Alva Igrejas Gonçales é de Ponte Areias e na sua escola as crianças que falavam galego eram “do monte”. Quando mudou para o galego, a sua mãe ficou preocupada mas com final feliz. A sua filha Íris ajudou a que a passagem para o galego fosse profunda. Praticante budista, a descoberta do galego como uma língua internacional está a abrir novas possibilidades de comunicação com entidades portuguesas. Embora tenha formação em desenvolvimento Web a felicidade profunda ocorre com as mãos na terra.
A Alva nasceu em Ginzo de Ponte Areias. Foi educada em castelhano e na sua escola só algumas das crianças falavam galego. Que nos gostarias de contar da tua infância linguística?
Quando era uma criança falava em castelhano, tanto na escola como na casa. Tinha algumas companheiras e companheiros que falavam galego na casa, com os pais, os avós… mas não na escola. E havia uma minoria que pareceriam saber falar só galego. Àqueles chamávamo-los “de monte”. Eu gostava de imaginá-los corricando com as cabras entre tojos e regatos. Fosse assim ou não, o que sim lembro é que eles pareciam desfrutar duma liberdade e uma frescura que eu não tinha.
Quando era uma criança falava em castelhano, tanto na escola como na casa. Tinha algumas companheiras e companheiros que falavam galego na casa, com os pais, os avós… mas não na escola. E havia uma minoria que pareceriam saber falar só galego. Àqueles chamávamo-los “de monte”. Eu gostava de imaginá-los corricando com as cabras entre tojos e regatos. Fosse assim ou não, o que sim lembro é que eles pareciam desfrutar duma liberdade e uma frescura que eu não tinha.
No entanto, com quinze anos realizas uma viagem fora da Galiza. E tudo muda. E as mudanças nem sempre são bem recebidas.
Sim! Naquela viagem deram-se várias condições para apreciar de jeito mais profundo a nossa cultura, as nossas paisagens, os nossos costumes, a nossa fala… E quando voltei, de jeito muito natural, entrei na casa falando galego. A minha mãe não compreendia. Ela sofrera muito por ser galego-falante, pois quando era nova levaram-na a Vigo com a sua prima para que continuasse a estudar, mas a rapaziada de cidade ria dela por não saber falar em castelhano. É por isto que a minha mãe dizia “com o bem que sabes falare o castelhano, vão-se rir de ti!”. Mas decorreram já trinta anos daquela sua experiência e, por sorte, as coisas algo mudaram. Finalmente, um dia enquanto falava com a minha avó, a minha mãe olhava-me sorrindo. Depois disse “a verdade é que che queda mui bem o galego”. Concordo 🙂
Conseguir alargar o galego a todas as esferas vitais não foi simples. Felizmente, para esse percurso tiveste uma aliada, a Íris.
Antes bem foi uma coisa muito complicada! O galego era uma língua de segundas, isto não era um pensamento consciente, mas era um facto refletido no meu jeito de fazer uso dela. Quando ia ao banco falava em castelhano, em especial se ia pedir algo. Quando ia ao médico falava em castelhano, sobretudo se queria conseguir que me fizessem alguma prova! Quando ia a uma entrevista de trabalho falava em castelhano, para não arriscar a não ser contratada por motivo da língua. E mais, quando descobria que o outro falava em galego já não mudava! Pela vergonha de ter reconhecido que antepusera o galego ao castelhano. Mas todo isso mudou quando nasceu a Íris, naquele momento conectei muito forte com a língua materna, e todo foi impregnado de galego. Assim o galego subiu à primeira e eu comecei a interessar-me verdadeiramente por melhorar a minha língua, dignificá-la e convertê-la em algo formoso que legar. Contudo, um dia senti que apesar dos esforços estava a falar uma língua moribunda.
Essa ideia do galego como língua moribunda… a descoberta do galego internacional viria a abater essa ideia, não é?
Tenho duas amigas de fora da Galiza que estão a aprender o galego e sentem mágoa de não terem com quem praticar. Vivendo na Galiza, isso é muito triste, isso é, para mim, um sintoma duma língua moribunda. Eu mesma experimentei que o meu galego tocava num cume muitas vezes.
Quando descobri o galego internacional senti alivio e também esperança! Comecei primeiro a depurar palavras emprestadas do castelhano, e surpreendia-me que quando ouvia algumas delas lembravam-me a infância com as minhas avós, assim pois algumas não estavam perdidas por completo. Então continuei a depurar expressões e conjugações nos verbos. E depois duns meses animei-me a falar com um monge português, que não conhecia, com o meu novo galego. Surpreendeu-me muito comprovar que a comunicação era possível. Nunca antes o pensara.
Fazes parte de uma projeto que criou um espaço para a prática budista. A dada altura, tomastes a decisão de fazer a comunicação por e-mail em galego-português. Como está a correr a experiência?
Desde que começamos com esse espaço de prática sempre tivemos claro que a nossa comunicação havia de transcorrer em galego, pois essa era a nossa língua habitual. Mas aconteceu que eu, que me encarregava de escrever os correios, um dia integrei no meu entorno pessoal o galego-português, mas com a sangha a comunicação continuava a ser em galego-castelhano. Isto em mim provocava uma incoerência e bastante atranco na minha aprendizagem, assim que tivemos algumas reuniões pessoais, depois formais, e finalmente decidiu-se mudar o sítio web (ainda em processo) e os correios para o galego-português. Um grande desafio! O mais formoso é que a mudança deu-se, e continua a dar-se, sem pretensões, e sem crer que esta é a única verdade. De facto, com isto animamo-nos a traduzir algumas partes para o castelhano para continuar a sermos inclusivos e inclusivas com as pessoas de fora da Galiza ou que não se sentem cómodas com esta grafia.
Do ponto de vista profissional, a Alva é muito inquieta (Integração Social, Desenvolvimento Web…), mas agora é camponesa, o que compaginas com o desenho de sites de projetos próprios. Ser camponesa numa Galiza que se quer sacudir esse vestígio. Como o estás a viver.
A minha avó celebrará o seu 92 aniversário nuns dias e continua a cultivar a sua horta. Cultivar é algo tradicionalmente nosso, mas não só como parte da história da Galiza, mas da história humana. Para mim cultivar a terra é recuperar uma parte da nossa cultura que, como a língua ou as músicas tradicionais, identificam o nosso jeito de relação com a Vida, com o planeta.
Em termos práticos, posso dizer que quando tenho as mãos (e os pés) na terra experimento uma felicidade profunda, uma vitalidade e uma liberdade que nunca experimentei com as mãos no computador. Se o “progresso” não traz felicidade, para mim é um progresso questionável.
Qual achas que deveria ser a melhor forma de comunicar à sociedade a estratégia luso-brasileira para a nossa língua? Quais seriam as áreas mais importantes?
No meu caso foi, e é, estimulante saber que nalguns lugares de Portugal continua ainda viva uma cultura que na Galiza já desapareceu ou está a ponto de desaparecer. Refiro-me, por exemplo, aos saberes e fazeres antigos, artesanato, costumes… Também gostei de descobrir que podia ler livros e olhar documentários na minha própria língua com um sotaque ou uma grafia ligeiramente diferente. Um exemplo são os projetos que há sobre permacultura e agrofloresta no Brasil e que, antes do galego-português, não teria encontrado pelo facto de buscar diretamente conteúdos em inglês.
Também gostei de descobrir que podia ler livros e olhar documentários na minha própria língua com um sotaque ou uma grafia ligeiramente diferente. Um exemplo são os projetos que há sobre permacultura e agrofloresta no Brasil e que, antes do galego-português, não teria encontrado pelo facto de buscar diretamente conteúdos em inglês.
No budismo falamos das portas do Dharma para referir-nos àquilo que cativa, que atrai, para uma pessoa decidir um dia achegar-se a praticar. Acho que com o galego-português precisamos continuar a descobrir novas “portas da língua”, pois o que um não valora pode ser interessante para outra pessoa.
Porque tomaste a decisão de te tornares sócia da Agal? Que esperas do trabalho da associação?
Porque é muito o que tenho recebido da Agal e parecia-me justo corresponder dalgum jeito. A quantidade de recursos que estais a oferecer é muito ampla, e muito útil: o dicionário Estraviz, a linha editorial de Através, o PGL… Desejo que encontreis formas com que vos achegar à infância e juventude para trabalhar na base essa mudança, despertando neles o amor pela nossa cultura, algo que antes ocorria de dentro (na família) para afora (a sociedade) e que agora devemos abordar com engenho para despertar de fora para adentro.
É muito o que tenho recebido da Agal e parecia-me justo corresponder dalgum jeito. A quantidade de recursos que estais a oferecer é muito ampla, e muito útil: o dicionário Estraviz, a linha editorial de Através, o PGL…
Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
No princípio esta pergunta parecia-me muito complicada, pois acho que não tenho conhecimento para gerar uma opinião, mas depois percebi que, o que sim tenho, é uma experiência que vou relatar com este breve exemplo:
Quando a minha mãe começou a escola, pelos anos 50’, todas as crianças falavam em galego, imaginai o estranho que poderia ser numa aldeia rural da Galiza se fosse o contrário! E isso que aprendiam as coisas em castelhano. Quando eu começava a escola, a princípios dos 90, a 4 km daquela escola em que estudou a minha mãe, quase nenhuma criança falava em galego e, os que o faziam, eram pelo geral vítimas de piadas. Há dois anos, a minha filha começou a escola. Na sua aula são 25 crianças e não há nenhuma que fale galego, nem mesmo a minha filha. Acho que não tenho resposta a esta pergunta, mas a minha experiência contem um exemplo claro de que “o processo” não está a ser positivo.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Gostaria que os galegos e galegas sentissem uma grande dignidade pela sua língua, que a falassem com orgulho e com amor, pois acho que temos uma língua que se presta a essas ternuras. Gostaria que nesse cenário de 2050 o uso da língua fosse tão espontâneo e natural em qualquer âmbito e recanto da Galiza que, quando alguém fizesse uma pergunta como esta, quem a lese ficasse desconcertado. Gostaria duma Galiza com uma língua normalizada, não por terem normas, mas por ser normal, o normal, o comum. Tão habitual que já ninguém lembre que, noutro tempo, a coisa fora diferente.
Conhecendo Alva Igrejas Gonçalves:
Um sítio web: https://plumvillage.org
Um invento: a escrita
Uma música: a bossa nova. Partilho uma alegria:
Um livro: Esperança Ativa, da Joanna Macy e Chris Jonhstone
Um facto histórico: o descobrimento da eletricidade
Um prato na mesa: uma torta!
Um desporto: para ver no televisor nenhum, para praticar qualquer que seja acompanhada
Um filme: La belle verte (Turista espacial)
Uma maravilha: a Mãe Terra
Além de galega: curiosa