Partilhar

Guilherme Malaquias: “Só uma vontade inquebrantável pode inverter uma uniformização cultural e linguística”

Guilherme Malaquias, alfacinha, é português e professor de português, o que lhe permite olhar de fora a própria língua. Se desse aulas na Galiza tornava-se um ativista da língua. Adora a música tradicional do seu país e do nosso. Tornou-se sócio da AGAL pelo entusiasmo que irradia a nossa associação. Sugere organizar conferências sobre a realidade linguística da Galiza nas faculdades de humanidades portuguesas.

Guilherme Malaquias, o nosso mais recente sócio, é professor de português para estrangeiros numa escola de Lisboa. É apenas um trabalho ou um entusiasmo?

É entusiasmo, sem dúvida. Mas sou entusiasmado por muitas coisas para além do ensino da língua portuguesa. As artes e o associativismo, por exemplo, entusiasmam-me de igual forma. Recentemente descobri uma paixão enorme pela música popular portuguesa e galega. Comecei a aprender a tocar adufe, um instrumento tradicional da Beira Baixa, e pretendo envolver-me mais a sério com a música popular. No final de contas, tenho muitos entusiasmos a competir uns com os outros e isso às vezes é um problema! Vejo-me a fazer muitas coisas diferentes. Inclusivamente, já pensei em dar aulas de português na Galiza. Talvez até o venha a fazer, quem sabe! 

Pelas tuas aulas passaram, e passam, pessoas de diferentes nacionalidades. Como é o ambiente que se cria com tanta diversidade?

O ambiente é descontraído. Em geral, as pessoas dão-se bem entre si e creio que todos saímos enriquecidos dessa diversidade, a começar por mim. Tenho sabido factos curiosos sobre países dos quatro cantos do mundo. Com um aluno indiano redigi uma lista de palavras comuns entre o bengali e o português que fomos descobrindo por acaso ao longo das aulas. Por outro lado, devo dizer que é sobre a língua e a cultura portuguesas que eu tenho aprendido mais. Todos os dias me dou conta de particularidades do português em que nunca tinha pensado antes de estar no papel de ensiná-lo a quem não o sabe falar. Este constante olhar de fora sobre a própria língua é, para mim, o aspeto mais positivo de dar aulas de português a estrangeiros. E para quem gosta de escrever, como eu, é perfeito! E quantas vezes não vou pesquisar sobre coisas da cultura portuguesa que me perguntam e a que, com muita vergonha, não sei dar resposta no momento. A última foi sobre o Dia da Espiga…

Todos os dias me dou conta de particularidades do português em que nunca tinha pensado antes de estar no papel de ensiná-lo a quem não o sabe falar.

Imagina que dás aulas de português na Galiza? Como te imaginas?

Bom, na verdade, não sei bem como imaginar o meu trabalho! Porque não seria como ensinar português aos alunos e às alunas estrangeiros/as que tenho em Lisboa, não é? Suponho que me focasse nas diferenças da variedade do galego-português falada no meu país, mas não tenho a certeza. Enquanto pessoa, só posso imaginar que tomaria parte na defesa da língua natural da Galiza, participando nas iniciativas e nos projetos que visam promover o seu uso, quer o façam de uma perspetiva reintegracionista ou não. Sobretudo, na Galiza acredito que conheceria outras pessoas para quem a língua importa, para quem ela significa toda uma cultura e não é um mero instrumento de comunicação que pode ser substituído por outro qualquer. E para quem, justamente, o combate se trava também por todas as outras expressões de um povo, desde os seus saberes e costumes às suas artes. Tenho também uma expectativa positiva em relação aos estudantes e às estudantes galegos/as. Uma excelente professora galega que tive na faculdade falava-nos de uma admiração no meio académico galego pelos poetas renascentistas portugueses (Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, Camões), ao passo que cá esses poetas não despertam grande interesse nos e nas estudantes e alguns nem sequer são conhecidos…

Guilherme, o que sabes da nossa variedade galega? Como o foi o teu contacto com ela?

Ainda não sei tanto quanto gostaria sobre a variedade galega. O meu contacto com ela esteve circunscrito a um trabalho que fiz na faculdade sobre política linguística. Escolhi a Galiza como meu objeto de estudo depois de visitar Santiago de Compostela e descobrir uma curiosa afinidade entre Portugal e a Galiza a vários níveis. E, claro, por ela me dar tanto de que falar no âmbito da política linguística. Foi através da pesquisa que fiz para esse trabalho que fiquei a par da realidade em que a variedade galega se encontra, da perspetiva autonomista e da reintegracionista, da norma da RAG e da proposta binormativista. No entanto, o meu conhecimento sobre a variedade galega é mais sobre a situação desafiante que ela atravessa do que as suas características. Falta-me o contacto vivo com ela para a conhecer propriamente. Espero que tornar-me sócio da AGAL seja um primeiro passo nesse sentido! 

Escolhi a Galiza como meu objeto de estudo depois de visitar Santiago de Compostela e descobrir uma curiosa afinidade entre Portugal e a Galiza a vários níveis. E, claro, por ela me dar tanto de que falar no âmbito da política linguística. Foi através da pesquisa que fiz para esse trabalho que fiquei a par da realidade em que a variedade galega se encontra, da perspetiva autonomista e da reintegracionista, da norma da RAG e da proposta binormativista.

Porque decidiste tornar-te sócio da AGAL? O que dirias a outras pessoas portuguesas para o fazerem?

A resposta prende-se com uma tomada de posição mais ampla em defesa da cultura. A meu ver, a sociedade neoliberal tem tido um resultado negativo para a diversidade cultural, pois permite que uma cultura se torne hegemónica e eclipse as restantes. Se olharmos para a rádio, a televisão, o cinema e até as atividades comerciais, vemos que no grande circuito só há espaço para uma forma que conquistou todo o terreno. O espaço da música e do cinema agora chamados “do mundo”, assim como do artesanato, passou a ser os nichos e, com isso, perderam-se coisas que deviam estar presentes ou, pelo menos, visíveis no nosso dia a dia. A uniformização cultural é também linguística, basta pensar que já soa mal dizer “oficina” se nos referimos a um “workshop” ou “competências” se nos referimos a “skills”. A uniformização linguística na Galiza ocorre de uma forma muito mais séria relacionada com o castelhano e acrescem fatores de ordem política. Independente do caso, acho que só uma vontade inquebrantável por parte das pessoas pode inverter uma uniformização cultural e linguística. Por isso, acredito na força das associações, das cooperativas, de todas as formas autênticas de união de esforços. E a AGAL tem muita força! O vosso entusiasmo pela língua que falam e querem continuar a falar é uma das razões por que me decidi tornar sócio. E depois, claro, há a expectativa de que, ao reconhecer-se oficialmente que falamos a mesma língua, possamos estreitar muito mais os laços que já nos unem. Perguntas-me o que diria a outros portugueses e a outras portuguesas para se tornarem sócios e sócias da AGAL? Fácil! Que do outro lado do rio Minho há quem lute pelo reconhecimento de que lá se fala a mesma língua que do lado de cá!

Perguntas-me o que diria a outros portugueses e a outras portuguesas para se tornarem sócios e sócias da AGAL? Fácil! Que do outro lado do rio Minho há quem lute pelo reconhecimento de que lá se fala a mesma língua que do lado de cá!

Quais seriam as melhores vias para mostrar a realidade linguística da Galiza à sociedade portuguesa?

Talvez os meios de comunicação social generalistas não fossem tão eficazes como outros. Não estou certo de que a maioria dos portugueses e das portuguesas fosse prestar muita atenção às questões que essa realidade levanta, nomeadamente a do reintegracionismo… Infelizmente, vejo que há uma falta de interesse geral, ou mesmo indiferença, pela coisas que dizem respeito à nossa língua, ainda mais se a questão é colocada fora de Portugal. Mas, como escrevia o Saramago a propósito dos dois anos da Fundação José Saramago, a “tarefa de esclarecimento público permitiu-nos levar as nossas ideias e as nossas propostas às pessoas de boa-fé, que felizmente não faltam neste país, por muito mal que dele se diga”. Talvez a resposta esteja nessas pessoas intrinsecamente disponíveis que darão muito de si para apoiar um movimento pertinente como este. Para se chegar a elas, o trabalho pode passar, por exemplo, por organizar conferências sobre a realidade linguística da Galiza nas faculdades de humanidades portuguesas, contactar associações culturais, publicar livros em editoras portuguesas e artigos em jornais e revistas de informação crítica. 

Imagina o ano 2050. Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050 e das interações com a sociedade portuguesa?

Uma fotografia em que a maioria da população galega não se visse minimamente condicionada a falar outra língua em vez da sua, tanto em contexto familiar como profissional e institucional. Gostava que nesse ano a interação com a sociedade portuguesa fosse muito mais dinâmica no plano linguístico e que proliferassem parcerias nos planos cultural e artístico.

Conhecendo Guilherme Malaquias

Um sítio web: https://www.wilder.pt/ É a Wilder, uma revista independente de jornalismo de natureza.

Um invento: o isqueiro que os pastores algarvios inventaram durante o Estado Novo, em que era proibido andar com um isqueiro a gás sem ter uma licença para o efeito. Como os fósforos também eram caros, os pastores criaram o seu próprio isqueiro, que consistia num estojo que continha um pedaço de quartzo, outro de madeira e algumas “iscas”, frutos secos da erva-isqueira. O interior das iscas é esponjoso e inflama facilmente. Então, os pastores cortavam uma isca ao meio, punham uma das metades sobre o quartzo e raspavam um pedaço de madeira contra o quartzo até produzir faísca e inflamar a superfície esponjosa da isca. Sopravam um pouco para atear e depois era só encostarem a ponta do cigarro à isca, que ele acendia-se logo.

Um facto histórico: que em Portugal, no período revolucionário iniciado com o 25 de abril de 1974, muitas pessoas se organizaram para andar pelo país fora a garantir que muitos adultos e adultas soubessem, finalmente, ler e escrever.

Uma música: a “Canção do Linho”, do Adriano Correia de Oliveira, interpretada pelo Sebastião Antunes.

Um livro: Como um Pedaço de Terra Virgem, da Virgínia Dias.

Um prato na mesa: uma sopinha de agrião.

Um desporto: subir a pé as escadas rolantes da estação Baixa-Chiado, que volta e meia estão avariadas.

Um filme: Feliz Como Lázaro, da Alice Rohrwacher.

Uma maravilha: o que normalmente se despreza.

Além de português: alfacinha.

Academia Galega da Língua Portuguesa, de visita em Lisboa para entrevistas

“Ponte coa lusofonía” Uma seleção de cinematografias contemporâneas de países da comunidade lusófona

Novidades Através: Todas as crianças foram antes adultos (mas poucas se lembram)

Para toda a gente e de ninguém

Academia Galega da Língua Portuguesa celebrou XVI Aniversário com presença brasileira e portuguesa

Sucesso no Dia da Criança Galegofalante em Ferrol

Academia Galega da Língua Portuguesa, de visita em Lisboa para entrevistas

“Ponte coa lusofonía” Uma seleção de cinematografias contemporâneas de países da comunidade lusófona

Novidades Através: Todas as crianças foram antes adultos (mas poucas se lembram)

Para toda a gente e de ninguém