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Alexandre Peres Vigo: “todos os tipos de estereótipos nocivos, como o estereótipo galego, são muito mais racionais do que pensamos”

A última novidade da Através Editora aborda as imagens. Não é a primeira vez como testemunham os trabalho de Beatriz Busto, Helena MiguélezCarlos Quiroga e Carlos Pazos. O livro Do ódio à paródia: o estereotipo antigalego na literatura espanhola do século XVII é da autoria de Alexandre Vigo, doutor pela Universidade da Corunha com a tese O estereotipo antigalego na literatura española moderna: xénese, desenvolvemento e consolidación. A seguir, a entrevista que partilhamos com ele. 

O que é que será melhor, ser odiados ou ser parodiados? 

Certamente a escolha não é nada agradável; que país não gostaria de ser amado e respeitado ao mesmo tempo? Certamente não era o nosso caso naquela época.

Mas, respondendo, é importante dizer que o ódio entre grupos muitas vezes nasce da inveja, mas também da rivalidade e da ameaça, o que de certa forma nos fala da existência de igualdade ou simetria de poder. Pensemos no ódio entre as grandes potências internacionais. Algo disso ainda existia no século XV entre a Galiza e Castela, ou melhor, entre a monarquia castelhana e a aristocracia do reino da Galiza.

Claro, gostemos ou não, o caso da paródia é bem diferente. A ridicularização de um grupo sobre outro costuma ocorrer quando um deles – o “ridicularizador”, vamos chamá-lo assim – se considera superior ao outro; desde o modo, é dado como certo que o outro grupo é submisso, estúpido ou simplesmente inferior, enfim, que não representa nenhuma ameaça. Dentro desse conforto e superioridade, nasce a paródia. É o caso da Galiza do século XVII, aliás, de forma muito semelhante ao que aconteceu com os irlandeses na literatura inglesa não muito tempo depois.

A ridicularização de um grupo sobre outro costuma ocorrer quando um deles – o “ridicularizador”, vamos chamá-lo assim – se considera superior ao outro; desde o modo, é dado como certo que o outro grupo é submisso, estúpido ou simplesmente inferior, enfim, que não representa nenhuma ameaça.

Não sei ao certo se será melhor, mas, é claro, quando um povo é ridicularizado é porque pode estar privado do poder e isso nem sempre acontece com ódio.

O estereótipo lançado sobre uma comunidade é antigo. Em que medida o é? A que obedece a necessidade de caricaturar o outro? 

Goste ou não, os estereótipos fazem parte da nossa natureza humana. Psicologicamente, não poderíamos viver sem tais generalizações e categorizações que são tão lucrativas quanto, diga-se de passagem, injustas e indesejáveis ​​e, às vezes, profundamente erradas. Aceitando isso, podemos dizer que os estereótipos existem enquanto o ser humano existe e é lógico que eles estejam na literatura e no resto das suas criações. Ficaríamos surpresos ao ver as descrições que os autores gregos fizeram sobre os persas, ou os romanos sobre os egípcios. Já na Idade Média, e não digamos no Barroco, esse tipo de informação de que tanto gostamos as pessoas curiosas, explode.

Sobre a necessidade de caricaturar o Outro, isso tem, claro, muitas leituras. Para resumir, poderíamos dizer que todos os tipos de estereótipos nocivos, como o estereótipo galego, são muito mais racionais do que pensamos. Digo racional, mas não deve ser confundido com objetivo. Sim, é verdade que muitas vezes os atributos objetivos são usados ​​para distorcer o Outro, mas no fundo estes servem a um propósito estratégico de grupo, inconsciente, mas geralmente procura justificar, defender, a desigualdade, os maus-tratos, a exploração. A representação ridícula do “negro” e das mulheres negras na América, como na Europa, servia para justificar a escravidão. Tudo isso está muito bem estudado. Falo sobre esses e outros tópicos ao longo dos primeiros capítulos do livro.

Monstros, imorais, bêbed@s, suj@s, hereges… Todas estas atribuições, e ainda outras, foram lançadas contra a população galega. Em que medida continuaram a ser alimentadas após o século XVII? 

Certamente, muitas dessas atribuições perderam peso por sorte, mas não pelo simples fato de os preconceitos terem sido extintos; nalguns casos, essas mudanças tiveram muito a ver com a ideologia de cada momento. É curioso ver como a população galega era vista como herética na sociedade da Contra-Reforma, enquanto no século XIX os galegos eram acusados ​​de serem extremamente religiosos. A paródia, como o ódio, bebe da antítese do que é socialmente valorizado. Mas, respondendo à pergunta, poderíamos dizer que a ridícula imagem do galego como imigrante por excelência, imigrante com limitados recursos económicos e mesmo intelectuais, continua hoje muito presente em grande parte da sociedade espanhola. O tema nunca desapareceu da literatura, nem da sociedade em que surgiu. O tema daria muito mais mas, claro, aquela imagem da Galiza como terra inóspita, habitada por gente selvagem e indisciplinada já estava bem estabelecida no século XVII. O mesmo acontece com os preconceitos contra a língua e mesmo sobre a capacidade dos galegos, vistos como os eternos e pobres emigrantes. Tudo isso já pode ser encontrado na literatura barroca espanhola.

O tema daria muito mais mas, claro, aquela imagem da Galiza como terra inóspita, habitada por gente selvagem e indisciplinada já estava bem estabelecida no século XVII. O mesmo acontece com os preconceitos contra a língua e mesmo sobre a capacidade dos galegos, vistos como os eternos e pobres emigrantes.

Já a falar em termos de género, quem padeceu mais o alvo da caricatura? De que formas? 

Sem dúvida, a mulher. Reunia dois elementos tremendamente estigmatizados na sociedade castelhana da época, como a feminilidade e a galeguidade. Para entendê-lo melhor, é preciso pensar quem foram os principais autores de obras literárias em espanhol: homens e castelhanos. Esse contraste, essa dicotomia, tem muito a ver com a forma como foi descrita a mulher galega, sempre imaginada como um ser grotesco, bruto, de língua mole e modos baixos. Basicamente, podia-se atribuir tudo o que de negativo poderia ser atribuído a uma mulher naquela sociedade profundamente patriarcal do século XVII. A mulher galega era algo como a antítese perfeita de uma cortesã castelhana. A isso somava-se também sua condição de imigrante, uma imigrante trabalhadora que realizava todo o tipo de trabalho precário; isso também reforçou o seu caráter antagônico em relação ao que se esperava de uma mulher então. Por isso é muito comum vê-las em inúmeras obras, seja como domésticas, estalajadeiras, até prostitutas…, não raro como protagonistas maldosas em inúmeras obras. Tudo isso os tornava um alvo fácil para os escritores madrilenos e, em geral, castelhanos.

Esse contraste, essa dicotomia, tem muito a ver com a forma como foi descrita a mulher galega, sempre imaginada como um ser grotesco, bruto, de língua mole e modos baixos. Basicamente, podia-se atribuir tudo o que de negativo poderia ser atribuído a uma mulher naquela sociedade profundamente patriarcal do século XVII. A mulher galega era algo como a antítese perfeita de uma cortesã castelhana.

A língua estava fadada a ser também um objetivo do estereótipo. A língua de Portugal sofreu também esse processo?

Com efeito. As línguas, e todas as suas variedades, são um elemento intimamente ligado aos estereótipos. Se pensarmos em algum grupo humano que conhecemos, é normal que também nos venha à mente a forma de falar. Em linhas gerais, podemos dizer que a perceção que temos de uma língua depende, em grande parte, da perceção que temos dos próprios falantes. Claro que, para os castelhanos do século XVII, o galego era uma língua de imigrantes, visto como a antítese do castelhano, este último entendido como a língua da corte. Mesmo assim, o desprezo pelo galego já existia. Daria para falar muito. O facto é que sabemos que. no século XVII, os castelhanos não conseguiam diferenciar entre as línguas galega e portuguesa. O próprio Tirso de Molina admitiu que assim foi mais fácil para os galegos escapar daquela paródia e xenofobia, fazendo-se passar por portugueses em Castela. Claro, até 1640 Portugal era visto como um poderoso reino em Castela, aliado e até certo ponto submisso. Essa falta de rivalidade inicial, somada a um certo respeito político, fez com que a língua ali falada, já conhecida como português, fosse considerada uma língua doce e educada. A mesma que depois, os próprios castelhanos, não eram capazes de diferenciar da dos seus vizinhos do norte: curioso.

O próprio Tirso de Molina admitiu que assim foi mais fácil para os galegos escapar daquela paródia e xenofobia, fazendo-se passar por portugueses em Castela.

Para concluir, porque recomendarias ler Do ódio à paródia: o estereótipo antigalego na literatura espanhola do século XVII

Embora muitas vezes, em certos meios, seja considerado um tema incômodo e quase um tabu, acredito sinceramente que o objeto de estudo não deixa ninguém indiferente. E não falo só dentro da Galiza, também tenho uma experiência pessoal no estrangeiro onde causa muita expetativa e desperta muita curiosidade. Para o público especializado, acho que o livro representa uma atuação sobre o tema e nele procura-se dar novas interpretações e explicações a partir de disciplinas muito diversas e de um referencial teórico quase universal.

Para o público em geral, acho que este livro está cheio de citações incríveis, embora reconhecidamente indelicadas. Com ele, os leitores poderão traçar algumas semelhanças com a realidade atual e até entender a origem daquela paródia e como a imagem do ridículo galego criada pelos autores da “Era de Ouro” teve um impacto crucial na história e na sociedade deste país. As suas reminiscências continuam connosco, não há dúvida. Só por este último facto acho que, do meu ponto de vista, vale a pena abordar este publicação.

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