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José Manuel Barbosa: “Aceitamos a narrativa imposta pela inércia historiográfica oficial”

400088200394_322075José Manuel Barbosa (Ourense, 1963), é professor de educação física. Porém, a sua paixão é a história. Organizador e guia de roteiros históricos, publicou diversos livros sobre a história da Galiza como Bandeiras da Galiza (2006) ou o Atlas histórico da Galiza (2008). Agora lança com a Através Editora um novo e sugestivo título, A evolução histórica dos limites da Galiza.

José Manuel, quando e por que decides mergulhar no mundo da história?

O meu com a história foi sempre vocacional. Eu ia entrar na faculdade de história em 1981, ao acabar COU, mas por assuntos familiares não pude cumprir com os meus desejos. Entrei em magistério muito a desgosto mas, uma vez ali, e acabados os cursos da diplomatura, a ideia era fazer o curso de adaptação e acabar história apanhando esse desvio que na altura era permitido. A cousa complicou-se por razões económicas em épocas de desemprego e dificuldades laborais paternas e o assunto demorou-se muito tempo, até que nos finais dos anos 90 foi quando tive uma certa estabilidade laboral para poder entrar na UNED.

Como surge a ideia de escreveres este livro?
Este livro em concreto surge por uma palestra dada em Lisboa a consequência da apresentação do Atlas Histórico da Galiza na Sociedade de Geografia de Lisboa a finais da primeira década deste século. Posteriormente foi-me pedido um resumo que não pude fazer imediatamente. Quando retomei a ideia comecei a investigar, a escrever e quando tomei conta de que ia saindo um trabalho tão amplo que dava para um livro, decidi acabar com o projeto tal como o que agora vemos. Foi trabalho de pesquisa, de procurar livros, fontes e bibliografia que não se conseguiam com facilidade o que fez que se demorasse muito tempo até que a finais de 2017 foi por fim terminado. Ainda depois precisou matizes, correções e alguns obstáculos acrescentados que finalmente fomos salvando… A partir daí contei com a opinião e apoio dos companheiros da AGLP a quem me parecia que devia implicar com o fim de fazer entrar o reintegracionismo na construção do paradigma historiográfico galego que se leva configurando desde finais dos 90. Com certeza que o reintegracionismo é a ponta de lança cultural deste país, e mesmo me atreveria a dizer que a ponta de lança do galeguismo atual. Se é assim, acho que devemos seguir os exemplos dos nossos galeguistas históricos que para reconstruir o país tocaram todos os temas e, dentre os quais, a historiografia não foi assunto menor.

Com certeza que o reintegracionismo é a ponta de lança cultural deste país, e mesmo me atreveria a dizer que a ponta de lança do galeguismo atual.

A quem recomendarias a sua leitura?
A leitura deste livro recomendo-a fundamentalmente a quem gostar da história e a quem quiser ter interesse no passado da Galiza, tão pouco conhecido, em parte porque o galeguismo da segunda metade do século XX concedeu à língua toda a importância, deixando à margem a construção da narrativa sobre o nosso passado histórico ou aceitando a pobre visão que de nós dava a historiografia oficial espanhola. Esse erro esta começando a ser consertado graças a iniciativa de pessoas como Camilo Nogueira ou Anselmo López Carreira inicialmente, que se atreveram a discordar da explanação fornecida pela oficialidade, apresentando uma fontes que não se correspondiam com o discurso mantido durante muito tempo e destinado a manter umas determinadas relações de poder que em nada nos podem beneficiar. O caso é que o conto muda notoriamente  dum ponto de vista tradicional espanhol a outro galego. Quem tenha interesse em saber essa diferença e ver a notória dissimilitude, segundo o ponto de vista, é que pode ler o livro.

O galeguismo da segunda metade do século XX concedeu à língua toda a importância, deixando à margem a construção da narrativa sobre o nosso passado histórico ou aceitando a pobre visão que de nós dava a historiografia oficial espanhola. Esse erro esta começando a ser consertado graças a iniciativa de pessoas como Camilo Nogueira ou Anselmo López Carreira inicialmente, que se atreveram a discordar da explanação fornecida pela oficialidade.

Este é o primeiro volume, qual a razão desta divisão e quantos vai ter no total?
A razão da divisão atende a dous critérios: o primeiro deles é o volume do trabalho completo. Acontece que metade do texto coincide, basicamente, com os seis primeiros capítulos. A outra metade, que são os seis capítulos seguintes ocupa um tamanho aproximadamente igual ao da primeira parte. Seguindo este critério, pareceu-nos, tanto aos editores quanto ao autor, que era melhor ter dous volumes dum mesmo tamanho aproximado, do que um mais volumoso do que o outro… porque o certo é que o texto é amplo. Em dous volumes dá, também, para ler com maior amenidade sem perder o interesse e sem cansar o leitor.

O segundo critério é de ordem narrativo que põe a cesura num ponto de inflexão de muita importância na nossa historia, quer dizer, na independência de Portugal. Poderíamos ter escolhido a cesura no momento em que a Galiza acabou na união com Castela, também um momento de grande importância para o país, um século mais tarde. Ora, se fosse assim teríamos sete capítulos no primeiro volume que daria mais amplo ficando o segundo com só cinco capítulos e um volume mais reduzido.

Desta forma, até o capitulo sexto vemos os primórdios da Galiza e o seu desenvolvimento como reino soberano, enquanto no segundo volume veremos o decorrer da historia da Galiza desde o esplendor compostelano, passando pela união com Castela, o interessante final da Idade Media, uma Idade Moderna que apesar da falta de soberania do país, não foi uma época tão obscura como tradicionalmente se dá em pensar, fruto duma deficiente informação e de que no-lo contaram mal.ç

Desta forma, até o capitulo sexto vemos os primórdios da Galiza e o seu desenvolvimento como reino soberano, enquanto no segundo volume veremos o decorrer da historia da Galiza desde o esplendor compostelano, passando pela união com Castela, o interessante final da Idade Media, uma Idade Moderna que apesar da falta de soberania do país, não foi uma época tão obscura como tradicionalmente se dá em pensar, fruto duma deficiente informação e de que no-lo contaram mal.

Essa divisão escolhida, faz com que me ocorra um terceiro critério a ter em conta, e é este uma razão pedagógica e de interesse do leitor em querer saber a continuação da nossa história desde que o primeiro volume termina, precisando ter uma visão de conjunto para terminar de compreender a mensagem do trabalho. Adianto, que é justamente no segundo volume onde terminamos com uma interessante conclusão que achamos clarificadora de certos conceitos mal elaborados ainda pelo galego de a pé, mesmo por quem tem consciência da realidade histórica do país, que hão de ajudar para compreender certos aspetos nos quais temos costume de insistir em conversas de todo o tipo e nem sempre saímos airosamente por falta de claridade a respeito de alguns conceitos.

Bandeiras da Galiza e o Atlas Histórico da Galiza foram livros que atingiram vendas por cima da média. Achas que o povo galego se interessa pola sua história?

400097100036_324004Estes livros que nomeias, do meu ponto de vista foram muito sucedidos porque neles se dá conhecimento desses elementos históricos que nunca antes tinham sido tratados com amplitude e dum ponto de vista atual. Houve livros sobre vexilologia mas que vinham a dar a conhecer cousas que hoje consideramos básicas embora na altura fossem de interesse. O livro das bandeiras deu a conhecer elementos simbólicos pouco ou nada conhecidos pela nossa gente e que a dia de hoje começam a ser introjetados pela população. Um exemplo sintomático é a assunção por parte de alguma equipa de futebol galega, nomeadamente a UDO (União Desportiva de Ourense) do dragão e do leão suevos no seu equipamento oficial, o que nos faz pensar que o nosso trabalho não foi em balde.

O livro das bandeiras deu a conhecer elementos simbólicos pouco ou nada conhecidos pela nossa gente e que a dia de hoje começam a ser introjetados pela população.

No que diz respeito ao Atlas, foi também um sucesso apesar das melhoras que implementaríamos se fizéssemos hoje o trabalho. Primeiro, porque representou em imagens uma Galiza que não se tinha visualizado antes em toda a amplitude que nos indicam as fontes ignoradas pelo paradigma oficial e, em segundo lugar, pelos magníficos desenhos elaborados pelo nosso querido José Manuel Gonçales Ribeira.
A gente demandou em qualquer caso a informação que falasse de nós próprios e que se nos negou sempre, pois nem na escola, nem nos liceus, nem na universidade se tem dado a importância devida ao nosso passado como estamos tentando dar-lhe agora. É fome de autoconhecimento. Outros países do Estado e ainda outros países sem Estado ensinam com normalidade a sua história nos seus sistemas de ensino, enquanto nós aceitamos a narrativa imposta pela inércia historiográfica oficial construída a partir dum projeto político histórico onde parece que não pintamos nada, quando a realidade parece que não foi assim mas todo o contrário. Isto dá-nos conhecimento de que não temos aproveitado bem esta autonomia pela que lutaram tantos bons e generosos. Essa versão da nossa história, foi a que nos fez perder o interesse por uma história em que aparecemos como o lambe-caçolas da canção tradicional e que redunda numa visão de nós próprios que em nada ajuda à autoestima. Vai sendo o momento em que ponhamos a nossa voz alta e clara acima da mesa. Só assim há de ser que a nossa versão dos factos seja ouvida, escutada e lida, e sobretudo, tida em conta, o que vai repercutir na nossa saúde social como povo com identidade e com desejos de futuro.

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