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Juan Vergara: “Quando fazia um uso diglóssico do galego não estava a ser coerente comigo mesmo”

“Sou um paleofalante que saiu do armário”. É assim que se define Juan Vergara, um viguês de 38 anos fixado em Bruxelas, que quando fez vinte anos decidiu deixar de agochar a sua língua materna, a língua galega, nas conversas que mantinha na rua, na escola ou em qualquer outro espaço público. Por outras palavras, resolveu levar a passear a língua fora de casa. “Quando adquiri consciência linguística”, explica, “dei-me conta de que o meu comportamento estava a reforçar a situação diglóssica do galego”. Essa reflexão levou-o a se interessar polos temas ligados à sociolinguística, e mesmo coapresenta um podcast, ‘Fora de mapa’, onde se mergulha nas realidades de povos e nações sem estado da Europa.

Como foi a tua realidade linguística durante a infância e a adolescência?

Foi uma realidade marcada pola diglossia, mas também polo orgulho de ser galego-falante numa cidade como Vigo. Obviamente, um meninho acaba por copiar o comportamento que vê na casa, e o que eu via era que em Vigo havia uma língua para os contextos privados, ligados à nossa aldeia ou com pessoas com quem há intimidade, e outra para os demais contextos, que são mais “públicos” (escola, atividades de lezer…), onde usava o castelhano, por ser a língua de socialização e porque era o comportamento que via na casa. Esta diglossia provocava situações absurdamente desconfortáveis, como ter de escolher uma língua em momentos em que estavam presentes os meus amigos da escola -com os que eu sempre falava castelhano- e meu pai -com o que apenas falo galego-. Sei que parece absurdo, mas estava num dilema moral!

Esta diglossia provocava situações absurdamente desconfortáveis, como ter de escolher uma língua em momentos em que estavam presentes os meus amigos da escola -com os que eu sempre falava castelhano- e meu pai -com o que apenas falo galego-. Sei que parece absurdo, mas estava num dilema moral!

E aos 20 anos decidiste falar apenas galego em todos os âmbitos. Que te levou a dar o passo completo e que reflexão há por trás?

Duas cousas: uma maior consciência linguística, e portanto achar absurdo o meu comportamento, e a compreensão de que a realidade linguística galega não era normal. Com esse uso diglóssico estava a reforçar ainda mais essa situação e não estava a ser coerente com as ideias que eu próprio tinha. E por outro lado decidi usar apenas o galego por pura e simples preguiça. Como o galego é a minha língua materna e é o idioma em que penso, às vezes era difícil para mim encontrar a palavra certa em castelhano… portanto, porque fazer esse esforço se todo o mundo com quem me relacionava entendia o galego?

Sofreste preconceitos ou tiveste alguma dificuldade em introduzir o galego em âmbitos mais públicos?

Alguns preconceitos sim, entre certos amigos que ficarom surpreendidos por eu usar o galego. Naquela altura decidira ir a Santiago para estudar e lembro comentários do tipo “ahora que vas a ir a Santiago te pones a hablar gallego”. Certas pessoas perguntavam-me “¿y por qué hablas gallego siempre?”. Mas em geral não houvo qualquer problema. Quando refletimos sobre o conflito linguístico acabamos por identificar preconceitos, muitas vezes ditos sem maldade, que mostram os estereótipos que recaem sobre os galego-falantes: acharem que moro numa aldeia, assinalarem que falo “galego de livro” porque não tenho gheada nem sesseio, dizerem que uso o galego porque sou nacionalista, ficarem chocados porque falo galego fora do país com outros galegos… Tenho percebido certa condescendência, mas no geral diria que não tive muitas dificuldades, embora também seja certo que estive fora da Galiza 11 dos últimos 15 anos da minha vida, e portanto tenho menos probabilidades de experimentar este tipo de situações.

Tenho percebido certa condescendência, mas no geral diria que não tive muitas dificuldades, embora também seja certo que estive fora da Galiza 11 dos últimos 15 anos da minha vida, e portanto tenho menos probabilidades de experimentar este tipo de situações.

Foi gratificante ter dado o passo completo para o galego? O que che deu a nível pessoal? Abriu-che as portas para novos interesses, novas experiências…?

Não sei se gratificante é a palavra certa, mas sim penso que usar o galego sempre e com normalidade foi um passo correto e coerente, tanto a nível linguístico como político. Infelizmente, na situação em que estamos é um comportamento cheio de conteúdo político. Portanto, a nível pessoal conferiu-me essa “coerência linguística”. Essa reflexão acerca dos meus comportamentos linguísticos e os do meu entorno também me levou a interessar-me pola sociolinguística, e assim compreender melhor as razões e consequências de processos como o que está a sofrer o galego. Por outro lado, usar o galego com certas pessoas acaba por convencê-las a usá-lo também. Parte dos meus amigos galegos são castelhano-falantes, mas têm estima polo galego e trocam de língua quando falam comigo, sem eu lho pedir. Portanto, de algum modo temos um papel dinamizador. E além disto, acho que também posso servir de modelo para outras pessoas, como por exemplo os meus sobrinhos, que vivem num ambiente mais castelhanizado que o que me coubo viver quando eu tinha a sua idade. Quando me veem falar galego com normalidade percebem que não é limitante, que não é cousa de velhos ou pailães.

Parte dos meus amigos galegos são castelhano-falantes, mas têm estima polo galego e trocam de língua quando falam comigo, sem eu lho pedir. Portanto, de algum modo temos um papel dinamizador.

Como disseste, moras em Bruxelas há anos, onde fazes parte do grupo cultural ‘Couto Misto’. O que vem sendo?

Couto Misto é uma associação independente da Junta da Galiza e formada por um grupo de galegos, residentes em Bruxelas, que têm um importante compromisso com a divulgação da língua e cultura galegas, numa cidade onde convivem uma cheia delas. Obviamente, por causa da COVID-19 ficou um pouco inativa, mas antes da pandemia tinha organizado conferências, apresentações de livros, concertos, etc. Estas atividades visam a diáspora galega, mas também qualquer residente em Bruxelas com interesse pola nossa cultura. Este tipo de evento é bastante comum aqui em Bruxelas, onde qualquer dia é possível assistir a um recital de poesia em húngaro, a um concerto duma banda catalã ou a um festival de cinema polaco. E nós, como galegos, participamos como mais um elemento desse multiculturalismo.

Também és a metade, juntamente com Maria Sabaris, do podcast ‘Fora de Mapa’, onde analisades aprofundadamente a história dos povos e nações sem estado na Europa. Deparastes com algum caso de neofalantismo de línguas minorizadas semelhante ao galego?

Dedicamos um episódio à língua córnica, que é um caso de sucesso do “neofalantismo extremo”, já que o córnico estivo “adormecido” por quase dous séculos e hoje há centenas de pessoas que conhecem o idioma e há rapazes que são nativos nessa língua. Também quando conversamos acerca de vários povos como o Ruteno, o Frísio ou o Sami, explicamos como nas últimas décadas essa gente tem vivido um ressurgimento identitário, com cada vez mais iniciativas, organizações e ativistas que procuram garantir a sobrevivência dessas línguas e identidades. Um caso curioso foi o do estremenho, sobre o que, apesar de ser uma língua falada no nosso Estado, não temos muito conhecimento. E isto deve-se, em grande parte, à falta de conscientização linguística dos próprios estremenhos, o que também é um reflexo do que acontecia (e nalguns casos ainda acontece) com o galego. Grande parte dos falantes de estremenho pensam que estão a usar um dialeto do castelhano ou um castelhano mal falado, e portanto internalizarom comportamentos diglóssicos. Através do podcast pretendemos dar a conhecer essas realidades menos visíveis polas quais podemos ter uma maior empatia, e ao mesmo tempo as suas luitas também nos podem ajudar a compreender melhor a nossa realidade.

Desenvolveste um trabalho final de mestrado na KU Leuven sobre a situação do galego e as políticas linguísticas. Que papel desempenham as pessoas neofalantes relativamente ao futuro da língua?

A nível quantitativo, se quisermos recuperar o galego não há outra alternativa senão ganhar falantes que antes usavam outra língua, normalmente o castelhano. E os neofalantes podem servir de modelo para muitas pessoas que têm interiorizados os estereótipos do costume. Já a nível qualitativo, os neofalantes são-che bem importantes, porque normalmente têm maior lealdade e dinamismo que os galego-falantes tradicionais. Para mudar de língua, passando dum idioma normalizado, hegemónico em certas áreas do país e sobre o que não existem preconceitos para outro com que acontece o contrário, há que ter muita motivação, compromisso, engajamento e vontade. E essa vontade também é usualmente direcionada para usar um galego correto a nível lexical ou para melhorar o domínio da língua, aspectos relevantes se considerarmos o nível de “hibridação linguística” que sofre o galego. Mas, por outra parte, a fonética e prosódia claramente influenciada pola castelhana fai com que se iniciem outros debates acerca de qual é o galego legítimo, os preconceitos contra este coletivo por parte dos paleofalantes, quais são as melhores maneiras de dar o primeiro passo…

A nível quantitativo, se quisermos recuperar o galego não há outra alternativa senão ganhar falantes que antes usavam outra língua, normalmente o castelhano.

Para terminar, Juan, que conselho darias a pessoas que talvez estejam indecisas ou não se atrevam a dar o passo para mudar do castelhano para o galego?

Considero que se uma pessoa não se atreve a dar o passo é porque já pensou em fazê-lo… e se o pensou será porque tem estima polo idioma. Mas o simples apreço não chega para mudar as cousas e as tendências são o que são neste momento. Obviamente, não é uma questão simples e pode levar algum tempo para fazer uma mudança completa ou parcial, mas devo dizer que a sensação de realização é grande. Além disso, hoje em dia há muitas pessoas que estão a fazer uma cheia de cousas em galego, portanto eu recomendaria aderir a estas comunidades (Twitch em Galego, Faladoiros, RPG em Galego, Podgalego, clubes de leitura, atividades em centros sociais, mesmo o “galitwitter”…). Conhecerão um monte de gente interessante e enriquecedora com a que criarem vínculos e usarem a língua.

Esta entrevista foi feita por Uxía Iglesias para neofalantes.gal]

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