O escritor e colaborador do PGL vem de publicar o livro “Mudar o Mundo”, editado em Lisboa polo MIL/ DG Edições. Platô Editorial também publicará o livro no fim deste mês, em versão digital.
Artur Alonso é galego, mas nascido no México, é diplomado pela Escola Pericial de Comércio de Ourense. Exerce como funcionário do Serviço Galego de Saúde do Governo da Galiza. Publicou várias obras de poesia e é académico da AGLP.
Mudar o mundo, assim como declaraçom absoluta, nom será ambicioso demais?
Podemos dizer que o título é um pouquinho impactante. Com o objetivo de atrair o leitor que gostar destes temas a aprofundar nas páginas do mesmo, quiçá foi feito… Mas na realidade, este ensaio não tem pretensões tão arrogantes. Simplesmente se trata de estabelecer um diálogo, em torno a vários temas confluindo; interagindo com várias disciplinas, assim como com as diversas visões da sociedade civil; no intuito de achegar diversas formas de reorganizar um modelo político, económico, cultural (o atual) já em franca decadência. Tendo em conta, como afirmava Jiddu Krishnamurti, o facto de o ser humano ter evoluído muito cientifica e tecnologicamente, pouco quanto à psique; e agora faz-se precisa essa evolução. Pois, se repararmos na distância tecnológica, conquistada com o tempo, entre um piloto de avião e um guia de carros de cavalos da era greco-romana, afirmaremos que o salto é quantitativo e, mesmo qualitativo. Mas se indagarmos na psique de ambos (sua motivação existencial, seus medos, dúvidas, suas certezas, anseios…) tal vez aí a distância ficaria mais curta.
Ao mesmo tempo essa psique humana é possível que esteja ainda muito atrelada à visão guerreira do caçador – defensor da sobrevivência da tribo, que identificava o contrário como inimigo pela sobrevivência, tal como afirmava Mircea Eliade; com a conotação da divisão, caracteristica entre nós: o lado luz e, eles o lado sobra. Visão e divisão de guerra, agora afirmada na concorrência política, de ideia de nação, de credo…
Assim o livro pretende abrir estes diálogos tão complexos, numa era, de transição, com mudança impulsionada pela revolução tecnológica, abrangendo todos os campos possíveis: ecologia, filosofia, política, economia, cultura… Abrir um diálogo permanente com a esperança de gerar dinâmicas novas que possam ajudar a implementar uma nova realidade, que no fim, estabeleça um novo paradigma local e global, mais humano, ecológico e participativo: mais fraterno. Um novo paradigma onde o contrário deixe de ser olhado como concorrente, e passe a ser aceite como complementário.
O livro pretende abrir estes diálogos tão complexos, numa era, de transição, com mudança impulsionada pela revolução tecnológica, abrangendo todos os campos possíveis: ecologia, filosofia, política, economia, cultura…
Que vai encontrar o público no teu livro?
Mais que encontrar, vai ir ao encontro. E mesmo pode que reflita que ainda é preciso encontrar-se, encontrar-nos, seguindo aquela máxima, escrita no Templo de Apolo, em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”… “Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o universo e os Deuses”… O encontro, com diversas visões, diversas maneiras, diversos modos de perceber a realidade, dentro de cada cultura, localidade, sociedade… E essas diversas achegas, não têm por que ser confrontadas, como rivais que pretendem destruir aquilo como o que nós nos identificamos.
E dentro dessas diversas e múltiplas formas de olhar o mundo, o global, o local, o regional, é preciso estabelecer um aberto diálogo permanente, para evitar um contínuo confronto, com as terríveis dinâmicas de vencedor e vencido…
De jeito que acho humildemente que o livro nos pode ajudar a encontrar, dentro de cada um, esse caminho dos encontros…
O que é mais facil, mudar o mundo ou mudar um mesmo?
Não podemos mudar o mundo sem nos mudar primeiro a nós mesmos. Muitas vezes a realidade que visionamos no nível geopolítico mais global, ou político mais local; no nível dos relacionamentos sociais não é outra cousa, que projeções do estado interior de consciência (da psique de guerra, medo a não sobrevivência, dominar para não ser dominado) que ainda vive a humanidade… Mudar é evoluir: evolucionar desde um foco de atenção psicológica virado no instinto da sobrevivência (que gera as dinâmicas de confronto: onde o mais forte garante seu predomínio contra os mais fracos). Mudar para um foco novo assentado, primeiro na aceitação desse medo à morte, e depois na compreensão da colaboração e ajuda mútua, tal como estudou Kropotkin permite uma melhor capacidade de adaptação ao meio e, pelo tanto uma garantia maior de sobrevivência, tanto para o mais forte, como para os fracos… É, sem dúvida, um processo individual e coletivo, necessário, mas que ainda vai demorar no tempo.
A mudança individual da psique, ajuda, pois, como dizia Gandhi, cada vez que um ser humano dá um passo em direção à paz, toda à humanidade dá esse passo em favor da paz. Mas coletivamente, ainda há muito aprendizado pela frente, pois a sociedade, desde a base na escola até o mundo laboral, está ainda organizada em torno à concorrência com o próximo, visionado como adversário. Ao invés de fomentar a superação de cada um, em ajuda – companheirismo com o próximo; atitude que abrange o coletivo…
Algumas cousas vão já tomando outras vias, mas todo processo humano, tem seus ciclos definidos, que vão alem duma geração; precisando normalmente o sacrifico de várias gerações, e a força da iniciativa das vanguardas, para concretizar um determinado fato de mudança…
Há algumha ligaçom entre este livro e “Adelaira”, o teu romance publicado em Através?
Em Adelaida as personagens davam muita importância ao seu mundo psicológico: as suas dúvidas, medos, incertezas… Procurando, cada uma ao seu modo, encontrar uma forma de materializar os seus desejos, paixões, instintos; minorando ou fugindo da suas dores. Adelaida representava esse ser em transformação que tentava traspassar os seus instintos mais primários, os seus medos, e procurar um caminho mais ético; segundo aquelas instruções morais das “Máximas de Ptahhotep”, do velho Egito, que sinalizavam a “via do ventre” como a que puxava, no ser humano, pela realização dos seus apetites mais carnais; enquanto em contrapartida estava a “via do coração” que trabalhava para elevar, aquele mesmo ser humano, a um patamar mais digno, ético e moral. A pode haver já um caminho que me conduz a este livro. Mas o livro que faz de ponte, com esta nova criação, é sem dúvida o anterior “Um Longo Acordar”, uma espécie de ensaio narrativo, com várias personagens, expondo seus pontos de vista, sobre estas questões diversas, que como humanidade enfrentamos no nosso dia a dia, e que tecem, no trabalho de presente, no agora, o futuro do amanhã, das nossas sociedades…
A obra sai do prelo da mao da associaçom “Movimento Internacional Lusófono”, como é que surgiu esta oportunidade?
Em verdade, já tinha colaborado com eles, no anterior livro, de que já falamos. Normalmente a minha primeira opção é sempre uma editora galega, que tiver sensibilidade com a normativa reintegracionista. No entanto, nem sempre é fácil publicar as minhas obras, disso sou consciente.
Normalmente a minha primeira opção é sempre uma editora galega, que tiver sensibilidade com a normativa reintegracionista. No entanto, nem sempre é fácil publicar as minhas obras, disso sou consciente.
As temáticas de que falo, o modo como as apresento nem sempre pode ser avaliado para publicar. Outros fatores suponho entram também na decisão de não publicar uma obra. Neste caso, além das diversas reflexões sobre diferentes temáticas, também temos diversos poemas que encabeçam cada capítulo do livro; junto a um par de anexos finais, desde visões muito particulares, que nem sempre encaixam com determinadas linhas editoriais.
Daí que ao igual que no passado livro a alternativa de publicar pelo MIL, surgiu depois duma tentativa de publicar na Galiza. Foi fácil chegar a um acordo, eles gostaram de seguida da obra.
Não foi encarada como provocadora, senão como de necessária reflexão, outros matizes não tiveram tanta importância… Vamos ver se isso também aproxima um bocadinho mais uma voz galega – mexicana ou mexicana – galega do mundo lusófono. E pouco a pouco, duas ramas separadas duma mesma árvore cultural: Galiza e a Lusofonia ficam, cada vez, mais perto. Conhecem-se melhor e partilham mais espaços, que finalmente serão reforços que sempre viajam de um a outro lado
Nos teus artigos de opiniom como colaborar do PGL falas de geopolítica mundial, o que temos que aprender ocidente doutras latitudes?
As aprendizagens normalmente, ou, se quisermos, os discursos dominantes, transitam sempre desde os centros civilizacionais até as periferias. Aquelas pessoas ou grupos, que se sentem mais centrais que outros, por dinâmica sistémica, muitas vezes ignoram a riqueza cultural que se esconde além do seu centro imaginário de conforto e poder. Descobrir essa riqueza é algo, do que também falamos no livro, talvez não explicita mais sim implicitamente.
No caso do Ocidente, é agora mesmo, como falo muito nos meus artigos, um centro em decadência. Todo na natureza tem o seu momento de nascimento, máxima expansão e contração. Na contração como num fruto já amadurecido, que começa a perder a sua vitalidade, inicia-se um processo de corrosão – podridão. Nesse processo a semente, apesar de tudo, prevalece. Dessa semente, que por expansão do centro civilizatório, em anteriores etapas (o nosso caso Ocidente), vai ser criada (com achegas da semente autóctone e outras assentadas no local) uma nova raiz, que no seu devido momento dará fruto, como novo centro para uma nova civilização… Isso, é o que esta acontecer hoje na América do Sul, que sofre das dores de parto, desse novo processo que culminará com uma nova civilização, da qual o Brasil será centralidade, pelo seu tamanho, demografia, diversidade cultural e riqueza material e espiritual… Ocidente, não tem mais remédio que perder a velha arrogância. Se não começar a olhar para as velhas periferias por conta própria será obrigado a fazê-lo. O livro fala longamente deste fato.
No caso do Ocidente, é agora mesmo, como falo muito nos meus artigos, um centro em decadência. Todo na natureza tem o seu momento de nascimento, máxima expansão e contração. Na contração como num fruto já amadurecido, que começa a perder a sua vitalidade, inicia-se um processo de corrosão – podridão. Nesse processo a semente, apesar de tudo, prevalece.
Enquanto ao que deverias aprender, acho, já Ocidente tem, devagar, incorporado certos modos de ver a realidade, muito menos material, tanto do Oriente, como da África ou América Latina.
Devido precisamente, ao ciclo de mudança do poder financeiro a um novo poder mais participativo da cidadania (assunto que desenvolvemos nas páginas centrais do livro), o velho centro Ocidental, já não pode achegar mais a humanidade do que já tem dado até o momento, após os povos da Península Celtibérica ter aberto as rotas de interconexão do mundo no final do século XV, inícios do XVI. As reflexões do magnifico livro de Erich Fromm “Ter ou Ser” trazem lições também que nos aproximam de outras sociedades, não ocidentais, onde o Ser permanece mais no foco da atenção, que o Ter…
Há algo que gostarias de esclarecer e que nom perguntei?
Acredito que estamos em um momento de transição de toda à humanidade, já ativado pelo desenvolvimento cientifico – tecnológico, que cria uma realidade, não somente mais em rede, senão uma nova realidade onde a razão, vai também deixando passo à intuição, dado ao facto de o excesso de informação disponível não poder ser classificada racionalmente, em casinhas correspondentes. Os pacotes de informação têm de ser visionados também intuitivamente, declinando aquilo que não está a ser útil ao nosso desenvolvimento como individual.
Neste momento de encruzilhada, com um centro de poder Ocidental em declínio, e um novo centro a ser formado (China – Rússia?), cada pessoa deve começar a realizar o processo, preciso para cada um, de mudança, que lhe permita evoluir em favor dessa nova e futura sociedade, que apesar das aparências de cada vez estar mais dominada, terá por força de ser mais participativa; ainda que pela evidência da crise, de momento, tome atitudes mais autoritárias.
Este livro pretende precisamente abrir caminhos, para esse trabalho, por meio desse diálogo tão preciso, entre todas partes da sociedade.