A Grileira é uma loja de música e instrumentos artesanais com longa história no bairro compostelano do Sar. Vocacionada em especial para a música de raíz, A Grileira que hoje conhecemos é fruto do trabalho e do carinho de duas gerações. Com o começo deste novo curso, a Grileira incorporou no seu catálogo vários produtos da Através, nomeadamente aqueles relacionados com a música. Consoante ao formato familiar, o atual gerente do negócio Tomé Mouriño quis falar com a Através para não limitar a relação a uma troca mercantil: um dos interesses do projeto é construir uma rede comunitária de verdade, continuar a ser uma loja de bairro que fala com as vizinhas. A Através também quis saber um bocado mais sobre o seu novo cliente e dar a conhecer, com esta conversa, qual é esse modesto e amável lume que tantos anos leva prendido, de maneira continuada, no número 17 da rua do Sar.
Tomé, podes contar-nos a história da Grileira?
Pois a Grileira é uma loja que meu pai abriu há quase 40 anos.
Através da oficina de instrumentos e do seu trabalho como luthier surgiu a ideia de poder ampliar os materiais disponíveis às clientas e abrir uma loja especializada nos instrumentos da tradição galega como os tamboris, as pandeiretas, os acordeões ou as gaitas. A partir desse momento, a loja consolidou-se em Santiago como uma das lojas de música mais relevantes e estabelece uma relação assaz estreita com a clientela. Tanto com a que quer começar e busca conselho sobre o que fazer como com outra que já está dentro e quer profundar em conhecimentos ou simplesmente cuidar o seu instrumento.
Quando meu pai se reforma surge a pergunta de se fechar a loja e é aí que eu tomo as rédeas do projeto para poder continuar a cuidar a gente que quer desfrutar da música. Gosto de sentir que, ainda que seja com um grãozinho de areia, consigo projetar na loja as minhas inquietações pela música de raiz.
Nesta altura temos marcado um objetivo de unidade entre as diferentes culturas e os seus instrumentos para, a partir da música galega, poder expandir a outros lugares.
Conta-nos mais deste projeto. Como conseguir essa unidade?
Estabelecemos conexão com outras artesãs que fabriquem instrumentos musicais quiçá menos conhecidos na nossa cultura: instrumentos portugueses, brasileiros… Também buscamos a celebração de mostras musicais, palestras, concertos que favoreçam o conhecimento e valorização de outras culturas.
Fala-nos mais da vossa história. Donde é que vem o nome da loja?
Pois bem, este nome é divertido e tem dois significados. Primeiro, meu pai elegeu-o pelo nome que tem uma gaita afinada em re, a gaita grileira, que faz um som muito agudo parecido com o dos grilos na noite. Depois, eu, quando criança, imaginava que a Grileira era uma jaula de grilos. Hoje gosto da essência que tem a loja porque, afinal, é quase o mesmo: uma jaula com muitos pequenos objetos que fazem sons e que há que libertar!
Então estais especializadas na música de raiz galega?
Pois é. Mas não só. Com a minha chegada tentamos gerar conhecimento e variedade também de instrumentos que possam ser interessantes para a nossa clientela e que provenham da música de raiz de outros povos.
Como sobrevive um negócio artesanal e local numa cidade?
Sempre dizemos que as chaves estão no trato ao produto e com a clienta. Nós jogamos com produtos artesanais e, sempre que possível, de comércio local, com valores fortes, então o pessoal que chega a nós sabe o que valem produtos deste tipo, que não são feitos em cadeia. Hoje temos já muita clientela assídua que confia no nosso critério para solucionar os seus problemas.
Quanto ao vosso interesse na tradição: mantendes contacto ou relação com vendedoras ou produtoras portuguesas?
A verdade é que há uns anos atrás que existe uma maior relação com Portugal, não só pela tradição musical, que é bastante parecida com a nossa, como também pela língua e portanto pela poesia das suas músicas.
Após umas viagens que fiz aos Açores, fiquei absorto com uma guitarra, a viola dos três corações. A partir daí e depois de conhecer vários músicos que levavam consigo instrumentos portugueses reparei na riqueza que há em Portugal quanto aos cordofones dedilhados: a viola amarantina, a beiroa, a braguesa, a de arame…
Desta paixão parte a ideia de colaborar com artesãs portuguesas que hoje temos à mão na Grileira e que trabalham connosco quando há clientas interessadas em profundar noutros cordofones, além da guitarra clássica convencional.
Há algum produto estrela na Grileira?
Além de, como calcularás, a gaita, destacaria ainda mais dois instrumentos: um pelo seu êxito nos últimos anos, a pandeireta, e um outro que tem também grande sucesso embora seja bem desconhecido, que é a flauta de nariz, o instrumento mais divertido que já vi!
Que produtos da Através tendes incorporado no vosso catálogo?
Trata-se de uma seleção feita pela própria editora de acordo com as nossas próprias particularidades.
VICENTINHO E AS ÁRVORES DA PAZ: Com este trabalho, o principal objetivo de Touporroutou é a escuita e leitura de contos em galego, transmitindo mensagens que falam de paz, solidariedade e respeito pola natureza, bem como o conhecimento de instrumentos e sonoridades pertencentes à tradiçom galega, junto com outros pertencentes a outras culturas.
UMA DESCIDA EM PARAQUEDAS Á VIOLA DE GAMBA: Num mundo de consumo imediato urge reflectir e questionar a música que ouvimos (e a que não ouvimos), como a ouvimos, porque a ouvimos, para que a ouvimos. A globalização e cosmopolitismo dos nossos tempos, por outro lado, podem ser oportunidades para nos abrirmos a diferentes poéticas musicais que, por serem o produto de diferentes culturas, tempos e mundividências, não podem senão enriquecer-nos. É este o caminho aqui traçado por Xurxo Varela, desconstruindo mitos e preconceitos por um lado e, por outro, lançando as sementes e os alicerces que auxiliarão o leitor numa vivência mais plena da arte de Orfeu.
O POVO IMPROVISADOR: Neste livro Sechu Sende fala sobre umha capacidade que todas as pessoas possuímos e podemos desenvolver: a poesia. O povo improvisador é umha reivindicaçom de que tu também podes ser regueifeira. O povo improvisador transmite energia para mudar o mundo através das palavras.
NOENTE PARADISE: Ugia Pedreira atirou ao público, desde antes dos remotos tempos de Chouteira, voz e olhadas, mesmo sinais. Agora atira-se ela sem mediação. Resgata as retóricas que arrouparam músicas eclécticas, marfulianas, nordestinas ou matraqueiras e acrescenta-lhes cantigas ainda não musicadas (leia-se poemas à percura de melodias).
GUITARRA GALEGA: Isabel Rei Samartim vai propondo diferentes perspetivas de abordar tanto o(s) instrumento(s) e seu trajeto em termos organológicos, como também outras his/estórias que lhe estão ligadas: intérpretes, compositoras/es, acervos, escolas, eventos, ou mesmo identidades sociais e locais que se foram associando a esta teia complexa desde o século XII até ao século XX.
ESTAMPAS GALEGAS: Estampas Galegas é o último trabalho de Berlai: Uma mistura de música, pequenos relatos e ilustrações falando sobre a Galiza de hoje, homenageando o Cousas de Castelao. A música e os relatos foram compostas por Xiao Berlai e as ilustrações vão da mão do Leandro Lamas. Som 10 Estampas (música-relato-ilustração) baseadas em experiências vitais ou reflexões de Xiao Berlai
Alguma mensagem para as leitoras do PGL?
Que se nalgum momento tivessem interesse na música em qualquer âmbito da sua vida, quiçá na Grileira possam encontrar algo que lhes interessar, tanto ao nível da escuta como para tocar ou mesmo ler! Afinal, tudo é encharcar-se de uma arte tão bela e essencial como é a música.
[Uma versão reduzida desta entrevista foi publicada originariamente no novas.gal]