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Bea Busto:“O livro tem propiciado que cobrassem circulação real reflexões críticas arredor da música tradicional”

Beatriz Busto, a autora do livro Um país a la gallega, Galiza no No-do franquista e ganhadora do Prémio Folhas Novas na modalidadade de ensaio no ano 2022, voltou mais umha vez conversar connosco na sequência da publicação da segunda edição do seu livro. Uma conversa estimulante como sempre que recordamos pode ser ampliada com outra anterior publicada também no PGL, nom menos esclarecedora.

Com quase três anos de vigência já nas livrarias e com uma primeira edição esgotada, como valorarias o percurso de Um País a la Gallega? O quê foi para ti o mais importante do feed-back criado com os leitores e leitoras?

O percurso foi fantástico, certamente. A acolhida do livro foi estupenda desde o início e tem-me obsequiado com muitas satisfações, no que diz respeito ao plano académico e intelectual e também quanto ao pessoal. Muitas pessoas desde então – mulheres muito especialmente, algumas colegas de geração e outras maiores ou mais novas- têm-me feito chegar que a leitura do livro ativou nelas reflexões políticas que tinham que ver com lembranças infantis (e não só infantis) de processos violentos sofridos arredor das suas experiências com essa categoria que ainda sofremos disto do “baile gallego”. Essa, diria, tem sido uma das vivências mais emocionantes do livro, sentir que graças a ele há uma série de reflexões políticas, de género, corpóreas que evidenciam que fomos “atadas” -metafórica e literalmente- com as correias da versão folclorista do património musica galego (também violentado): a memória coletiva de ter estado submetidas, violentadas, controladas, reprimidas, etc. em algum momento das nossas vidas a causa dessa arquitetura cultural franquista e/ou herdeira do regime. Penso que o livro tem propiciado que cobrassem circulação real reflexões críticas que já estavam em muitas de nós e que nos unem como sujeitos políticos que se revoltam contra essa violência, aparentemente menor, que sofremos ainda hoje, por volta da música tradicional.

Ganhaste com o livro o prémio do melhor ensaio em galego 2021. Há alguns livros que alteram vidas. (Risos) O prémio Folhas Novas que representou para ti? Achas que influiu em algo relevante relacionado com a obra?

Receber um prémio sempre é um instante feliz, ainda mais quando não se espera. Eu não escrevi o livro para receber nada mais do que já possuía com a sua publicação; é mais, eu soube que optava ao Folhas Novas na fase final por outra pessoa que me avisou, não estava atenta a esse processo porque não estava dentro das minhas coordenadas essa possibilidade. Quando escrevi o livro o único que verdadeiramente necessitava era poder tirar de mim o que eu considerava que era de todxs nós e que só sabia eu até que o livro se materializou nas livrarias. Poder ter feito isso, ter podido transferir à minha comunidade o trabalho, as conclusões, as reflexões, os incómodos, as frustrações (porque o livro também está enunciado desde um plano pessoal), esse foi o verdadeiro privilégio. Os prémios são fantásticos e motivo de muito orgulho; máximo se o reconhecimento chega da comunidade literária e académica galega, mas o prémio primeiro e verdadeiro para mim foi abrir a caixa de livros que chegou a casa com os primeiros exemplares. Isso fê-lo possível Através. O resto das coisas que passaram foram sucessão dessa primeira. Não há muitas teses doutorais que tenham a atenção editorial que verdadeiramente merecem, portanto, eu considero-me privilegiada por tê-la tido.

Compaginas docência musical com investigação e divulgação sobre materiais relacionados com a tua área. Mudaste de linha de investigação a partir de Um País a la Gallega ou continuas polo mesmo roteiro? Nesse sentido, quais foram os teus últimos trabalhos de pesquisa e divulgação? E agora em que estás trabalhando ultimamente e em que estás pensando trabalhar num futuro?

Francamente, não o sei. A docência musical precarizada é a que me permite comer e a investigação começa a não ser sustentável. Depois de Um país a la gallega publiquei com a aCentral Folque o livro Pandereteiras de Mens, investigação pela que recebi o 1º prémio de investigação à Introducción à Perspectiva de Género da USC. Agora venho de receber outro, por uma coedição com Carlos Pazos e Susana Sotelo sobre as alianças e ameaças que estão a supor o Caminho de Santiago para as comunidades locais, no âmbito das investigações desenvolvidas pela Rede Galabra, rede de investigação à qual pertenço. Em resumo: tenho tantos primeiros prémios de investigação como postos de trabalho; três primeiros prémios em investigação e três postos de trabalho. Três contratos para juntar uma nómina mensal. Com isto que venho de mencionar, já não preciso explicar mais. O meu percurso de investigação (e de divulgação) na Galiza, apesar de todas as publicações, de todos esses prémios e de toda a transferência social, não são suficientes para pontuar quase nos méritos de currículo dos concursos a vagas de docência e investigação (algo se começou a saber arredor do sistema corrupto e capitalista de valorizações académicas por alguns meios de comunicação há um tempo). Então, a estas alturas e devido à esta situação, estou a reformular-me seriamente o meu futuro na investigação dentro da Galiza. Como tantas investigadoras valiosas do nosso país, estou a ponto de abandonar tudo isto e concorrer a uma vaga para o ensino secundário.

O meu percurso de investigação (e de divulgação) na Galiza, apesar de todas as publicações, de todos esses prémios e de toda a transferência social, não são suficientes para pontuar quase nos méritos de currículo dos concursos a vagas de docência e investigação

Um País a la Gallega explora o encorsetado e o congelado dos estereótipos que folclorizaram e ideologizaram uma visão da Galiza durante o franquismo e que ainda a dia de hoje permanecem. Numa época totalitária de poucas possibilidades de contestação social, com um ensino controlado pola igreja e com uns meios de entretimento dirigidos, parece que não havia outra maneira de que as cousas acontecessem de outro modo. Contudo, hoje em democracia, continuamos a viver muitas vezes com os mesmos clichés, com as mesmas mensagens redutoras e folcloristas e muito perigosamente, também ao meu juízo, nestes tempos de convulsões políticas bastante ameaçantes, com uma linguagem populista a se permear descaradamente em inúmeros discursos na imprensa e nas redes sociais. Por isso mesmo, até que ponto achas que independentemente do meio de transferência da mensagem, o poder sempre encontra a maneira de lançar unidirecionalmente a sua ideologia? Quais som para ti essas ferramentas que está a empregar agora a extrema direita nos seus discursos sociais, políticos e de género na batalha cultural e em que afeta isto a Galiza e à nossa cultura?

O primeiro sobre o que gostaria de refletir é que o poder também somos nós e não está por fora de nós. É certo que não dispomos do poder executivo, nem do legislativo, nem do judicial mas contemplar o poder hoje em dia como podia ser na ditadura, ao meu ver, não é ajeitado e não ajuda: desresponsabiliza-nos politicamente. O que consumimos, onde o consumimos, a olhada que executamos sobre os demais, a arrogância ou não com a que nos relacionamos com o que nos rodeia, o que pensamos do “outro” por ser diferente, da “outra” por ser prostituta, o que vestimos, aquilo com o que nos alimentamos, de que modo viajamos (a onde e por quê) e, com certeza, o que vemos, acreditamos e reproduzimos dos discursos hegemónicos que estão nos média; tudo isto é político. É certo que os poderes, percebidos estes mais dum modo concreto e ortodoxo têm uma capacidade de acesso, uso e manipulação dos aparatos de reprodução de poder que nós não temos: o abuso sobre os serviços de comunicação e sobre outros serviços públicos que vão limitando direitos de informação, de saúde, de educação, de habitação, etc. A toda essa maquinaria ao serviço de interesses políticos partidistas, como cidadania, temos pouco acesso mas a outros contextos, ao contrário, temos muito mais acesso; quer seja nas redes sociais que nos unem, percebidas estas de um modo físico e afetivo ou quer no mundo virtual como Instagram, Youtube ou TikTok. Menciono estas porque em ambas (presenciais e virtuais) colam-se discursos, narrativas e argumentos que não executa ninguém por nós, senão que somos nós mesmas quem as fortalecemos. Os discursos homófobos, racistas, machistas, violentos, moralistas, tránsfobos, aporofóbicos que nos invadem estão inoculados na própria população e são as pessoas as que os aceitam, ostentan, reproduzem, alimentam e amplificam.

Daí que, com efeito, estejamos perante isso que se tem chamado “batalha cultural” (nome que ainda não tenho muito claro que goste) porque todo daquilo que tínhamos mais ou menos elucidado graças ao conhecimento e o pensamento que nos forneciam as ciências sociais e humanas principalmente (as ciências naturais contestam-se menos porque há uma consideração mais positivista cara elas) está tornando ser uma “opinião”. Essa é uma regressão brutal do conhecido e do cognoscível e, ao meu ver, é o discurso que há que desautorizar. Fala-se de “opinião” quando o que se pretende é converter conquistas derivadas do conhecimento social e humano num diálogo de “possíveis”. Se pensar que uma mulher preta africana deve ter os mesmos direitos sociais que um homem branco europeu é uma opinião (em lugar de um pensamento conquistado derivado do conhecimento das ciências sociais e humanas) significa que também é legítimo opinar que um homem branco europeu deve ter mais direitos que uma mulher preta africana (uma regressão no pensamento derivado de teorias racistas que não se assentam em nenhum parâmetro do conhecimento).

Fala-se de “opinião” quando o que se pretende é converter conquistas derivadas do conhecimento social e humano num diálogo de “possíveis”.

De que modo nos afeta isto a nós na Galiza? Pois se no estado espanhol (e em muitos lugares do mundo) perigam os direitos sociais, de classe e de género, na Galiza ademais de todos esses que são comuns, também perigam os direitos locais específicos (que também são comuns a outras comunidades ameaçadas): os culturais, os linguísticos, os de identidade, os de acesso à terra e de vivência do território, os meio ambientais e ecológicos e se me apressas, inclusive os direitos climáticos. Há décadas que vivemos um processo neocolonialista e de violência extractivista clara que tem que ver com as políticas sobre o(s) património(s), as políticas sobre os territórios, sobre as energias, sobre os recursos, as políticas (ou ausência de políticas) meio ambientais, as políticas de género, as políticas sobre os serviços públicos: em definitiva, as políticas da “despossessão”.

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