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Borxa Neira: “A distribuiçom atual menospreza e subestima duas maneiras -paróquias e comarcas- de entender a organizaçom social clássica na Galiza”

Acaba de sair do prelo Mover os marcos. A (des)organizaçom do território galego, a primeira obra de Borxa Neira, um livro que relativamente à administraçom galega tem a intençom de mover os nossos marcos internos, aqueles que delimitam o pensamento da pessoa leitora.

Quando e como nasceu o teu interesse pelas divisões territoriais galegas? 

A geografia política é um campo polo qual sempre tivem um interesse especial. Lembro que quando tinha seis ou sete anos, ficava mais tempo olhando o atlas da minha irmã do que jogando com os brinquedos próprios dessa idade. Pouco tempo depois, sendo ainda umha criança, comecei a sentir umha maior querença pola geografia “de proximidade”, e mudei o atlas polo guia de estradas que o meu pai, condutor profissional, levava sempre no carro. Coincidiu com o momento em que saírom aprovadas oficialmente as comarcas galegas, que me chamavam muito a atençom por serem partições administrativas diferentes às que eu conhecia naquela altura (os concelhos, as províncias, os estados…). Apesar de serem sujeitos geográficos daqui, essas comarcas tinham para mim umha aura especial, um ponto até exótico que, com o passar do tempo e sendo já adulto, gostei de continuar a explorar.

Este livro tenciona alterar a nossa perceção do território galego através das mudanças acontecidas ao longo da história. Quando apareceram os marcos? Quem os pujo e quem os põe agora? Qual achas que foi o mais importante ou que causou mais impacto na sociedade galega?

Os marcos som a resposta à necessidade de determinar onde finaliza a minha terra e onde começa a do vizinho. Isso foi sempre assim à escala local (a do pequeno proprietário ou a do senhor feudal), mas também à escala global galega, em que as fronteiras da Galiza vinhérom dadas por luitas de poder ou guerras entre os distintos reinos ibéricos. Desde a Idade Média, os chefes dos órgaos eclesiásticos (com os sucessivos monarcas olhando de esguelho) tomárom o protagonismo à hora de pôr os marcos a algo tam ligado à história e à sociologia da Galiza como som as paróquias. E agrupando paróquias, criárom novos marcos num nível superior para esculpir arciprestados e dioceses.

Os marcos som a resposta à necessidade de determinar onde finaliza a minha terra e onde começa a do vizinho. Isso foi sempre assim à escala local (a do pequeno proprietário ou a do senhor feudal), mas também à escala global galega, em que as fronteiras da Galiza vinhérom dadas por luitas de poder ou guerras entre os distintos reinos ibéricos.

Nos tempos atuais a influência da Igreja e da realeza é, neste sentido, muito menor, e a responsabilidade sobre os marcos recai sobre as administrações públicas e os seus gestores. A própria Junta da Galiza assinou as comarcas que nos dias de hoje estám vigentes, mas o conteúdo existente no interior desses marcos estava bastante vazio. Aliás, os desenhadores destas comarcas baseárom-se noutros marcos pré-estabelecidos como som os dos concelhos e os das províncias, nascidos no século XIX ao abrigo da corrente liberal. Precisamente acho que fôrom os marcos dos concelhos e os das províncias os que causárom um maior impacto, porque introduzírom na Galiza um modelo de organizaçom próprio de terras castelhanas que nom se ajustava à realidade demográfica galega. Esse modelo provincial, precisamente, é o que perpetuou o afastamento administrativo de comarcas de fala galega (como som o Berzo ocidental, o Eu-Návia e Entre-as-Portelas) da Galiza atualmente reconhecida como tal polas instituições. E isto, como é óbvio, foi especialmente traumático para a vizinhança destes lugares.

Precisamente acho que fôrom os marcos dos concelhos e os das províncias os que causárom um maior impacto, porque introduzírom na Galiza um modelo de organizaçom próprio de terras castelhanas que nom se ajustava à realidade demográfica galega.

Para explicar a atual divisão territorial utilizas diversos recursos que nos permitem entender o funcionamento da sociedade galega através dos seus costumes, hábitos e contexto, enriquecendo o livro não só do ponto de vista científico, mas ainda sociológico ou económico, entre outras áreas. Qual a importância da atividade humana na conformação dos marcos? O que nos diferencia de outras sociedades peninsulares ou extrapeninsulares?

A atividade humana é a razom da existência dos marcos. Estes estám intimamente ligados à maneira em que os galegos nos fomos espalhando por todos os cantos do território desde as origens da Galiza, gerando múltiplos lugares e aldeias, aproveitando os abundantes recursos com que a natureza nos presenteou e adaptando-nos também às formas do relevo. Por esta notável presença humana, a questom dos marcos é mais complexa aqui do que, por exemplo, em Castela e na Andaluzia, regiões nas quais os humanos tendêrom a se concentrar em núcleos compactos, separados entre si e de maior tamanho do que as nossas aldeinhas e paróquias. Se calhar por ser este o modelo demográfico que habitualmente viam ao seu redor, os criadores dos concelhos tomárom-no para a fixaçom de marcos municipais em toda a Espanha e ignorárom a organizaçom secular das paróquias galegas.

Também nom estou a dizer que a Galiza seja única no mundo. Os nossos vizinhos asturianos e leoneses, filhos da velha Gallaecia como nós, disponhem-se em núcleos populacionais de tamanho reduzido. Eles sofrem, tal como nós, esta disfuncionalidade administrativa alheia à maneira em que historicamente compreendêrom o seu território. Mais sorte tivérom em Portugal; lá, as abundantes freguesias da regiom norte fôrom reconhecidas e designadas como o estamento básico da administraçom civil (além da religiosa).

Mais sorte tivérom em Portugal; lá, as abundantes freguesias da regiom norte fôrom reconhecidas e designadas como o estamento básico da administraçom civil (além da religiosa).

Para além de informar a população sobre o processo vivenciado e por vivenciar, também estás interessado em fornecer novas propostas para a organização territorial. Quando soubemos que as divisões estavam obsoletas e se evidenciou uma crise administrativa? Existiram muitas alternativas ao longo da história?

Acho que todas as divisões administrativas delimitam territórios vivos e mutáveis. Sob esta ideia, pode-se deduzir que nalgum momento da sua existência, estas divisões avelhentam-se e precisam adaptar-se às mudanças sociais, económicas ou demográficas que se produzem na área delimitada polos seus marcos. Ocorreu, vou pôr um exemplo, com os múltiplos coutos e jurisdições de origem medieval, que em muitos casos eram pequenos e nom apresentavam umha continuidade espacial. Os liberais, quando chegárom ao poder no século XIX, determinárom que para acabar com essas descontinuidades, os coutos e as jurisdições haviam de ser substituídos por modernos concelhos. Mas por sua vez, há cem anos, os membros das Irmandades da Fala criticárom duramente esses concelhos, por obsoletos e por inadequados para a realidade galega. O tempo deu-lhes a razom; a partir da década de 1960, a época da grande transformaçom social e económica no rural, notárom-se claros sintomas de esgotamento no modelo municipal. Um esgotamento que se torna evidente na atualidade, quando os concelhos sofrem sérios problemas para assumirem a prestaçom dos serviços que lhes fôrom encomendados.

Quanto às comarcas oficiais, também ficam obsoletas apesar da sua juventude (fôrom proclamadas há um quarto de século). E isto sabia-se praticamente no momento da sua aprovaçom, porque se estava a ver que foram pensadas para nom incomodar as estruturas criadas com os concelhos e as províncias. Eram umhas comarcas estéreis, inócuas, sem vida, com um pesado e ineficaz organograma institucional. Hoje estám quase esquecidas porque os responsáveis políticos nom soubérom aproveitar as possibilidades que elas brindavam. 

Quanto às comarcas oficiais, também ficam obsoletas apesar da sua juventude (fôrom proclamadas há um quarto de século). E isto sabia-se praticamente no momento da sua aprovaçom, porque se estava a ver que foram pensadas para nom incomodar as estruturas criadas com os concelhos e as províncias. Eram umhas comarcas estéreis, inócuas, sem vida, com um pesado e ineficaz organograma institucional. Hoje estám quase esquecidas porque os responsáveis políticos nom soubérom aproveitar as possibilidades que elas brindavam. 

Há e houvo alternativas, antes e também depois da promulgaçom das nossas comarcas, e venhem recolhidas neste livro. O último quarto da passada centúria, coincidindo com a recuperaçom da autonomia galega, vivemos umha época dourada no estudo das nossas comarcas. Foi graças ao interesse de especialistas em geografia e noutras ciências sociais, que tomárom como referência o rico contributo prévio de Antom Fraguas e de Otero Pedrayo. E no caso dos concelhos e das províncias, as propostas de adequaçom fôrom habituais no século XIX, nos anos posteriores ao seu assentamento no corpus administrativo. Também mais recentemente, no que levamos de século XXI, houvo propostas de fusões municipais e alguns autores lançárom-se à aventura de apresentarem alternativas ao atual mapa de concelhos. Há que lembrar neste ponto as duas fusões municipais dos últimos anos na Galiza (Oça-Cesuras e Cerdedo-Cotobade). Na verdade, nem chegárom a ser alternativas; mas sim alterações administrativas desenhadas num gabinete e aprovadas sem umha consulta popular prévia.

A distribuição errada do território galego tem diversas consequências negativas. Poderias comentar-nos sinteticamente qual a pior delas?

Com efeito, há muitas consequências negativas e de muitos tipos. Umha distribuiçom inadequada provoca a ineficácia da administraçom pública, da prestaçom de serviços e da resoluçom de qualquer trámite (médico, judicial, notarial, educativo…). Os marcos internos da Galiza som uns ou outros em funçom do trámite para ser resolvido; daí que os partidos judiciais, por exemplo, nom coincidam com os distritos notariais. Nem sequer as novíssimas áreas metropolitanas concordam com as comarcas oficiais estabelecidas pola Junta no ano de 97. No rural a tendência é a mesma: as mancomunidades podem coincidir (ou nom) com os limites comarcais. Agora mesmo, com todas as camadas administrativas que temos, estamos perante umha situaçom constante de duplicidades nas diferentes esferas da administraçom pública, o que ocasiona umha multiplicidade de órgaos, de pessoal, de gastos económicos que assumimos entre todos e que poderiam ser evitados com umha boa estrutura administrativa.

Os marcos internos da Galiza som uns ou outros em funçom do trámite para ser resolvido; daí que os partidos judiciais, por exemplo, nom coincidam com os distritos notariais. Nem sequer as novíssimas áreas metropolitanas concordam com as comarcas oficiais estabelecidas pola Junta no ano de 97. No rural a tendência é a mesma: as mancomunidades podem coincidir (ou nom) com os limites comarcais.

Esta distribuiçom provoca a desconexom entre os poderes públicos e a sociedade atual, o qual é mui grave. Porém, destacaria outra consequência que para mim é também mui negativa: a desconexom com o passado. A distribuiçom atual menospreza e subestima duas maneiras de entender a organizaçom social clássica na Galiza e que hoje nom contam com um papel significativo no exercício das funções da Administraçom pública. Por um lado, as paróquias, que tenhem um milénio de percurso e que aginha ficárom com uns marcos estabelecidos e duradouros. Por outro lado, as comarcas que, apesar de nom contarem com fronteiras oficiais até 1997, refletem a existência das áreas geográficas ou das pequenas regiões diferenciadas que encontramos na Galiza. Tendo em conta este facto, tanto as comarcas quanto as paróquias contam com um valor imenso para compreendermos a nossa geografia, os nossos costumes, a nossa maneira de relacionar-nos… mesmo a nossa economia. Um valor para sabermos como chegamos aonde hoje estamos.

Tanto as comarcas quanto as paróquias contam com um valor imenso para compreendermos a nossa geografia, os nossos costumes, a nossa maneira de relacionar-nos… mesmo a nossa economia.

O teu trabalho nestes anos tem sido árduo e este livro é uma pequena amostra. Tens pensado acrescentar o teu contributo com novos trabalhos que nos permitam compreender mais e melhor a nossa terra?

Gosto muito de aprender e de conhecer novos lugares na Galiza. Medito frequentemente sobre a questom territorial galega e devo confessar que, na privacidade que me outorga o meu escritório, escondo algumhas propostas de mudanças dos marcos galegos, baseadas no facto comarcal. Nom direi que som melhores do que as propostas apresentadas polos académicos que cito no livro, mas considero humildemente que contam com um valor adicional, sendo o de tê-las concebido a mil quilómetros de distância. O facto de residir em Barcelona ajuda-me a observar o território galego de outro ponto de vista, sem estar dentro do miolo, e permite-me estabelecer comparações entre a situaçom administrativa, política, económica e social que há na Catalunha e na Galiza.

Retornando à pergunta, estaria mui contente de partilhar estas ideias se forem de interesse para alguém. Afinal, essas propostas som o resultado de todo o que explico neste primeiro livro, que oxalá nom seja o último.

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