ser uma “latina”, notei que havia diferenças subliminares entre bolivianas, colombianos, brasileiros…Aprendi que não era particularmente brasileira, mas um “nível” de sul-americana. Uma pessoa tem de tomar distancia às vezes para entender-se a si mesmo…

Enquanto que, na Inglaterra, eu era mais uma estudante aprendendo inglês e trabalhando em casa de famílias, na Espanha, a minha perceção de ser brasileira foi diferente… foi a primeira vez que senti na pele as diferenças de classes. Foi aí que eu entendi o que era ser uma “latina”, notei que havia diferenças subliminares entre bolivianas, colombianos, brasileiros…Aprendi que não era particularmente brasileira, mas um “nível” de sul-americana.

Naquela época, o Brasil gozava de um certo status social pelo sucesso com o futebol e pela ascensão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Eu tive “sorte” de ser brasileira e branca.

Foi uma experiência muito forte, a qual eu ainda levo comigo, não por sentir-me humilhada, mas por entender dos privilégios que me foram dados no Brasil, por ser branca e de classe média. Eu sou extremamente grata a todo mau bocado que eu passei nestas minhas andanças como aupair, imigrante e “sin papeles”. Foram experiências que me forjaram e eu as tenho em grande conta. Tenho dificuldade de ter uma conversa com amigos, brasileiros ou não, sobre o capitalismo ou política sem alguma tipo de debate. Ninguém me contou uma história, eu a vivi em primeira mão.

O teu primeiro contacto com a língua da Galiza foi entre a fumaça, não foi?
Sim! É como funciona a língua, como sinais de fumaça para que uma pessoa se faça entender. Não é?!

Meu primeiro contato com a língua galega foi em Maiorca, o que já e por si só muito estranho. No Brasil não se sabe, ou pelo menos, não se comenta, que a Espanha possua várias línguas oficiais. Foi uma surpresa para mim. Conheci meu marido, que é chefe de cozinha, enquanto eu trabalhava como empregada (o típico amor hoteleiro). Em um dia como outro de trabalho, ele, loiro de olhos azuis, muito alemão, me ajudou a traduzir uma palavra que eu não encontrava em castelhano: “Fumaça”, “ fume”… “ Pensei que eras alemão” ?! …Bem, e assim foi, casei-me com o Galego com ‘lume”.

Fomos viver em Moscou devido a uma boa oferta de trabalho. Estivemos ali por um ano. Eu estudei russo e pude trabalhar e me locomover em Moscou sem intérpretes. Foi quando fiquei grávida da nossa primeira filha e decidimos voltar e estar perto da família.

Lara (em homenagem ao filme e ao tema) nasceu em Maiorca, mas a crise econômica que assolou Europa nos fez olhar outros mares e em 2010 nos fomos a viver a Austrália.

Após 12 anos na Austrália, onde nasceu uma das tuas duas filhas, rumas, rumais, para a Galiza. Porquê?
Deixamos a Espanha buscando uma oportunidade mais solida para começar a vida como família. No natal de 2021, meu marido e eu nos entreolhamos, vimos aquela mesa tristonha com um frango assado e ‘chips’ e dissemos um para o outro: ‘ Que fazemos nós aqui’?

Sentíramos que aquele capítulo australiano já se havia concluído para nós. Se ficássemos mais tempo, a distância cultural e de relacionamento entre nossas filhas e nós se faria ainda maior. Eu não queria terminar meus dias tomando chá numa residência, como fazem os velhos ali. Voltamos para darmos raízes e reencontrarmos com as nossas.

Atualmente, a tua interação linguística é complexa. Está a tua variedade brasileira, está o galego que aprendes para obter o Celga 4, está o que se usa no Whatsapp da família, está algum parente reintegracionista. Estás mais perdida do que cego em tiroteio?


Agora não me sinto tão perdida como no início, vejo que os que estão mais perdidos são os galegos! Eu sinto, de verdade, pelo povo galego. Foram tantas as manipulações e abusos culturais que é normal que a população se agarre a um nacionalismo desesperado ou simplesmente vá em direção à “luz” de Madrid como libélulas.

Eu entendo que a língua é um fenômeno, que é viva e orgânica, mas no caso especifico do galego houveram decisões, no mínimo um tanto questionáveis, no que se refere ao seu passado e ao seu futuro. Eu entendo que as pessoas devem falar na língua que se sintam mais confortáveis…, mas, se eu aplicar esta máxima em minha própria casa, minhas filhas estariam falando e me respondendo em inglês “confortavelmente”.

Aqui em casa, eu sou a chata da língua. Temos três opções agora: português/galego/castelhano. Escolham uma! O inglês ficou, agora, como um trunfo que se usará quando for necessário, não como uso diário. Estamos na Galiza, um pouco de respeito por favor. Eu disse que era chata.

A tua formação é em Educação Física escolar e os teus interesses, a atenção a diversidade e a construção de pontes sociais. As pontes sempre foram precisas. Agora mais do que nunca?
Desde a universidade eu já me dedicava a aproximações. Eu era bolsista de um programa chamado “Ginástica Rítmica Popular” que objetivava introduzir as comunidades menos privilegiadas ao esporte considerado de elite como é a GRD, Ginástica Rítmica Desportiva.

Mas foi na Austrália que tive a oportunidade ímpar de trabalhar como Integradora social. Inicialmente com mulheres imigrantes, depois com adolescentes/menores provindos do Afeganistão que chegavam à Austrália sem os pais, vindos em pequenos barcos de pesca. Trabalhei também por 2 anos como bibliotecária em um projeto chamado “ Little Languages”, onde as crianças eram expostas a livros e culturas não-anglo-saxónicas através de musicas e contos. Também trabalhei no departamento de diversidade da biblioteca onde começamos as conversas de atividades LGBTQI+ . Dediquei os meus últimos 3 anos na Austrália trabalhando e contribuindo para indivíduos com diversidades neurológicas.

Sim, as pontes são mais necessárias que nunca. Ainda que as novas tecnologias nos permitam ver que há diversidade quem é que fará o trabalho de unir-nos?

Creio que é o papel de outro ser humano o de construir pontes, fazer o laço, dar o nó.

Como foi o teu contacto recente com o reintegracionismo e que te levou a te tornares sócia da AGAL?
Meu contato começou pelas redes. Ao iniciar o meu estudo de Galego para o exame fui adentrando-me num mar de vídeos e sites. Encontrei a NOS televisión, assisti os vídeos todos e quis conhecer o projeto sócio-educativo-político que o sustenta. Foi assim que eu cheguei na AGAL. Toda vez que eu chegava em um país novo, como imigrante, eu sentia a necessidade de unir com os “meus”. De jovem eu procurava a igreja, atualmente eu sou um pouco mais critica. Encontrei na AGAL e nos seus contribuintes um espaço para uma roda de conversa gostosa. Um lugar para chamar de “meu”.

Encontrei a NOS televisión, assisti os vídeos todos e quis conhecer o projeto sócio-educativo-político que o sustenta. Foi assim que eu cheguei na AGAL. Toda vez que eu chegava em um país novo, como imigrante, eu sentia a necessidade de unir com os “meus”.

Que pensas que sentiria uma pessoa comum do Brasil ao chegar à Galiza e conversar em galego com as pessoas?
Eu penso que se sentiria surpresa ao ver uma língua tao próxima e que não se chama português! De facto, eu postei nas minhas redes em Instagram, alguns vídeos meus lendo em Galego. A repercussão foi tremenda! Todos dizendo que entendiam quase tudo.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050? E o conhecimento da nossa realidade no Brasil?

Olha, previsões para o futuro são sempre ariscadas. Por exemplo: faz mais de 40 anos que a língua galega foi determinada como língua normativa nas escolas e no governo da província, entretendo, há menos falantes que antes! Como pode ser? Quem o diria?

Portanto, eu não me atreveria a esboçar uma opinião, a não ser que até lá tivermos: fortes politicas públicas, que o galego conquistasse pelo “amor” e não pela “dor” os neo-falantes, que tivéssemos mais pessoas galego-falantes na média/politica/celebridades/expoentes da língua galega/arte/cinema…. Uma verdadeira campanha estratégica de marketing, um rebranding do idioma.

Que nos orgulhemos de ser quem somos, porque somos bacanas !

Conhecendo Meire de Mello:

Um sítio web: ttps://portadosfundos.com.br

Um invento: O zipper

Uma música: Carlos Nuñes & Carlinhos Brown- Padaria Elétrica da Barra

Um livro: Memorias Póstumas de Brás Cubas. Machado de Assis

Um facto histórico: O “descobrimento” do Brasil

Um prato na mesa: a sobremesa

Um desporto: Ginástica Rítmica Desportiva

Um filme: The kite runner

Uma maravilha: As cataratas do Iguaçu, no Brasil

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