Apenas começando o século XVIII da cronologia ocidental o fechado Império da China era o centro da economia da Ásia, que por sua vez era o gerador principal de riqueza e o motor do comércio do mundo. No decurso destes quatro séculos outros impérios emergiriam e outros tantos declinaram.
Espanha e Portugal sumiram como potências hegemónicas, do mar, do comércio, da cultura, das artes e da guerra. Isso aconteceu também nos inícios desse século XVIII, que, não por acaso, baliza a mudança produtiva, comercial e militar que define e é definida pela industrialização, o capitalismo como a época da hegemonia e expansão imperialista do Ocidente.
Resulta interessante observar como a história, a pouco que abramos o foco é qualquer cousa menos determinista e ocidental. As realidades políticas contemporâneas (os estados) não são eternas: são modernas. A ficção da sua continuidade ou antiguidade histórica estabeleceu-se paralela a da sua hegemonia; e a justificação, com a fixação da história, da ideia da nação contemporânea, da soberania e participação nacional e, em consequência, com a inestimável colaboração do sistema educativo universal, dos intelectuais académicos, dos artistas consagrados, dos divulgadores autorizados e os mass média.
A narrativa nacional como conjunto definido é obra de séculos, nomeadamente destes séculos que decorrem desde o XVIII, ajustada e reajustada em adequação das mudanças políticas e sociais e dos avances teóricos e metodológicos que foram configurando o caráter científico da formulação da narração histórica.
Mas é difícil que a história seja ciência, quando nem a ciência é assim tão ciência. As premissas culturais, económicas, políticas, as grandes crenças continuam a definir os grandes troppos e as linhas de horizonte que se procuram. Em tantos aspectos a Terra continua plana, as mulheres inferiores, as metáforas reitoras são as dos livros das religiões, e as raças determinam hierarquias e sucessos de classes no determinante imaginário dos coletivos.
Espanha e Portugal são hoje determinismos históricos intocáveis. Um na sua configuração moderna, vontade de unidade peninsular, mediterrânea e hegemonia castelhana, outro na sua condição de venerável antiguidade nacional, facto da vontade política completa na origem, vocação atlântica, colonialismo e post-colonialismo. Ambos envoltos em farrapos de glória militar, descobertas, evangelização, contrarreforma de fidelidade católica, apostólica e romana e com complexos vários por não ter acertado caminho na modernidade industrial e capitalista.
E assim chegamos ao século XXI da cronologia Ocidental. Pelo Oriente a China esperta em abrente comercial, e a Espanha e Portugal semelham ter as suas histórias divergentes construídas.
A Galiza, por entanto, dorme, ligada a Castela e afastada de Portugal, num sono de séculos. E a narrativa da nação espelha desde o século XVIII esse sono, e clama por um despertar que, uma e outra vez, não termina de acontecer.
Mas por que dorme a Galiza? E já que estamos: desde quando dorme?
Por que considerarmos que começou a ser chamada a despertar a meados do século XVIII, quando era a Espanha Imperial a que era chamada a sair do breve letargo, e a recuperar o seu posto dianteiro entre os Impérios europeus nascentes? Por que considerarmos que a narrativa da nação é útil quando apenas é imitação cativa da de Espanha, da de Portugal, e mais tarde seguidora do modelo moderno da Historiografia da Catalunha?
Mas como vai ser? Se a pouco que reparemos não ajusta. A história da Galiza é talvez mais complexa, está fadada? Não. Agora, podem-se narrar os projetos, as histórias, com os modelos doutros, sem centralidade nacional, como eterna periferia insucedida? Também não.
A narrativa da nação galega entra em conflito com a existência prévia de uma formulação da Espanha à galega. Com um substrato no imaginário coletivo que não terminou nunca de se esquecer de Portugal nem de considerar Castela algo mais que um simples território de Expansão (território em disputa com os territórios do norte da África, com o Aragão e com Navarra).
Cumpre, daquela, insistir em que existiu um projeto galego para Hespanha. Um projeto de séculos e ab ovo. O seu espaço central e geográfico aparece já fixado na legenda do mapa patriótico e reivindicativo de Ojea, e a sua história e projeto na sátira do Conde de Lemos e nas reflexões do de Gondomar, lá nos inícios do século XVII. A Galiza dos celtas provincializados por Roma, a Galiza Sueva, a Galiza dos velhos reis. Uma Galiza que despertou quando Portugal volveu a fazer parte do projeto espanhol com os Filipes, que despertou brevemente também com a francesada, e com a emigração às novas repúblicas americanas, que se mexeu agitada com as repúblicas portuguesa e espanhola e até com a Revolução dos Cravos.
As elites galegas medievais que ecoam as do século XVII, sonhavam com uma Hespanha que limitara a Leste com o Ebro e a Sul com o Tejo ou o Guadiana. Que incorpora Leão, Asturias, Toledo, como territórios de expansão as Castelas, e em fase imperial o Alentejo, a Andaluzia e até Murcia. Uma Galiza hispana e pan-atlântica, com Portugal, mas sem o império mediterrâneo de Aragão, o Reino antigo de Navarra e os territórios biscainhos. Projeto submerso que não terminam de integrar, entender, explicar ou narrar com sentido as elites e a historiografia dos séculos XIX e XX, comprometidas numa outra narrativa mais limitada e de nação à moderna.
Mas, como não vai dormir a Galiza se a partir do século XV esse projeto atlântico não foi, e o que existe depois é uma Espanha com centro castelhano que incorpora Aragão e os restos de Navarra, e um Portugal em permanente fugida?
A era das nações declina, mas sem o corredor atlântico e sem um projeto de ordenação territorial, não cumpre espertar. E para que? se a Galiza dorme desde o Renascimento, desde o triunfo do partido Aragonês nos tempos de Juan II de Castela, não desde o século das Luzes. Foi no século XV, quando Portugal ficou afastado e a Galiza deixou de sonhar com incorporar Castela à coroa portuguesa ou vice-versa, quando Aragão e Navarra mudaram a geoestratégia tradicional peninsular com as suas alianças internacionais.
E a Galiza não foi uma nação, nem um estado. É uma realidade anterior que não fixou essas narrativas. Mas, também não é um território conquistado e submetido que luta por se liberar do jugo imperial. É o reino antigo, a coluna vertebral, um Yamato Atlântico, outra ideia e possibilidade de Hespanha. Portanto a sua história não pode ser narrada em chave nacional anti-colonial moderna.
Uma história da Galiza realmente lógica e com sentido tem de considerar outros modelos narrativos. Tem de procurar outras explicações.
Para isto, e antes de mais é preciso um reintegracionismo historiográfico. Uma narrativa histórica que tem de considerar a cada fase, a cada época, a cada virada Portugal. Para deste jeito ir apurando uma construção narrativa mais rica e facetada, mais dinámica, aberta e com sentido que nos explique melhor e liberte desta história isolacionista, desenvolvida em paralelo à narrativa da língua, fechada na ideia tetraprovincial e limites da Autonomia e dentro da narrativa possível do Reino da Espanha.