Filha de um general do exército imperial, Helena Wladimirna Antipoff nasceu na cidade de Grodno, na então província da Bielorrússia do Império Russo, hoje a cidade bielorrussa de Hrodna, a 25 de Março de 1892, no seio de uma abastada família da aristocracia russa. Faleceu na cidade de Ibirité (Minas Gerais-Brasil), a 9 de Agosto de 1974. Foi uma psicóloga e pedagoga de origem russa que depois de obter formação universitária na Rússia, Paris e Genebra, se fixou no Brasil a partir de 1929, a convite do governo do estado de Minas Gerais, no contexto da operacionalização da reforma de ensino conhecida como Reforma Francisco Campos-Mário Casassanta. Grande pesquisadora e educadora da criança portadora de deficiência, Helena Antipoff foi pioneira na introdução da educação especial no Brasil, onde fundou a primeira Sociedade Pestalozzi, iniciando o movimento pestalozziano brasileiro, que conta atualmente com cerca de 100 instituições. O seu trabalho no Brasil é continuado pela Fundação Helena Antipoff.
Aprendeu as primeiras letras com a mãe, continuando os seus estudos mais tarde, depois da família se fixar em São Petersburgo, numa instituição para meninas com professores de nível universitário onde obteve em 1909 o diploma do Curso Normal, o que a habilitava para a docência dos cursos infantis. Estudou seguido o método de ensino de “ativos e passivos”, sendo as estudantes exortadas a não aceitar afirmações gratuitas e sem verificar a realidade. A Filosofia e a Psicologia eram matérias centrais no currículo seguido. Com apenas 17 anos de idade, partiu com a mãe e a irmã mais nova para Paris, onde se matriculou no curso de Ciências da Universidade de Paris, na Sorbonne, então a mais prestigiosa universidade francesa, que frequentou em 1910 e 1911, ano em que obteve o bacharelato. Durante a sua permanência na Sorbonne assistiu a palestras sobre psicologia ministradas no Collège de France por Pierre Janet e Henri Bergson, o que lhe despertou o interesse pela matéria. Em consequência, estagiou no Laboratório Binet-Simon, sob a orientação de Théodore Simon, participando no trabalho experimental então em curso de medição da capacidade inteletual de crianças em idade escolar. Entusiasmada com o campo da psicologia, seguiu para Genebra, Suíça, onde estudou sob a direção do psicólogo Édouard Claparède, pioneiro do estudo do mecanismo de aprendizagem das crianças. Naquela cidade foi aluna, entre 1912 e 1916, do primeiro curso do Institut Jean-Jacques Rousseau (IJJR), onde obteve o diploma de psicóloga, com especialização em Psicologia Educacional. Durante a sua permanência em Genebra, a convite de Claparède, integrou a equipa de investigadores do IJJR, onde se dedicou à investigação na área da medição da inteligência e da sua relação com a aprendizagem.
Em 1917 regressou à Rússia, onde seu pai tinha sido gravemente ferido numa das batalhas da Primeira Guerra Mundial. Decidiu aí permanecer, apesar da implantação do bolchevismo e de toda a instabilidade social e política que se seguiu à Revolução de Outubro. Trabalhou entre 1919 e 1924 como psicóloga infantil e se casou com o jornalista e escritor Viktor Iretzky, com quem teve um filho, o agrónomo, pedagogo e ensaísta Daniel Iretzky Antipoff (1919-2005). Enquanto permaneceu na Rússia, trabalhou como psicóloga observadora da Estação Médico-Pedagógica de Petrogrado e de Viatka, dedicando-se ao diagnóstico psicológico e à elaboração de projetos educativos para a reeducação das crianças que tinham perdido a família em consequência da Guerra. Pouco depois decidiu reiniciar a sua investigação, trabalhando a partir de 1921 como colaboradora científica do Laboratório de Psicologia Experimental de Petrogrado, colaborando com o psicólogo Aleksandr Petrovich Nechaev na investigação da influência da guerra no desenvolvimento mental de crianças em idade pré-escolar. Contudo, ao apresentar resultados com os quais constatava que o nível mental dos filhos de inteletuais era mais alto em comparação aos das outras crianças, foi severamente criticada pelos inteletuais ligados ao recém-implantado regime soviético e acabou excluída dos círculos académicos e perseguida. O mesmo aconteceu com o marido, cuja obra não agradou ao regime, vendo-se obrigado em 1923 a partir para o exílio na Alemanha. Na sequência do que pouco antes fizera o marido, Helena Antipoff foi obrigada, em 1924, a deixar a União Soviética, exilando-se para Berlim, onde se juntou ao marido. No ano seguinte separa-se definitivamente do marido e parte para Genebra, onde reatou a sua colaboração com Édouard Claparède e o IJJR, onde lecionou Psicologia. Durante a sua permanência em Genebra, entre os anos de 1926 e 1928, publicou diversos artigos científicos em revistas especializadas, nomeadamente nos Archives de Psychologie, Intermédiaire des Éducateurs e Nouvelle Éducation. Nesses trabalhos é patente a influência das abordagens funcionalista e interacionista, desenvolvidas por Claparède, e da abordagem sócio-histórica russa. Nos seus trabalhos defende o Método da Experimentação Natural que utilizara durante sua experiência de avaliação do desenvolvimento cognitivo na Rússia, sendo pioneira nessa matéria fora da União Soviética.
Em 1929 Helena Antipoff aceitou o convite que lhe foi feito pelo Professor Francisco Campos, ao tempo à frente da Secretaria do Interior de Minas Gerais, o departamento responsável pela educação naquele estado, e partiu para o Brasil. Fixou-se então em Minas Gerais, com o objetivo de fundar uma Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico onde pudesse aplicar os seus conhecimentos pedagógicos. Sob a liderança de Francisco Campos, um político interessada no desenvolvimento do ensino e que apostava na renovação pedagógica, o sistema educativo de Minas Gerais atravessava então uma fase em que parecia indispensável que os ensinamentos de novas técnicas e concepções dos problemas pedagógicos viessem de países mais adiantados. Para além de Helena Antipoff, foram convidados outros pedagogos estrangeiros para colaborarem na organização de um núcleo de formação de professores e de aperfeiçoamento das técnicas de pedagogia e psicologia. A instituição foi fundada em 1929 sob a designação de Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico. Helena Antipoff foi contratada como professora de Psicologia, com um contrato inicial de dous anos que foi sucessivamente renovado ao longo da década de 1930. No Brasil desenvolveu durante décadas um labor pedagógico excepcional, do que mais adiante falaremos.
Com este meu depoimento quero homenajear esta grande educadora, russa de nascença e brasileira de adoção. Também aproveitar para sensibilizar estudantes e docentes sobre o Dia Internacional da Paz, que se celebra em muitos lugares ao redor da data de 21 de setembro de cada ano. A pedagoga Helena Antipoff, pelo grande labor educativo que desenvolveu ao longo dos anos, é uma mestra magnífica para encarnar uma data tão significativa.
FICHA TÉCNICA DO FILME-DOCUMENTÁRIO:
- Título original: Helena Antipoff.
- Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2011, 36 min., cor e preto e branco)
- Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
- Roteiro e Apresentação: Regina Helena de Freitas Campos. Psicóloga, com mestrado em Educação pela UFMG, doutorado em Educação pela Universidade de Stanford, EUA, e pós-doutorado pela Universidade de Genebra e École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. É professora de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisadora CNPq e presidente do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA).
- Argumento: Helena Antipoff teve contato direto com os principais centros de pesquisa e prática pedagógica da Europa no início do século XX. Fez estágio no Laboratório Binet-Simon, em Paris, foi assistente de Édouard Claparède (neurologista e psicólogo do desenvolvimento infantil) em Genebra e participou das pesquisas iniciais da psicologia sócio-histórica soviética. No Brasil, aliando formação científica e preocupação com os excluídos, Helena vai ser responsável por importantes contribuições práticas na formação de professores, educação básica, educação de excepcionais e educação rural. Este DVD, apresentado pela psicóloga, pesquisadora e professora Regina Helena Campos, está dividido em oito partes. Cada uma ocupa-se, com clareza e competência, de importantes momentos da vida de Antipoff.
- Conteúdos do Documentário: Os primeiros anos na Rússia. Paris e Genebra / Binet / Claparède, Maison de Petits. União Soviética / experimentação natural de Lazursky. Brasil / Escola de Aperfeiçoamento, pesquisa em Psicologia e Educação, Laboratório de Psicologia. O trabalho com crianças “excepcionais”. Fazenda do Rosário / educação básica, formação de professores e educação rural. O trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais. Razão e sensibilidade.
DINAMIZADORA DE INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS NO BRASIL:
Pelo seu grande amor à pedagogia e às crianças, Helena Antipoff foi no Brasil uma grande dinamizadora e criadora de instituições de tipo educativo, que sintetizo nas seguintes:
- Laboratório de Psicologia, em Minas Gerais:
Helena Antipoff foi nomeada em 1930 diretora do Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Minas Gerais. No mesmo, com a colaboração das suas alunas, promoveu um variado programa de estudos sobre o desenvolvimento mental, os ideais e os interesses das crianças mineiras. Com o resultado dessa investigação promoveu a introdução de testes de inteligência nas escolas primárias e o alargamento do processo de homogeneização das turmas.
- Sociedade Pestalozzi do Brasil:
Em Novembro de 1932, com o objetivo de pôr em prática os ensinamentos de Pestalozzi fundou, com a colaboração de algumas antigas alunas da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, a primeira Sociedade Pestalozzi do Brasil, com sede em Belo Horizonte. Aquela Sociedade logo no ano imediato abriu um consultório médico-psico-pedagógico onde passou a atender crianças e seus pais. Entretanto, orientava semanalmente reuniões no Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, de que era diretora, abertas a professores que se interessassem pela educação de crianças portadoras de deficiência. A partir de finais de 1933 a Sociedade Pestalozzi passou a oferecer aulas destinadas a alunos portadores de deficiência e em 1934 conseguiu construir um pequeno edifício onde instalou salas de aula e consultórios médicos e psicológicos. No mesmo edifício funcionava também um laboratório de investigação endocrinológica. Nas aulas da Sociedade Pestalozzi os alunos com problemas comportamentais ou incapacidades para a aprendizagem complementavam as suas atividades escolares e de educação psicomotora, com atividades manuais e agrícolas em regime de semi-internato. Com esse fim a instituição operava oficinas diversas, hortas pedagógicas e serviços domésticos adaptados às necessidades dos jovens que frequentavam as suas aulas.
- Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte:
Pela sua influência, em 1935, a Secretaria de Educação de Minas Gerais criou o Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte, que funcionava como órgão técnico para a realização de investigação nas áreas relacionadas com a educação especial, apoiando estudos sobre temas diversificados, que iam da psicopatologia e psicologia de aprendizagem à genética, endocrinologia e farmacologia.
- Casa do Pequeno Jornaleiro e Associação Mineira de Escoteiros:
Para além da sua atividade na área da psicopedagogia, Helena Antipoff exerceu também uma importante ação social em favor das crianças e jovens desfavorecidos, em especial dos portadores de deficiência. Nessa sua ação, em 1934 liderou a fundação da Caso do Pequeno Jornaleiro, instituição destinada a proporcionar abrigo, alimentação e escola para as crianças que trabalhavam como vendedores de jornais. No mesmo ano iniciou a sua colaboração com a Associação Mineira de Escoteiros, instituição que tinha sido fundada em 1927 com apoio do Governo do Estado de Minas Gerais como instituição extracurricular nas escolas do estado levando, mais tarde, à constituição da Associação de Escoteiros Fernão Dias, um grupo escutista aberto a crianças e jovens portadores de deficiência. Também no campo social, embora numa área distinta, Helena Antipoff esteve envolvida na fundação de uma casa de repouso para escritores, artistas e professores. No campo académico, Helena Antipoff foi a primeira professora e fundadora da cadeira de Psicologia Educacional na Universidade de Minas Gerais.
- Escola Rural da Fazenda do Rosário, com internato:
Em finais da década de 1930, interessa-se pela situação dos alunos e docentes da zonas rurais, estabelecendo como objectivo a fixação do homem no campo, em melhores condições de vida, através da escola, sendo para tal necessário elevar as condições de preparo do professor rural sem que precisasse deslocá-lo de seu ambiente. Com esse fim passa a advogar a criação de uma escola rural, com métodos adequados às condições sociais e às aspirações das comunidades que deveria servir. Com esse objetivo realiza uma campanha de recolha de fundos, conseguindo adquirir a Fazenda do Rosário, uma exploração agrícola com cerca de 220 Ha (45 alqueires de terra) em Ibirité, a 26 quilómetros de Belo Horizonte. Nessa quinta abriu em janeiro de 1940 um internato, inicialmente frequentado por 5 crianças. A educação ministrada na instituição, que foi crescendo e se transformou progressivamente no seu principal foco do trabalho, estava centrada nas atividades agrícolas, na criação de gado e na puericultura. Foi uma experiência pioneira no Brasil e um marco na história da pedagogia, sendo a primeira vez que surgia um currículo especificamente centrado nas matérias que mais interessavam às comunidades rurais.
- Centro de Orientação Juvenil, em Rio de Janeiro:
Em 1946, ano em que foi extinto o Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, colaborou com o psicólogo Emílio Mira Lopes na fundação do Centro de Orientação Juvenil (COJ), na cidade do Rio de Janeiro. A instituição era tutelada pelo Ministério da Educação e Saúde (MES) no âmbito do Departamento Nacional da Criança (DNC), e tinha por objetivo estudar técnicas de trabalho, demonstração e formação do pessoal de orientação psicológica, tendo em conta as características dos jovens a apoiar e das suas famílias.
- Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi, em Rio de Janeiro:
Por meados da década de 1950 Helena Antipoff passou a defender a necessidade de se criar uma Federação das Sociedades Pestalozzi que congregasse os esforços e experiências das diversas instituições que defendiam os ideais pestalozzianos. Porém, apesar da sua considerável influência e das inúmeras reuniões realizadas, o projeto só ganhou adeptos em número suficiente em 1970, e em Agosto daquele ano, após convocação de todas as entidades Pestalozzi, foi fundada no Rio de Janeiro a Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi (Fenasp). A Fenasp assumiu desde então a promoção da expansão das instituições, providenciando apoio técnico às instituições que a integram e advogando uma política de educação adequada para os portadores de deficiência. A criação da Fenasp deu corpo a um ideal de Helena Antipoff e reforçou substancialmente o movimento pestalozziano brasileiro.
- Laboratório de Investigação ecológica na Fazenda do Rosário:
Em 1974 Helena Antipoff foi galardoada com o Prémio Henning Albert Boilesen, de Educação e Cultura, tendo utilizado o dinheiro para implantar um laboratório de investigação ecológica na Fazenda do Rosário. Na que faleceu a 9 de Agosto de 1974, deixando um legado de grande educadora que marcou não só aqueles que conviveram com ela, mas a sociedade em geral. À sua obra deve-se uma nova visão das questões relacionadas com a educação, e em especial com a educação especial. Milton Campos, ex-governador de Minas Gerais, no seu elogio afirmou: ela plantou dez mil sementes no nosso sertão. Todos os professores e alunos cujas vidas ela tocou hão de continuar agora, sua obra. Ideia semelhante está expressa no mural que lhe serve de memorial na sede da Fundação Helena Antipoff, em Ibirité: Uma vida destinada à felicidade de outras vidas.
A SUA MENSAGEM PEDAGÓGICA:
Helena Antipoff realizou também um muito interessante labor de divulgação das suas idéias pedagógicas em numerosos escritos, artigos e livros. Por isto, prefiro que fale ela com as suas próprias palavras, depois de fazer uma escolha dos seus textos, que exponho a seguir.
Na sua primeira época, nos anos 20, aínda na Rússia, sobre o seu despertar do amor pela educação comenta: “Eu tinha sido convidada com outros pedagogos, psicólogos e médicos para estudar centenas de crianças, abandonadas nos centros médico-pedagógicos de Petersburgo, durante os anos da grande fame (1921-1923), enfrentando uma tarefa das mais difíceis. Era também a época das grandes epidemias de diversas espécies, e as crianças observavam regime médico muito severo. Internadas em uma espécie de hospital, pobre e mal mobiliado, com poucos livros, escasso material de jogos e trabalho manual, fomos obrigados a observá-las nessas condições desfavoráveis, para decidir seu destino, segundo o caráter de cada uma, e encaminhá-las para as 150 instituições pedagógicas, médicas e jurídicas que possuíamos”.
Durante o seu exílio na Alemanha e na Suíça, de 1925 a 1928, escreve também: “Atualmente, estudamos na “Maison des Petits” do Instituto J.J.Rousseau o caráter das crianças, observando-as em sua conduta para com o trabalho manual. Dezoito crianças de 7-8 anos foram metodicamente observadas durante muitos meses. Pudemos recolher um grande número de reações caraterísticas, graças a algumas ocupações. Cuidamos de graduá-las em cinco graus: muito forte, forte, médio, fraco, muito fraco. Essas reações, analisadas do ponto de vista caraterológico e graduadas, permitem-nos representar o caráter de nossas crianças, por meio de perfis, de acordo com o exemplo de Lazursky, mas aperfeiçoando-o”.
Já no Brasil, em 1932, Antipoff introduz no léxico da psicologia o termo excepcional (em vez de retardado) para se referir às crianças cujos resultados nos testes afastavam-se da zona de normalidade, o que se justificava, a seu ver, por evitar a estigmatização, e também por possibilitar a reversão do distúrbio por meio de medidas psicopedagógicas adequadas. E dá-nos a sua opinião: “O nível baixo nos testes de inteligência para muitas crianças de meio social inferior e crescidas fora da escola não prognostica absolutamente o futuro atraso nos estudos, pois nesta idade o organismo ainda está bem plástico e o cérebro capaz de assimilar com grande rapidez e eficiência os produtos da cultura intelectual”.
Em conferência pronunciada na Escola de Aperfeiçoamento, em 1930, em que procura justificar, para um público relativamente leigo em matéria de formação científica, os exercícios de observação minuciosa que suas alunas tinham de fazer nas salas de aula dos grupos escolares locais, comenta: “As nossas observações são semelhantes àquelas dos naturalistas que, desejosos de conhecer a vida de uma planta ou de um animal, são obrigados a anotar todas as condições e todos os estímulos do meio ambiente, para poder julgar em conseqüência e colocar em relação de causa e efeito. Observando como psicólogos, nossos alunos não têm a preocupação em criticar a […] aula. Em ciência, aliás, não é permitido emitir juízos de valor, isto quer dizer que a ciência nunca tem em sua linguagem palavras de elogio ou de depreciação. A única apreciação que ela pode estabelecer é se as observações são suficientemente ricas, completas”. Essas observações visavam tanto ao conhecimento da criança, matéria-prima do trabalho educativo, como ao exercício do espírito científico: “Para que vão servir essas observações? A conhecer as crianças, em primeiro lugar, e antes mesmo disso, esse treinamento vai nos ensinar a observar. A observação é o método mais fértil em psicologia. Que conseguiríamos saber, se nos limitássemos somente às experiências, somente ao teste? – Nada”.
Uma das primeiras providências que fez Antipoff à frente do Laboratório de Psicologia foi a criação de um Museu da Criança, que incluía em seu programa “o estudo minucioso e aprofundado da criança brasileira”. A primeira publicação do Museu foi o relato da pesquisa sobre os ideais e interesses da criança mineira. O estudo empírico da motivação infantil se justificava, segundo a autora, como meio de orientar sua educação: “Conhecemos o valor que a moderna psicologia atribui ao interesse e às aspirações espontâneas da criança: muitas vezes descobre nelas os sintomas das necessidades físicas e espirituais, funcionalmente ligadas ao crescimento do indivíduo e à formação de sua personalidade. Seguir a natureza, dela tirar as regras de conduta para educá-la de acordo com o ideal pedagógico: tal seria o método da escola ativa e da educação funcional”.
Mas além dos motivos científicos, havia também motivos pessoais impulsionando a pesquisadora: “Convidada pelo Governo de Minas Gerais para organizar um laboratório de psicologia pedagógica na Escola de Aperfeiçoamento, para as professoras do Estado, e de promover investigações entre os alunos, a fim de estabelecer as normas de desenvolvimento psíquico e mental, procurei, logo depois da chegada a um país totalmente desconhecido para mim, orientar-me, o mais depressa possível, quanto à psicologia dos pequenos brasileiros, e apanhar a sua fisionomia psíquica geral”.
Com a Sociedade Pestalozzi criada em 1932, busca soluções para o problema da exclusão social. Ao comentar a situação das crianças de rua em Belo Horizonte, no início dos anos de 1930, Antipoff observou, contudo, que, no caso, não havia a situação de convulsão social que ocorrera na Europa: “Como admitir este espetáculo aqui, em Belo Horizonte, em noites de plena calma, sem terremotos ou revoluções? Porque será que este punhado de menores têm de passar tamanhos apertos e degradações?”. Mais à frente, na mesma fala, e para justificar a apresentação de um programa de assistência às crianças de rua, obedecendo assim aos princípios da Declaração de Genebra sobre os direitos da criança, aprovada em 1924 pela Liga das Nações, e ao próprio Código de Menores brasileiro, editado em 1927, Antipoff comenta a contradição entre a miséria e falta de higiene em que viviam aquelas crianças, que lhe pareciam “mais imundos ainda em contraste com tanto luxo, de um lado, e de outro tanta beleza natural que Belo Horizonte apresenta”, e, em seguida, faz um apelo à população da cidade: “Movido pelo simples sentimento de compaixão, como pela convição mais radical, o povo de Belo Horizonte tem de se decidir a melhorar a sorte desta infância, hoje apenas miserável, amanhã, talvez, miserável, revoltada e perigosa”.
A ESCOLA FAZENDA DO ROSÁRIO:
Experiência social e pedagógica no meio rural:
Em 1951, Helena Antipoff finalmente obteve a cidadania brasileira, completando o ciclo de integração a seu novo universo cultural. Reassumiu então suas funções como catedrática de Psicologia Educacional na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, continuando a atuar na formação de pessoal qualificado em psicologia. Mas o que realmente a interessava, nessa época, era a possibilidade de colocar em prática suas ideias, através das diversas instituições que foram estabelecidas na Fazenda do Rosário.
Com efeito, a partir da escola para crianças excepcionais, iniciada em 1940, a Fazenda do Rosário foi progressivamente enriquecida com novas iniciativas que visavam a integração da escola à comunidade rural adjacente. A filosofia educativa rosariana enfatizava, por um lado, a necessidade de integração à comunidade das crianças recebidas pela Sociedade Pestalozzi: crianças abandonadas, com sérios problemas de ajustamento. Por outro lado, buscava-se levar à comunidade rural de Ibirité os benefícios civilizatórios da escola. Nesse espírito, foram sendo criadas as diversas instituições educativas que vieram a compor o Complexo Educacional do Rosário: Escolas Reunidas Dom Silvério (para o ensino primário); Clube Agrícola João Pinheiro (ensino e experimentação de técnicas agrícolas); Ginásio Normal Oficial Rural Sandoval Azevedo (com internato para moças); Ginásio Normal Oficial Rural Caio Martins (com internato para rapazes); Instituto Superior de Educação Rural (Iser), com cursos de treinamento para professores rurais, incluindo a prática no cultivo de lavouras, hortas, pomares, na criação de animais, e cursos de economia doméstica. Essas obras, iniciadas pela Sociedade Pestalozzi, obtiveram o apoio do governo estadual, especialmente a partir da integração do Rosário à Campanha Nacional de Educação Rural, iniciada pelo governo federal em 1952.
A ideia era a de tornar a Fazenda do Rosário o que Antipoff denominava uma “cidade rural”, “Em que seus moradores, sem especificação profissional, sectária ou partidária, se transformem em cidadãos de um padrão mais apurado, do ponto de vista cívico, econômico e cultural”, cabendo aos educadores o papel social de contribuir para “edificar formas mais produtivas e mais equitativas de vida coletiva”. As ações dedicadas à educação rural serão marcadas pela filosofia pedagógica preconizada pela educadora: a ênfase na atividade e autonomia do educando, a atitude democrática, o respeito à diferença, a fé na ciência como instrumento de melhoria da vida. A proposta da “escola ativa” genebrina está presente em todo o trabalho educativo de Antipoff, ao lado da preocupação sociocultural trazida da psicologia soviética: “Ainda mais triste que ver meninos sem escolas, é vê-los imóveis em carteiras enfileiradas, em escolas sem ar, perdendo tempo em exercícios estéreis e sem valor para a formação do homem”. Por isto, tornava-se necessário o investimento na melhoria do meio rural: “De forma a que os campos, por sua vez, se tornem centros de atração, e que o proletariado urbano e os descontentes com as privações e o tumulto das cidades encontrem ali casa, trabalho e meios de educar filhos sadios e felices”. Esse investimento deveria ser feito com a ajuda das universidades que, segundo a autora, seriam: “Recém-nascidas no Brasil em vários estados, infelizmente no começo impregnadas de rotina acadêmica, amanhã, com o desenvolvimento nelas dos laboratórios e dos institutos de pesquisa científica no campo da Biologia, da Geografia Humana, da Sociologia e Psicologia, despertarão na mocidade a curiosidade intrínseca pelos fenômenos naturais, pela vida do homem, pelas formas de seu comportamento em meios variados, e trarão conhecimentos objetivos, em substituição a uma ciência de palpite que pouco auxílio poderá trazer na reconstrução do país”.
Para Antipoff teriam que existir Institutos de Organização Rural, ou centros de urbanização do meio rural, com funções ao mesmo tempo educativas e de “aldeamento da população em núcleos geográficos mais densos”. Os mesmos seriam uma “reunião de instituições”, a já citada “cidade rural” proposta na Fazenda do Rosário, reunindo instituições educacionais propriamente ditas e demais iniciativas de assistência ao meio rural. Essa escola, nas palavras de Antipoff, “quanto mais tomar feitio de casa do povo, de centro de comunidade, tanto mais resultados culturais e sociais trará ao país”. Os alunos e professores deveriam se envolver em atividades tanto teóricas como práticas, em grupos de tarefa. Entre as atividades práticas, a autora sugere os serviços domésticos, a horta, o jardim e o pomar, a carpintaria, a construção, a cerâmica, o trabalho com máquinas, a eletricidade, a costura, o artesanato, além de treinamento relativo ao uso do dinheiro. Para o desenvolvimento dessas atividades, os alunos e professores se organizariam em “clubes”, visando a “desenvolver o espírito de iniciativa, a cooperação, e o treino das virtudes autenticamente democráticas”.
Essas preocupações com a integração entre teoria e prática denotam uma caraterística importante no trabalho de Antipoff no Brasil: a visão positiva em relação ao trabalho manual, trazida também como herança da formação na Rússia e na França: sociedades onde a tradição camponesa é mais respeitada e valorizada. Trazem também a marca da herança genebrina: a preocupação com a educação para a cidadania e para a democracia. O foco na natureza desperta ainda em Helena Antipoff a perspectiva ecológica. Consciente, já na década de 1950, dos problemas decorrentes da exploração descuidada das reservas naturais e do uso predatório do solo, a autora recomendava, na Fazenda do Rosário, já em 1958, e citando dados da União Internacional Pró-Proteção da Natureza, “preparar cada um de seus alunos para a alta função de guardião do tesouro terrestre, de zelador do solo”, com o auxílio da ciência. Para ela, o cientista romperia com a tradição do ensino verbalista, pois ele “pensa também com as mãos, experimentando, operando…”.
Nos últimos anos de vida, e ainda como decorrência da experiência do Rosário, Antipoff desenvolveu uma preocupação especial para com a descoberta de talentos e a educação dos bem-dotados. Pensava que, em um país como o Brasil, a precariedade das condições de vida da população pobre e a falta de um sistema educacional realmente universal tinham como conseqüência a perda de um grande contingente de indivíduos talentosos, bem-dotados, que poderiam contribuir para a comunidade mas não o faziam por falta de orientação: “Talento e inteligência não são de geração espontânea, mas precedidos de longo trabalho de gerações: quem será pintor num meio rural, onde a criança nem mesmo tem o direito de usar o lápis de cor?”. É surpreendente, mesmo para a nossa sociedade de hoje, a vigência do pensamento educativo e as experiências pedagógicas de Helena Antipoff.
TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:
Servíndo-se da técnica do Cinema-fórum, analisar e debater sobre a forma e o fundo do documentário anteriormente resenhado.
Organizar nos estabelecimentos de ensino de todos os níveis uma amostra monográfica sobre a vida e obra pedagógica de Helena Antipoff. A mesma terá que incluir fotos, textos, frases educativas, cartazes, autocolantes, desenhos e mesmo textos dos próprios estudantes. Deve aproveitar-se o muito que há na internet sobre a sua figura. Com todo o material podemos editar e/ou policopiar uma monografia dedicada a Antipoff. Paralelamente a esta amostra, podemos projetar o filme-documentário citado, e organizar um debate-papo sobre as imagens vistas no mesmo.
Organizar um Livro-fórum, depois de ler, estudantes e professores, um livro escolhido por todos, relacionado com Helena Antipoff. Podemos escolher o escrito por Daniel Antipoff sob o título de Helena Antipoff: sua vida, sua obra, editado em 1975 pela editora José Olympio de Rio de Janeiro. Também Helena Antipoff: Textos escolhidos, ao cuidado da professora brasileira Regina Helena de Freitas Campos, uma das maiores especialistas sobre a pedagoga russo-brasileira.